terça-feira, 9 de julho de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Não caibo em mim de tanta alegria que sinto. O meu trabalho como professora despertou atenções alheias e fez incidir sobre mim o interesse das autoridades responsáveis nestas matérias, resultando daí a proposta e o convite para fizesse ecoar os métodos e procedimentos que tenho vindo a utilizar para levar os alunos a aprenderem os temas e os assuntos que o programa da disciplina de Filosofia aborda, com os quais tão positivos resultados consegui. Não sei como os meus esforços chegaram ao conhecimento desses deuses, mas a verdade é que me saíram da mão um bom leque de estudantes que nas universidades têm brilhado e obtido elevado reconhecimento nas classificações e, uma vez no trabalho, sem excepções, têm atingido desempenhos profissionais que merecem destaque no balanço entre aquilo que fizeram e o que alcançaram. Sei que muitos deles me têm transmitido o quanto a minha influência foi importante no seu crescimento intelectual e académico e não me custa imaginar que isso tenha sido ventilado ao longo de anos até que alguém terá reparado na existência de um denominador comum que, em face do que viam e podiam perceber, pelo menos, interessaria conhecer. Só pode ter sido essa a causa para que no fim da Primavera tenha recebido uma carta de um antigo professor, manifestando o desejo de me reencontrar a fim de lhe poder falar e descrever a minha experiência na actividade docente. Ora isto seria mais que suficiente para que eu me sentisse orgulhosa e ao mesmo tempo recompensada por todo o meu empenho laboral e, embora estranhando, não deixei de ficar encantada pela tarde que aqui passei em tão sábia companhia que, para minha total incredulidade, ali estava à minha frente apenas para me ouvir. No entanto estarei a ser sincera se escrever que de modo algum me passaria então pela cabeça que semelhante satisfação era apenas um começo e que exponencialmente maior seria a que se haveria de seguir quando, umas semanas mais tarde, fui convidada para um encontro com esse mesmo mestre e um alto representante do Ministério da Educação Nacional que me fizeram saber dos seus planos para me propiciarem as condições para um doutoramento na área, com base no argumento, antes de tudo, da relevância da minha inovadora maneira de ensinar a Filosofia, estou a usar as palavras deles, ser conhecida pelos outros docentes e aspirantes à docência e também por isso se enquadrar no objectivo fundamental da reforma com que o novo ministro pretende não só melhorar, como alargar o sistema de ensino ao acesso de um cada vez maior número de portugueses. Escusado será dizer que ia caindo da cadeira, até pelo facto de estar perfeitamente consciente do pouco apreço, para não grafar desconfiança, em que as autoridades, em especial as policiais, têm esta nossa comunidade e, naturalmente, todo e qualquer um dos seus habitantes, ainda mais eu que sou casada com um daqueles que esses esbirros já sujeitaram às sevícias das suas arbitrariedades e prepotências e mãe de um jovem que fugiu à guerra e, na opinião deles, com isso traiu a pátria. Depois não vejo que me possa ser imputado o mais singelo dos actos em que transpareça sequer o mais ténue dos indícios de qualquer simpatia de minha parte pelo regime que, apesar das conversas em família e das declarações de abertura do Professor Marcelo Caetano e das operações de cosmética que transformaram a PIDE numa direcção-geral de segurança, visto quanto ao essencial, permanece o mesmo. Talvez o lente tenha visto uma qualquer mensagem nos meus olhos, o certo é que adivinhando os meus pensamentos ou não, logo ele se apressou a dizer que o Professor Veiga Simão, o novo ministro da tutela, está logicamente mandatado para servir o país e, nesse sentido, não está mesmo nada interessado ou preocupado com as opiniões individuais dos colaboradores, obviamente, não sendo inimigos declarados que se dediquem dolosamente à subversão que procura derrubar a situação, desde que esteja convencido que aqueles que recruta são os melhores e os mais competentes para uma determinada função e só pode ser com esses que ele poderá contar se quiser contribuir para que Portugal seja cada vez mais moderno e desenvolvido. E o secretário de estado acrescentou que eu tinha algo a dar para esse propósito, na medida em que a minha metodologia de ensino poderia contribuir e muito para aumentar a qualidade do trabalho dos restantes professores. E foi então que ouvi a proposta para passar a tese aquilo que até aqui tem assumido apenas um carácter prático. Fiquei atordoada, sem tirar nem pôr. Mal saí da sala, o contentamento explodiu e não descansei enquanto não vi o instante de dar a novidade ao Manuel. E decidi aceitar aquilo que todos os amigos com quem falei me disseram dever ser entendido como uma honra. Ainda não comecei a trabalhar e portanto não sei como e o que irei fazer ao certo. Mas sei que estarei mergulhada num desígnio que seguramente me apagará a disponibilidade para continuar a dar conta destes cadernos e tenho de confessar que o lastimo. No entanto não podemos ter tudo, há ocasiões em que nos vemos forçados a estabelecermos prioridades e esta é uma delas e agora prioritária é a resolução daquele compromisso. Mesmo sabendo que os mais novos estão a expandir os negócios, nas cortiças estão até a operar uma pequena revolução com a produção de rolha e outros produtos e a entrar em novos mercados no norte e centro da Europa, é muito mais importante que me dedique à investigação que a estas croniquetazinhas. Assim sendo, provavelmente não voltarei aqui tão cedo.

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