terça-feira, 2 de julho de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



O senhor Abel e a dona Noémia são duas pessoas extraordinárias, alegres na vida, felizes na humildade de mentes abertas ao reconhecimento da vontade de aprender, permanentemente, pois se é verdade que ninguém tudo pode saber, não o será menos a verificação de estar ao alcance de qualquer o constante avolumar dos conhecimentos, seja em alguma área especializada ou no domínio da sabedoria da vida, em geral, o aceitar que se erra e o querer corrigir, muitas vezes para errar de novo, mas não na repetição do mesmo e a persistência costumeira de emendar novamente, sempre melhorando aqui e ali, sabendo mais hoje que ontem. Nem toda a gente assim é e muitos são os arrogantes que se deixam envelhecer em certezas, invariavelmente com os seus cortejos de desgraças quando em consequências infelizes se vão vertendo sobre destinos terceiros. Não é o caso deste que eu, desde a primeira hora, senti ver como uma espécie do irmão mais velho que nunca tive e com quem, afinal, o Manuel se habituou a pensar em voz alta, naqueles momentos em que não temos pistas nem referências para percebermos a escolha certa num dilema qualquer. Como não poderia deixar de ser no derivado de uma serenidade tão profunda como é a deles, com o acréscimo da fresca doçura de estarem habitualmente divertidos, como poucos, prontos a gargalhar até a respeito das suas próprias fraquezas e deficiências. Ainda que possamos estar a tratar os mais delicados assuntos, raramente não são de boa disposição as ocasiões em que usufruímos do convívio destas pessoas tão maravilhosas, quer estejam eles juntos, quer estejam em separado, no isolamento decorrente da respectiva individualidade. Eles deram largas ao sonho de quererem conhecer o país, aquele velho desígnio de não quererem deixar este mundo sem que, pelo menos, vissem uma boa parte da terra em que nasceram e em que se fizeram alguém e levaram a cabo todo o percurso dos seus dias. Pessoalmente jamais duvidei que ambos se fizessem à estrada, muito embora tenha havido quem tenha dito que não seria com esta idade que o homem se iria pôr a conduzir sozinho tantos e tantos quilómetros, no entanto, certo e sabido foi eles terem desenhado no mapa das estradas um longo roteiro que os levou daqui até Bragança, numa longa volta que passou por Viseu e Lamego, atravessou o Douro em Castelo de Paiva e daí subiu para Vila Real e, pelas curvas e contra-curvas do Marão que no dizer agoniado dela não mais acabavam, lá acabaram por chegar à capital de Trás-os-Montes e Alto Douro de que não se cansam de gabar a beleza enquanto cidade, bem como da região circundante. É vê-los e ouvi-los relatando as peripécias de quem fez as serras a passo de boi e o coração entre as mãos que o suor atrapalhava as pernas obrigando a paragens de recuperação e de socorro aos enjoos da mulher a quem, especialmente, toda aquela nervoseira requeria descargas regulares da bexiga por esses campos fora, ao ponto de, já na etapa de regresso, terem demorado um dia inteirinho para chegarem a Macedo, onde a escuridão os fez pernoitar. E tudo isto sem contar com os volta atrás das vias mal sinalizadas e das erradas interpretações cartográficas que, pela narrativa dos próprios, foram papoilas em terreno de pousio. Pois terá sido isso que os levou a redefinirem os seus planos de vadiagem sem com isso beliscarem os intentos de satisfazer o desejo de conhecer as paisagens e os rostos dos portugueses. “-Desistir é que nunca.” –Expressa ela, de indicador esticado, a máxima que também ele toma por boa e de que brotou a proposta que apresentaram na nossa escola para que se enquadrem uma série de passeios temáticos que eles contam pôr em prática através da associação e com o secretariado e a colaboração dos mais jovens, no âmbito de visitas de estudo de apoio às diversas disciplinas de todos os anos de escolaridade que aqui garantimos e que vai até ao ciclo final do liceu. Eu tenho imenso orgulho em ter por amigos dois seres como eles são que, tendo em vista a realização de um gosto particular, não deixaram de procurar conjugar isso com o bem e o interesse comum e tiveram a inteligência suficiente para delinearem uma maneira de não só tornarem uma actividade lúdica mais atractiva, como o alcançaram na materialização de algo proveitoso para os mais novos e até para os adultos que os acompanhem igualmente isso se aplica. Foi o que o senhor Abel conseguiu com a prestação que decidiu desenvolver na associação com que deu início a dois programas distintos, o primeiro com duas saídas já concretizadas e o segundo com a primeira em cartaz. Assim, para os miúdos da escola primária que, sob supervisão das mestras elaboram trabalhos a respeito do sítio a visitar e da época a que o mesmo respeita, arrancou com o roteiro dos castelos de Portugal que, para eles, será um meio de visitarem cidades que ambicionam conhecer e, para os mais crescidos, conceberam um conjunto de visitas guiadas aos mais variados locais de interesse para os programas disciplinares que se inaugurará com um dia na barragem do Castelo de Bode, com uma breve lição sobre a importância económica deste género de infra-estruturas e uma observação acompanhada e didáctica sobre o funcionamento daquele colossal equipamento e todo o circuito de produção de energia.
Fosse essa a vontade dos homens e o mundo poderia ser um paraíso, mas é por esta estirpe de massa humana que, pelos tempos, permanece essa utopia.

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