segunda-feira, 22 de julho de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (38)

Starry Night, Vincent Van Gogh, 1889
Óleo sobre Tela, 73x92cm

Gosto quando o silêncio da noite

Gosto quando o silêncio da noite é marcado
pelo compasso dos meus passos
e do ranger que fica nas ramadas envilecidas
quando os suspendo, para olhar
as nuvens que passam entre a preguiça despida
que o fresco sentido no rosto faz abanar.

É tão bom quando temos a noite só para nós.

E gosto quando o compasso dos passos se apressa
pelo desejo de te contar como foi bonito
o mergulho que ainda há pouco dei entre as estrelas.

Luís Gomes

Para quem quiser recordar o hino de 

Don McLeanVincent (Starry Starry Night)

http://youtu.be/dipFMJckZOM

11 comentários:

MJC disse...

O ler, o ver e o ouvir juntaram-se e pronto, deram-nos um banquete.

Abraços.

Manuel João Croca

Amélia Oliveira disse...

Bom dia António, Luís Gomes (e Don McLean, já agora!).

Que me lembre, é a segunda vez que o Real... vem com banda-sonora: e não é que liga tão bem?

Luís Gomes, ainda bem que voltaste à poesia - ganhamos todos com isso, porque os teus poemas são muito bonitos. 'Mergulhar nas estrelas' é uma imagem fantástica (em época balnear ou fora dela :)).

António, como sempre uma excelente escolha. Não tem nada para nos contar sobre o Vincent?

Belo banquete, como refere o MJC!

Amélia Oliveira

Luís F. de A. Gomes disse...

Companheiro,

Sem falsa modéstia, eu, sinceramente, fico espantado. Antes de tudo, porque ao contrário do que há tempos vem sustentando a Amélia, eu nunca me vi como um poeta, nunca me tive nessa conta - mas gostei de fazer este trabalho e, com ele, deste meu regresso ao género. Depois porque estes meus poemas são tão pueris, tão simples e inocentes naquilo que expressam - a paixão, o amor, a adoração - que, se podem ter interesse para mim que os escrevi e os sinto, ao escrevê-los, jamais poderia imaginar que se dessem ao agrado de outrem que não eu e quem de direito. Mas fico satisfeito por não ser assim e por isso agradeço as tuas palavras.

Aquele abraço, companheiro
Luís

Luís F. de A. Gomes disse...

Amélia,

Como fantástica, se é tão vulgar fazê-lo? E logo de tantas maneiras.

Seja como for, o teu entusiasmo pela poesia e as nossas conversas sobre literatura e, em tal domínio, particularmente, o género em causa, foi um dos factores que, como sabes, me levaram a escrever este conjunto de poemas que, já o disse ao Manuel João, tanto gozo me deram a escrever.
Mas foi tão fácil fazê-lo. As palavrinhas saíram tão sem esforço... Continuo espantado com o que escrevi.

Luís

PS
A banda sonora é uma delícia de que jamais falaria aqui.


Luís F. de A. Gomes disse...

António,

Obrigado pela publicação - ainda que este trabalho já não seja inédito, pois creio que eu o publiquei no meu FB e veio a sair no livro colectivo que a Academia publicou recentemente.

Por acaso, pessoalmente, gosto deste poema.

Quanto à banda sonora não poderia ser mais apropriada. o Don tinha um hit do pessoal da minha idade, não este tema que, para o caso, é mais apropriado, mas aquele em que falava dos good old boys drinking wiskhie and wine. Sempre esteve ligado ao amor e à paixão, isto é, à partilha de gostos e mimos entre os apaixonados e aqueles que se amam - isto para o pessoal da minha idade, é claro. Boa escolha!

Aquele abraço, companheiro
Luís

Unknown disse...

A poesia é uma coisa extraordinária... apressa-nos os passos com desejos de contar.

Luís F. de A. Gomes disse...

Amélia, querida amiga
Fiquei a pensar na resposta que dei ao teu comentário, sobretudo quanto ao aspecto em que referi quão fácil foi escrever os quarenta poemas que dão corpo ao livro, “Tudo”, o meu livro de poesia, direi, o único que até agora assinei com o meu próprio nome e que eu reconheço como a minha modesta passagem por esta vertente da literatura. Sobre este particular, devo expressar mesmo o quanto me alegrou fazê-lo, por todos os motivos, a começar pelos pessoais, sobretudo pelo que ao trabalho que tenho vindo a lavrar em este âmbito e, sem o menor laivo de imodéstia, ao qual me posso referir, em todo o seu conjunto, como a minha obra em tal domínio. Em boa hora aqui surgiste e nos reencontrámos e, com isso, encetámos uma conversa, em cujo contexto acabei por me colocar este desafio de voltar à poesia, praticamente trinta anos depois da minha última experiência no género. Em melhor hora o decidi fazer pois, com ele, acabei por colocar uma peça que faltava, justamente uma aventura poética e não tenho qualquer dúvida em afirmar que nem mesmo a Musa me levaria a fazê-la, não tivessem sido estes os conteúdos inteligentes dos muitos lanches de café e almoços, na sequência dos quais acabei por produzir este que, por mais singelo, será o meu livrinho deste ano.
Mas fiquei a pensar nessa ideia da facilidade, sabes e parece-me que isso tem a ver com os próprios processos de construção de texto – seja de que tipo for – e ocorreram-me ideia engraçadas que quero partilhar contigo – até pelo que acrescentam a tudo o que temos falado a esse respeito e acerca de como se cria um objecto literário, no caso, especificamente um poema.
Pelo menos comigo acontece assim, quando nos queremos preparar para escrever um determinado trabalho, não só começamos por nos documentar a respeito do assunto que queiramos abordar e isso depois dependerá de cada caso particular, mas também, por exemplo, no caso de um romance, procuramos ser capazes de nos colocar no cérebro das personagens que criamos – para efeitos de credibilidade e coerência, como é fácil de ver – e, muitas vezes, isso leva-nos até a termos de conseguir vivenciar determinados estados de espírito, para que possamos muito simplesmente escrever com propriedade e verosimilhança. Aqui estamos no campo da poesia e então deu-se o caso de, entre os diversos preparativos para estes trabalhinhos, eu me ter confrontado com a necessidade de recriar os estados de espírito e emocionais mais adequados ao teor daquilo que se queria criar. Pois é aí que entra a facilidade; a que outra Musa poderia recorrer que não fosse a da fúria da juventude, da força, da ousadia, do delírio da juventude, a da paixão de toda a energia física e onírica dos vinte anos, quando a paixão é uma revelação e o amor se consolida em torno de uma relação de fraterna amizade. Para mim foi fácil reviver esses momentos de um início da juventude cheio de vida e liberdade para a preencher ao agrado dos dias. Com isso, com o reviver dessa minha própria história da paixão e do amor, foi sem esforço que consegui recuperar todos os sentimentos que experienciei e acredita que revivi os estados de alma – quando as pessoas andam pelas ruas como se tivessem asas nos pés – esses loucos e inolvidáveis anos de idade me propiciaram e que, na verdade, até tanto contribuíram para que eu seja hoje a pessoa que sou. A Musa é tão doce, minha amiga que só de me lembrar do toque das mãos volto a cair de novo nesse que já é tempo de antanho da minha vida e como não surgirem aí as palavras que materializem todas as sensações que um tal exercício de memória nos proporciona? E foi tão naturalmente que as diversas unidades me foram surgindo que, bem vistas as coisas, nem devo ter levado muito para completar o conjunto.

(continua)

Luís F. de A. Gomes disse...

(continuação)

Se bem te recordas, a questão inicial era ver se poderíamos ir um pouco mais longe que as excelentes e riquíssimas análises do Professor Francesco Alberoni sobre a paixão e o amor nos permitem.
A dúvida estava em saber se poderiam haver amores de uma vida, isto é, se alguém poderia manter vivo um sentimento de amor por outra pessoa, mesmo havendo ambas seguido caminhos diferentes na vida se, ainda assim, poderia um amor resistir ao tempo e à separação. Tu defendeste que sim e ilustraste com um caso que é do teu conhecimento. E seria mesmo um caso desses? Objectei, poderíamos dizer com segurança que a pessoa que tomavas como referência, como tu disseste, “caíra de novo nos vinte anos ao ver esse rosto uma trintena de anos depois” e que isso seria por causa de um regresso repentino da paixão ou do amor tantos anos depois?
Acabámos por chegar à conclusão que sim e depois de aprofundarmos a pesquisa de dados – salvo seja a expressão – verificámos até que, afinal, outros casos mais ou menos similares tinham sido compilados.
Logo uma pergunta se nos colocou; pode haver amor desinteressado, amor que – fora do que poderemos descrever e caracterizar como o amor platónico que se contenta sem se materializar, nem mesmo deseja atingi-lo – pretendendo mesmo concretizar-se, ainda assim, resista à impossibilidade de o poder alcançar? Um amor que, para lá do que sustenta o Professor Alberoni, possa permanecer enquanto dádiva vivida e sentida pelo ser amante? Limbos teóricos complicados…
E a ousadia seguinte foi a hipótese de podermos acrescentar algo à leitura da paixão e amor entre Romeu e Julieta do Shakespeare, afinal o inventor do amor romântico tal como o concebemos aqui, no Ocidente e, hoje em dia, por via da difusão cultural e da aculturação, em outras partes do mundo. O cerne da interpretação que tem sido feita até aqui, vai genérica e generalizadamente no sentido de se dizer que o sublime ali se encontrou no facto de o amor ao sacrifício da própria vida pois, tanto um como o outro, ao saberem – na primeira situação suposta e erradamente – da morte do ser amado, abdicaram da própria vida que ofereceram em sacrifício de amor ao outro. Era de tal modo avassalador o sentimento que os possuía que os levou a, por amor, entregarem a própria vida ao outro que outra coisa já não poderia possuir dado o trágico desfecho. O sublime estava então aí em dar a vida por amor. Acontece que simultaneamente isso prova precisamente que pode haver esse amor desinteressado que nada pede em troca e que, no limite shakesperiano, pode levar à entrega total da própria vida.
Tínhamos assim que poderíamos explorar essa nuance e portanto poderíamos ponderar caracterizar esse(s) caso(s) de amor.
Mas ainda que tivéssemos visto que o mesmo não necessariamente teria que decorrer de algo mais que uma paixão, decidi então inventar um estádio para a mesma em que – ao arrepio da sólida argumentação do Professor Alberoni - ela fosse igualmente desinteressada, uma paixão que teria dado origem a um amor da maneira que o caracterizámos, sem ser exclusivista e sem ter que pretender transformar-se em amor, uma paixão que, também ela, fosse capaz de resistir à erosão das estações.

(continua)

Luís F. de A. Gomes disse...

(continuação)

E foi aí que surgiu o tema e o mote para o “Tudo”. Eu teria que ser capaz de escrever poemas que nos sugerissem essa paixão avassaladora e em simultâneo desinteressada, uma mistura entre paixão e adoração que se manteria pela vida e para a qual criei o vocábulo e a ideia de adoraixão.
Como poderia deixar de ser fácil escrever toda essa elaboração teórica, quando para tanto eu até teria que reviver o amor da juventude, afinal, o amor de toda uma vida? E foi por isso que tanto gostei de me ter envolvido nesta produção que tão grata viagem pela memória me proporcionou.
Acasos da vida que nos dão que pensar.

Luís

Luís F. de A. Gomes disse...

Sim, Teresa, ao amor também podemos chamar poesia, afinal, ele poetiza-nos os dias e as alegrias.

Amélia Oliveira disse...

Luís Gomes,

Engraçado ver aqui as nossas conversas literárias transformadas em 'Teoria da Literatura'... agradeço-te este recapitular. E, se pra ti foi interessante a escrita, para mim foi interessante 'acompanhar' o teu processo de escrita. Algumas das nossas discussões seguiram-se a seminários 'acesos' que tive este ano na FLUL, pelo que, para mim, foi também bastante interessante este seguir mais de perto a construção de textos. Agradeço-te a vontade que daí me veio de voltar a 'mergulhar' nos meus velhos livros de Teoria da Literatura, de andar às voltas com rimas e métricas... E, caso queiras escrever o 'Tudo - Volume II' que a nossa discussão literária se mantenha, porque aprendi muito com ela e revisitei conceitos e autores já há algum tempo guardados nas estantes empoeiradas. Ficou-me o 'bichinho' da discussão literária, foi quase um regressar aos tempos da Faculdade de Letras e àquelas aulas maravilhosas de Estudos Literários, onde as discussões eram tão acesas que, muitas vezes, nos impediam de dormir (será que ainda são assim?).

Obrigada, Luís: tu voltaste ao passado dos sentimentos e paixões, eu voltei à minha paixão pela Literatura. E, assim, se retomam velhas amizades...

Abraços fraternos,

Amélia