JOÃO
BERNARDO DE MIRANDA
Nasceu no Kaxito,
província do Bengo, em 1952. Licenciado em Direito, jornalista durante algum
tempo, cedo iniciou uma brilhante carreira política tendo exercido o cargo de
Ministro das Relações Exteriores de Angola entre 1999 e 2008. Foi parte activa
e influente nas conversações para os acordos de paz assinados em Bicesse e
Lusaka. É membro fundador da União de Jornalistas Angolanos e da Associação de
Juristas Angolanos.
A obra “NAMBUANGONGO”, prefaciada
por Domingos Van-Dúnem e publicada pela Dom Quixote em 1998, retrata a
caminhada para a independência de Angola a partir dos levantamentos iniciados
pela UPA (União dos Povos de Angola) na zona dos Dembos.
Foi um início sangrento
onde, para além de eliminar os brancos, os mulatos, os assimilados e todos
aqueles que colaborassem com os brancos, a ordem era matar também os “mona-wa-ionka”,
isto é, traduzindo livremente, os filhos
de cobra, porque, segundo as directivas de Mbunta Muntu (ou Tata Holden, nomes
porque era tratado pelos seus correligionários o líder Holden Roberto) “mona-wa-ionka, ionka uê”, ou seja, filho de cobra é cobra.
A narrativa principia
exactamente com a violação de uma jovem bailundo* por um branco, dono da roça
de café para onde ela tinha vindo trabalhar, contratada. Dessa forçada união
nasceu uma menina, Massanga, que verá o seu futuro e o futuro da família completamente
esfrangalhados pelos combatentes da UPA por causa da sua condição de mulata.
É no desenvolvimento
desses acontecimentos que surge o primeiro núcleo do MPLA, embrião do que viria
a ser a sua 1ª Região Político-Militar comandada por Nito Alves, cuja acção é
algo desenvolvida neste livro e que viria a desembocar nos trágicos dias que se
seguiram ao 27 de Maio de 1977.
O Autor faz também a
ponte entre os que queriam construir uma Angola diferente e aqueles cujo
oportunismo transformou o país naquilo que é hoje. Ouçamos as palavras sábias
do velho ndembu** Mabakala, veterano de Nambuangongo, com uma análise amarga
mas procurando, fiel ao seu código de lealdade, explicar a acção dos dirigentes
a um jovem combatente revoltado com as discrepâncias sociais:
(…) Na verdade um
programa político, por mais perfeito que seja, não pode dispensar a
inteligência, a personalidade, o carácter, a vontade e a fama do dirigente. Da
mesma maneira que o brilhar do sol obscurece ou ofusca todas as outras
estrelas, o dirigente político ofusca o programa, e porque não mesmo o próprio
Partido que representa?...
Os políticos geralmente
reduzem o programa do seu Partido a um simples suporte, um meio para a promoção
do seu prestígio pessoal. Dessa promoção pessoal nasce a autoridade. Meu filho,
a política sempre se fez na primeira pessoa do singular. No eu. Eu sou. Eu fiz.
Eu farei. Eu aqui e eu acolá, eu para cá e eu para lá, etc…
E os nossos camaradas
não serão uma excepção, percebe?... Eles hão-de sempre falar no programa maior
do MPLA, mas isso não quer dizer que hão-de sempre estar a trabalhar em
obediência a este programa. Eles falarão sempre do programa maior do MPLA, mas
actuarão em conformidade com tudo aquilo que é susceptível de enaltecer e
elevar o prestígio pessoal.
Tudo que põe em causa o
prestígio pessoal do dirigente, mesmo se é bom e útil para o Partido que
representa, o político não o faz sem primeiro dizer, eu…”
Análise sábia que bem
poderia aplicar-se a outros países: é só mudar as siglas.
(*) bailundo – etnia do centro e sul de Angola, tida como
(mais) colaborante com os portugueses.
(**) ndembu – habitante da zona dos Dembos, região de
Nambuangongo.
Tomás Lima Coelho
2 comentários:
Não conheço nada do João Bernardo de Miranda, nem como político, nem como escritor, mas a reflexão que nos ofereces deste seu livro é bastante lúcida, pertinente e muito importante para perceber melhor as teias em que o poder se tece.
Abraço.
Exactamente! Foi precisa alguma coragem para ter escrito este livro na altura em que foi, mesmo tendo as costas largas, como é o caso...
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