terça-feira, 19 de novembro de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Nem sei por onde comece, se por aqui, pelo debate que de repente surgiu na comunidade e que espero tenha ficado resolvido pelas meras decorrências do bom senso, como só dessa forma poderia ser resolvido, se comece por ali, isto é, pelo que se passou nestas últimas semanas no país que entrou definitivamente numa ebulição que ninguém imagina como irá arrefecer e muito menos o que daí venha a resultar de bom ou mau para todos nós. Para já há quem cante vitória, na sequência da qual se ouve falar como nunca no socialismo que me parece ser visto das diversas maneiras que as diferentes e variadas correntes que dele se reclamam o definem e que para os militares, especialmente ao nível das mais altas patentes que têm responsabilidades dirigentes, se trata do socialismo à portuguesa, uma espécie de trilho algures entre aquilo que um tanto depreciativamente há quem chame de social-democracia sueca e o socialismo de estado e de partido único do modelo soviético e que os mais esquerdistas ou como tal ditos, querem antes ver mais próximo dos moldes chineses, da mesma maneira que o é para os partidos, com os socialistas reclamando para a originalidade lusitana uma mistura de economia privada ou assente na iniciativa privada e uma forte posição do estado no tecido económico nacional, naturalmente com uma sociedade de contornos pluralistas e os comunistas parecendo mais apostados em conseguir antes uma economia planificada baseada na propriedade e controlo estatal, também ela com as garantias das liberdades e das escolhas de governação por processos eleitorais, não ficando no entanto claros os limites de a quem é aberta uma tal possibilidade, no que os mais radicais conseguem maior precisão ao definirem muito prosaicamente que aqueles que se oponham abertamente a esses caminhos sejam pura e simplesmente silenciados. Num destes dias, ouvi a um jovem comunista que aqui vive e trabalha, a expressão modo de produção socialista para descrever o que, na sua maneira de ver, está, neste momento, a construir-se em Portugal. Seja como for, há cânticos de vitória no ar, pelo menos por enquanto, mas tenho a impressão que a tempestade é bem mais negra e efectiva do que pretendem as ilusões que a negam ou nem a consideram enquanto tal e temo que das respostas a toda esta alegria de afirmação política ou de uma dada opção política venha a derivar um clima de violência que possa descambar numa qualquer espécie de guerra civil. A verdade é que estamos assistindo a um extremar de posições que não é líquido que a aprendizagem da democracia que temos feito até aqui seja capaz de resolver fora do estado de conflito. Vamos ver, a intuição diz-me que isso dependerá em grande medida do cumprimento da palavra dos militares que agora se organizaram em Conselho da Revolução, de permitirem a realização de eleições para uma assembleia constituinte. Esperemos pois que as coisas se encaminhem no bom sentido e que os meus maiores receios sejam de todo infundados ainda que, em consciência, não seja capaz de dizer do acerto das propostas que por ora estão a ser postas em prática. Razão tinha eu em duvidar da bondade do abraço do General Spínola às regras da democracia e se não será rigoroso dizer que o que se passou em seguida foi uma resposta à sua acção muito duvidosa, até por esta, por sua vez, ser ela própria uma reacção ao crescente de ascendência que as facções socialistas, digamos assim, têm gozado nestes últimos meses, até um tanto à boleia do que muitos militares têm afirmado quanto às suas preferências por aquele quadrante, não será errado de todo sustentar que o comportamento da velha raposa e particularmente a tentativa de golpe pela força que capitaneou, espoletaram ou precipitaram aqueles outros acontecimentos. Certo e sabido é que no dia onze, Spínola chefiou um ataque aéreo a um quartel de Lisboa que vitimou mortalmente um soldado e que em defesa do regime de Abril ou em mero sinal de apoio, saíram à rua não só muitos militares e muitas unidades, como milhares e milhares de civis que mais uma vez barricaram estradas e se colocaram em locais estratégicos, no que houve actos de violência e outras mortes, com excessos evitáveis de algumas pilhagens – será este o termo? – a sedes de partidos apontados como fascistas e que provavelmente, em muitos casos, nada tiveram que ver com a sublevação que me pareceu toda ela de contornos cesaristas, mais do que derivada de comandos de uma qualquer organização propriamente dita. Depois o General fugiu, acho que para Espanha e atrás dele muitos outros, assim como outros foram presos e o retorno foi a nacionalização da banca e dos seguros que milhentas de manifestações e palavras de ordem logo apoiaram, exigindo-se agora a confiscação dos grandes grupos económicos que se acusam de estarem por trás de boicotes económicos com o intuito de levar este poder a cair e se possa regressar ao antigamente. Sinceramente não sei se será esse o caminho mais acertado. Será que estaríamos preparados para, de um momento para o outro, o estado passar a dirigir as empresas e a organizar as relações e os circuitos económicos? Quer dizer, será que repentinamente vamos encontrar os recursos humanos que inúmeros teriam que necessariamente ser, para o levar a cabo? Não tenho qualquer maneira de responder a estas perguntas com um mínimo de segurança, mas é fácil de perceber que estas são questões cruciais. Ora sempre terá de haver quem dirija as operações, quem saiba o que é mais adequado numa determinada ocasião e quem domine os mecanismos das vendas e das encomendas dos bens que se produzem e será que é assim tão fácil de assegurar uma coisa dessas? Foi por isso que me pareceram uma verdadeira parvoíce as propostas de alguns trabalhadores para que, de certa forma, também aqui se procedesse a um género de colectivização das nossas actividades, concedendo a propriedade de tudo, em total igualdade de circunstâncias, a todos aqueles que aqui laboram. Bem, sem qualquer vergonha devo confessar que cheguei a temer cenas de confronto físico e, porque não, armado – há muita gente por aí com armas de caça, por exemplo – quando alguns mais renitentes fizeram finca-pé para que se discutisse e levasse a votos a decisão em causa, não sem que antes tivessem esquecido fazer uma campanha a favor da mesma. Contudo, é justamente o que me leva a ter sérias reservas quanto às nacionalizações que se reclamam e o pendor da economia que daí vem; será que é isso que as pessoas pretendem, sequer estão preparadas para pretender? É que das discussões que foram prolongadas e intensas foi o que se apurou, nem todos o querem assim e pela experiência que temos deste nosso projecto colectivo – e aí creio que temos essa autoridade que imediatamente decorre de o termos feito – estes só serão exequíveis quando todos aqueles que neles estão envolvidos assim o quiserem e este é um dos que a mim se apresentam como dos principais calcanhares de Aquiles dos países do bloco socialista. Mas isto seria matéria para uma outra conversa. Acabou por imperar o bom senso e, com efeito, a ideia foi rejeitada pela larguíssima maioria dos presentes para quem, a exploração de que possam ser objecto é devidamente temperada por toda a redistribuição da riqueza que, afinal, até temos conseguido neste nosso cantinho do paraíso. Será que poderei tomar isto como um pequeno sinal de esperança para este país?

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