sábado, 6 de julho de 2013

Plantas que Curam



Alfinetes

Tenho escrito sobre centenas de plantas logo que elas me apaixonam ou despertam a minha sensibilidade. Para aquelas que conheço de “ginjeira” e trato por “tu”, a tarefa não tem apresentado dificuldades de maior. Os problemas surgem quando aparecem plantas que me espicaçam, que me desafiam, que por radiestesia própria me evidenciam validade, mas que eu, humilde amador de botânica, não vislumbro ponta por onde lhe pegar. A história que vou contar tem anos e só agora consegui dar-lhe seguimento.

Amigos muito chegados convidam-me assiduamente para ir, no mês de junho, à Festa da Cereja em Alcongosta (Fundão), na encosta sul da Serra da Gardunha. Escusado será dizer que quase todos os anos é um fartote (ver a Cerejeira no livro “As Plantas Nossas Irmãs”) em que a figura central é o afamado fruto redondo e vermelhinho e a sua cada vez maior aplicabilidade gastronómica. Ora num dos acessos ao centro histórico da pitoresca aldeia, ano após ano, encontro sempre num escarpado muro, ramalhetes de flores escarlates que me cumprimentam e tentam “conversar” comigo. Por princípio, não falo com “desconhecidas” para não lhes dar confiança, mas desta vez, decidi-me a aprofundar o relacionamento. Colhi um raminho e procurei na minha já vasta biblioteca algo que me proporcionasse a identificação de tão simpática flor. Trabalho árduo mas que deu resultados, como vamos ver.

A planta em questão é de boas famílias. Trata-se de uma valerianácea que dá pelo nome de Centranthus ruber. De facto, eu já conhecia uma sua irmã, de flores brancas, que abunda na Arrábida, a Centranthus calcitrape, que de resto, vem até mencionada no livro “Flores da Arrábida” do saudoso José Gomes Pedro. Contudo, jamais tinha visto espécies de “calcitrapas” tão vistosas como aquelas da Gardunha.

Identifiquei-a pela primeira vez num livrinho que a minha esposa me deu de presente quando esteve em Praga e que, embora redigido em língua checa, possui fotografias soberbas com os respetivos nomes científicos. A partir daí, confirmei-a em “Plantas Medicinales” e “Plantas del Mediterráneo” de Dieter Podlech, em “Wilde Bloemen” (flores silvestres, para quem não sabe holandês) e em “Ornamental Plants of Malta” que adquiri há alguns anos quando visitei essa ilha mediterrânica. Referências em português, só as achei no opúsculo “Nomes Vulgares de Algumas Infestantes e Respetivo Nome Botânico” de Fátima Rocha, publicado em 1979 pela Divisão de Infestantes da Direção Geral de Proteção Agrícola, onde é apresentada com as designações populares “Alfinetes” ou “Cuidado-dos-homens” (que raio de nome!). Aqui os espanhóis foram mais felizes, chamam-lhe “Milamores” e os anglo-saxónicos, também muito amorosos, “kiss-me-quick”.

A Centranthus ruber é uma ruderal, oriunda da europa meridional e ocidental, que medra em muros e escombreiras nitrificadas. Tem caule cilíndrico, ereto e ramificado que logra atingir 1 metro de altura, mas que é frágil, partindo-se com facilidade. As folhas são glabras (verde azuladas), brilhantes, carnosas, irregularmente dentadas e opostas em que apenas as basais são pecioladas. Apresentam-se de forma oval ou lanceolada com nervuras bem definidas, terminando em ponta. As flores, de vermelho vivo, são hermafroditas (na mesma unidade coexistem órgãos masculinos e femininos), formando densas e deslumbrantes umbelas. O fruto tem a forma de aquénio e as sementes contêm tufos, à semelhança do dente-de-leão, que se dispersam através do vento. Gosta dos solos alcalinos e de zonas soalheiras, resistindo bem ao frio, a moléstias e ataques de insetos predadores. As flores são atrativas para abelhas, diversas espécies de borboletas e outros polinizadores.

A beleza e versatilidade desta valerianácea tornou-a muito apreciada e valorizada como planta de jardim, acabando por se naturalizar em várias partes do mundo. Na província do Cabo (África do Sul) é mesmo considerada uma espécie invasora.

Dizem os livros consultados que a referida planta integra interessantes substâncias ativas à semelhança do que acontece com a sua irmã valeriana, de onde se extraem elementos para os remédios contra o nervosismo. A casca do rizoma concentra substâncias com ação sedativa e as folhas têm propriedades antiescorbúticas e antinevrálgicas.


Curiosamente, e a despeito do sabor amargo, as suas folhas são referenciadas como comestíveis, quer cruas, em saladas mistas, quer cozinhadas em sopas de vegetais. Na província da Ligúria (Itália) são uma das componentes da célebre sopa de ervas denominada preboggion. Esta sopa típica, usada especialmente na época da quaresma, é confecionada com as folhas jovens e tenras de diversas plantas silvestres, como a borragem, a serralha, a acelga, o almeirão, o dente-de-leão, a urtiga, a pimpinela, a silene e a leituga, entre outras. A estas ervas junta-se ainda salva, alecrim, alho, azeite, queijo ralado e batata. Dizem que as características organoléticas deste pitéu são inolvidáveis. Ainda um dia havemos de experimentar!


Miguel Boieiro



Sem comentários: