segunda-feira, 1 de julho de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (35)

A Assassina, Munch, 1906
Óleo Sobre Tela, 110x120cm
INÊS

- Hoje ainda tenho de ir à loja comprar uma prenda para o miúdo do Torres.
- O miúdo do Torres faz anos?
- Sim, faz anos…
Ele olhou-a de soslaio e fez um pequeníssimo esgar de desdém. Ela ergueu os olhos, olhou para ele de forma leve e intuiu, do olhar dele, algo de estranho…

Jantaram, como habitualmente, repartindo tarefas. Mãe e filha falavam de coisas insignificantes até que o Francisco acabou de dobrar minuciosamente a toalha de baixo e se sentou a ler. 

Luísa sentou-se com a Inês. Apesar de cansada, sabia que tinha mesmo de a ajudar a estudar para o teste de Língua Portuguesa. De forma quase automática, mãe e filha foram desenrolando a matéria que supostamente iria sair no teste do dia seguinte. Pelo menos, segundo a Ivone, da turma B, que já fez teste com a professora Marta.
- Quantos parágrafos tem o texto?
- Cinco.
- Quantas frases há no segundo parágrafo?
- Cinco.
- Que sinais de pontuação marcam os finais das frases do texto?
- Pontos finais, pontos de interrogação e pontos de exclamação.
- Justifica a utilização de dois pontos no final do quarto parágrafo.
- Mãe, hoje a professora Marta perguntou ao pai se tu já tinhas chegado da Bélgica.

Ela olhou-o de soslaio e fez um pequeníssimo esgar de desdém.
Ele ergueu os olhos de forma leve e imediatamente intuiu, do olhar dela, algo de estranho…
- Sim?
- A Marta falou contigo?
- A Marta?
- Sim, a Marta!!!
- Qual Marta? Eu não conheço nenhuma Marta… Tu andas um pouco distraída, não? Deve ser por causa do Torres.
- Distraída, eu? Então? Tu é que pareces andar esquecido… Vê lá tu que nem sabes quem é a Marta. Não te convém…
- Mau!!!
- Mau, digo eu!!!
- Olha, vai … ai, se não estivesse aqui a Inês…

A miúda olhava de soslaio para os dois.
E eles nem chegaram a perceber que a Inês trazia na mão a arma do pai.

O tiro foi rápido e mortal.

Teresa Bondoso

4 comentários:

Amélia Oliveira disse...

Bom dia, António.

Quadro e texto perturbadores, hoje! O texto parece-me da Teresa (as minhas desculpas ao autor se não for).

Conheço muito pouco do Munch, mas esse pouco que conheço tem sempre esse elemento de perturbação - aula precisa-se! :).

Abraços calorosos do Reino dos Algarves!

A.Tapadinhas disse...

Amélia Oliveira: As minhas desculpas à autora e à leitora: já está corrigido o erro apontado.

Sobre Munch haveria muito a dizer. O seu quadro mais famoso é O Grito. Ele descreveu assim a sua obra-prima: Caminhava eu com dois amigos pela estrada e então o sol pôs-se; de repente, o céu tornou-se vermelho como sangue. Parei, apoiei-me no muro, inexplicavelmente cansado. Línguas de fogo e sangue estendiam-se sobre o fiorde preto-azulado. Os meus amigos continuaram a andar, enquanto eu ficava para trás tremendo de medo e sento o grito enorme, infinito, da natureza.
Contrariamente ao que se poderia pensar, este quadro tem diversas variantes com inúmeras técnicas e suportes.

Na obra que escolhi, a mulher é Charlotte Corday, depois de ter assassinado o herói da Revolução Francesa, Marat. A violência dos traços e a da cor contrastam com a desolação inexpressiva com que Charlotte nos encara.
Mais uma vez, ele tem outra versão de A Morte de Marat, talvez mais perturbante, pelo sangue que avermelha o lençol branco, com os corpos em nus frontais...
Parece chocar de propósito com a iconografia que foi estabelecida à volta do tema, depois da obra de David, pintada em homenagem a Marat, em 1793.

Para Munch a angústia parece (é) criadora...

...para nós, como bem dizes, é perturbante!

Abreijos,
António

Amélia Oliveira disse...

António, sempre boas, estas curtas 'aulas'. E de quem mais poderia ser o fantástico texto senão da Teresa, não é?

Um obrigada aos dois.

Unknown disse...

Não posso deixar de agradecer ao Munch e ao António. Gosto muito deste autor e da sua força. O expressionismo parece conviver bem com as coisas que me preocupam... e agradeço também à Amélia. Bem hajam!