domingo, 3 de novembro de 2013




Uma das várias navegações que gosto de praticar, é percorrer os trilhos á beira-rio exercício que, no entanto, se torna cada vez mais difícil concretizar. O movimento das marés foi corroendo a consistência das muralhas que mãos humanas construíram, a falta de manutenção permitiu o desfecho, a sua derrocada total. Sem a barreira de pedra que lhe cortava o fôlego e o fazia estancar, continua o rio, por mais uns metros, o seu deambular insaciado até se imobilizar no abraço à terra, sua eterna e insubmissa namorada. E ela acolhe-o enfeitada por salgadeiras, cardos (que picam mas também dão flor) e outras plantas que ali fizeram a sua casa e colonizam as zonas húmidas. Namoram ao som do regurgitar dos bivalves quando as marés baixam e dos gritos e chamamentos das aves do mar que folclorizam o ambiente. A elegância sumptuosa dos flamingos desliza sobre o cinzento lodoso e o seu colorido conta-nos que há outros mundos neste mundo que sentimos mais nosso apenas por nos ser mais próximo. Os trilhos arrastados pelo correr da maré tornam mais difícil a incursão, mas a recompensa continua a ser imensa e gratificante. O brilho do sol, o vento no cabelo, o cheiro da maresia, os barcos típicos sobre as águas que, com arte, bolinam os esteiros, domesticados pelo saber dos últimos intérpretes da faina, ou por navegantes ocasionais que no ócio exercitam e cumprem, o fado ou desígnio da alma lusa marinheira. 

                                                                                                                                              M. J. Croca



Foto: Edgar Cantante

6 comentários:

A.Tapadinhas disse...

Esta tua descrição dos trilhos e do seu percurso à beira-rio é a perfeita síntese duma pequena tela, a que eu chamei "Pastor de Sonhos", executada pouco depois do passeio que o EG fez nas zonas húmidas... Lembras-te?
Vou guardar o texto para memória futura...
Parabéns ao fotógrafo e ao escriba!

Abraço,
António

luis santos disse...


A tua escrita é de grande riqueza literária. Devias tentar o romance, sem dúvida. Eis o Projeto!

Abraço.

estudo geral disse...

Amigo António como poderia não lembrar essa tarde e as telas em que a fixaste? Essa que referes é mesmo deveras especial. Estão lá muitos sentimentos ou não estivesse cheia de amigos. Começa logo pelo artista que fixou o momento, está a Raúla agonizando e um "pastor de sonhos" (foi assim que lhe chamaste na outra tela do dia não foi?) que se aproxima como que confortando-a. Em silêncio, outros amigos assistem. É obviamente uma tela de que muito gosto então não?

A propósito, temos de agendar outro encontro do Estudo Geral.

Abraço.

Manuel João

MJC disse...

Amigo Luís, fico feliz com o teu comentário e sensível à tua sugestão. Vamos a ver se consigo já que estou inclinado a aceitar esse desafio. A seu tempo, talvez.

Temos de agendar outro encontro do EG.

Grande Abraço.

Manuel João

luis santos disse...


"Uma página por dia, 365 por ano..."

MJC disse...

Por exemplo, Luís.

Abraço.

Manuel João