quarta-feira, 10 de julho de 2013

CONHECER-SE


Oiço muitas vezes citar os gregos antigos e recitar aquela fórmula de Delfos que se atribui a Sócrates: «Homem, conhece-te a ti mesmo». Quando oiço isto, não sei se é projecto próprio de quem declama se recado pouco humilde para quem ouve.
Será que alguém quer verdadeiramente conhecer-se a si próprio e mergulhar fundo nos seus sombrios esconsos?
Quem verdadeiramente o queira que o faça, não o diga apenas e não aconselhe os mais. Cada um de nós tem o inalienável direito de acertar ou errar por si próprio, de conhecer-se ou de ignorar-se. Não podemos viver por interposta pessoa nem dizer aos outros o que lhes convém ou não convém.
Conhecer-se é compreender-se. Todavia, não há um ponto de chegada onde possamos dizer: finalmente conheço-me, finalmente compreendo-me. Trata-se de um processo contínuo e interminável, não de um curso em que se acumulam conhecimentos e se obtém boa nota e diploma de prova final.
Tal como não há curso, também não há técnicas nem métodos, porque conhecer-se (compreender-se) não é racionalizar-se. Racionalizar só é útil para obtermos a liberdade de duvidar das crenças que nos incutiram e daquelas que inventámos através da experiência. Toda a crença é um obstáculo da compreensão e quanto mais sagrada a julgarmos mais obstaculizadora ela será.
É pela inteligência do coração que nos compreendemos e o coração, contrariamente à mente racional, é algo de extremamente plástico e mutável que não depende da acumulação de saberes: muda quando mudamos, constrói o futuro de cada dia sem olhar ao peso das gerações mortas. A razão de cada um pouco muda por si mesma, faz-se mais por influência externa do que por vontade própria. É através dela que a autoridade nos condiciona e nos domestica. Na razão habitam todos os saberes, todas as autoridades e todas as eras; na inteligência do coração habita apenas cada um de nós a sós.


ABDUL CADRE  


1 comentário:

MJC disse...

Muito interessante o texto de Abdul Cadre.

Muito agradecido pela partilha.

Manuel João Croca