sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Livros d'África



JOÃO BERNARDO DE MIRANDA 

Nasceu no Kaxito, província do Bengo, em 1952. Licenciado em Direito, jornalista durante algum tempo, cedo iniciou uma brilhante carreira política tendo exercido o cargo de Ministro das Relações Exteriores de Angola entre 1999 e 2008. Foi parte activa e influente nas conversações para os acordos de paz assinados em Bicesse e Lusaka. É membro fundador da União de Jornalistas Angolanos e da Associação de Juristas Angolanos.

A obra “NAMBUANGONGO”, prefaciada por Domingos Van-Dúnem e publicada pela Dom Quixote em 1998, retrata a caminhada para a independência de Angola a partir dos levantamentos iniciados pela UPA (União dos Povos de Angola) na zona dos Dembos.

Foi um início sangrento onde, para além de eliminar os brancos, os mulatos, os assimilados e todos aqueles que colaborassem com os brancos, a ordem era matar também osmona-wa-ionka”, isto é, traduzindo livremente, os filhos de cobra, porque, segundo as directivas de Mbunta Muntu (ou Tata Holden, nomes porque era tratado pelos seus correligionários o líder Holden Roberto)mona-wa-ionka, ionka uê”, ou seja, filho de cobra é cobra.

A narrativa principia exactamente com a violação de uma jovem bailundo* por um branco, dono da roça de café para onde ela tinha vindo trabalhar, contratada. Dessa forçada união nasceu uma menina, Massanga, que verá o seu futuro e o futuro da família completamente esfrangalhados pelos combatentes da UPA por causa da sua condição de mulata.

É no desenvolvimento desses acontecimentos que surge o primeiro núcleo do MPLA, embrião do que viria a ser a sua 1ª Região Político-Militar comandada por Nito Alves, cuja acção é algo desenvolvida neste livro e que viria a desembocar nos trágicos dias que se seguiram ao 27 de Maio de 1977.

O Autor faz também a ponte entre os que queriam construir uma Angola diferente e aqueles cujo oportunismo transformou o país naquilo que é hoje. Ouçamos as palavras sábias do velho ndembu** Mabakala, veterano de Nambuangongo, com uma análise amarga mas procurando, fiel ao seu código de lealdade, explicar a acção dos dirigentes a um jovem combatente revoltado com as discrepâncias sociais:

(…) Na verdade um programa político, por mais perfeito que seja, não pode dispensar a inteligência, a personalidade, o carácter, a vontade e a fama do dirigente. Da mesma maneira que o brilhar do sol obscurece ou ofusca todas as outras estrelas, o dirigente político ofusca o programa, e porque não mesmo o próprio Partido que representa?...

Os políticos geralmente reduzem o programa do seu Partido a um simples suporte, um meio para a promoção do seu prestígio pessoal. Dessa promoção pessoal nasce a autoridade. Meu filho, a política sempre se fez na primeira pessoa do singular. No eu. Eu sou. Eu fiz. Eu farei. Eu aqui e eu acolá, eu para cá e eu para lá, etc…

E os nossos camaradas não serão uma excepção, percebe?... Eles hão-de sempre falar no programa maior do MPLA, mas isso não quer dizer que hão-de sempre estar a trabalhar em obediência a este programa. Eles falarão sempre do programa maior do MPLA, mas actuarão em conformidade com tudo aquilo que é susceptível de enaltecer e elevar o prestígio pessoal.

Tudo que põe em causa o prestígio pessoal do dirigente, mesmo se é bom e útil para o Partido que representa, o político não o faz sem primeiro dizer, eu…”

Análise sábia que bem poderia aplicar-se a outros países: é só mudar as siglas. 


(*) bailundo – etnia do centro e sul de Angola, tida como (mais) colaborante com os portugueses.
(**) ndembu – habitante da zona dos Dembos, região de Nambuangongo.



Tomás Lima Coelho

2 comentários:

luis santos disse...


Não conheço nada do João Bernardo de Miranda, nem como político, nem como escritor, mas a reflexão que nos ofereces deste seu livro é bastante lúcida, pertinente e muito importante para perceber melhor as teias em que o poder se tece.

Abraço.

Tomás disse...

Exactamente! Foi precisa alguma coragem para ter escrito este livro na altura em que foi, mesmo tendo as costas largas, como é o caso...