O ESTADO DO TEMPO - III
Desaba
sobre nós uma fria humidade fina que enregela o corpo e entorpece os ossos.
É
normal que tal se verifique já que estando em pleno Outono o tempo frio começa
a ser uma presença frequente.
A
sensação física de frio manifesta-se também na actividade mental que nos
impulsiona. Até a terra se acaçapa em latidos domesticados pelo manto da
friagem.
Mas,
ainda que em baixa intensidade, tudo pulsa ainda e sempre.
Costuma-se
dizer que “enquanto há vida, há esperança” e, por todo o lado e não obstante,
continua a haver vida a rodos.
Resiste-se
o melhor que se pode às condições adversas mas espreita-se a oportunidade,
espera-se o advento de condições mais vantajosas para que tudo possa eclodir a
seu tempo e as dinâmicas ganhem um ritmo mais fluido e escorreito.
Tenho
para mim (poderei estar enganado por desinformado ou insuficientemente
informado) que, nos últimos tempos, as manifestações colectivas, seja de
protesto seja de reflexão ou seja ainda de reflexão-protestativa, que maior
impacto ou adesão têm suscitado por parte da sociedade em geral têm sido as
promovidas/organizadas por organismos plurais, que englobam várias estéticas e
sensibilidades e que, por isso mesmo, assumem uma representação de
transversalidade social. A estar certa a constatação, revelará que organicamente
a sociedade emite sinais da solução em que acredita, da alternativa que quer.
Uma alternativa que, embora unida no busílis; a recusa do status quo e da
tendência evolutiva perceptível no rumo seguido por quem actualmente “comanda”,
respeite diferenças e consigne o plural enquanto representação da sociedade.
E
se estiver certa esta interpretação dos sinais, é pois altura de cada um
assumir o seu papel. A começar por cada um de nós em geral e pelos partidos
políticos da oposição fora do chamado “arco da governação” em particular (se
calhar), que deverão trabalhar na construção de uma base de unidade que seja
honrosa, digna e possível para todos esquecendo divergências, reais ou
inventadas por egos demasiado inchados ou narcísicos, secundarizando-as em
função do que é essencial: a construção de uma alternativa confluente que ajude
a corporizar a possibilidade de que o centro do poder político executivo possa
ser deslocalizado, alargado para áreas que permitam um maior respeito e uma
maior aposta na defesa daquilo que caracteriza qualquer sociedade tida como
desenvolvida, ou seja, uma sociedade que respeite o direito ao trabalho, à
educação, à saúde e à justiça enquanto pilares do exercício livre do viver.
Para todos é claro. Será isto que se espera de nós, de todos. Ou não?
Manuel João Croca
Foto: Edgar Cantante - pormenor seleccionado por M.J.Croca
3 comentários:
MJC, Boa Tarde.
Tenho estado aqui 'às voltas' com o teu texto - é longo, já o li por diversas vezes, e encalho sempre na mesma questão: '(...)é pois altura de cada um assumir o seu papel.' E que papel é este, se me permites a pergunta? É que eu já acho que cumpro o meu papel, tal como grande parte dos cidadãos deste país. Quem não o cumpre, a meu ver, é quem nos (des)governa mas que, quer queiramos quer não, têm sido democraticamente eleitos. O que é, então, suposto fazermos? De que forma sugeres que mudemos o estado das coisas, de forma a obtermos a tal sociedade que referes? A não ser através do 'agir localmente' e aguardar até que esse agir dê frutos (o que demorará, provavelmente, gerações) não vislumbro nenhuma outra forma. E também não vejo propostas concretas a sair dos tais movimentos 'independentes', que referes como 'organismos plurais'... devo confessar alguma (muita?) desinformação voluntária nesta matéria, em todo o caso fica a questão: qual é, concretamente, o papel que devemos assumir?
Abraço,
Amélia Oliveira
PS - aproveito para referir que aprendi uma palavra nova com o teu texto:'acaçapa'
Olá Amélia, viva.
Eu não sei responder a essa questão, cada um deve procurar a resposta que melhor lhe serve. Assim é que estará correcto mas, de qualquer forma, creio que já avanças um pouco na procura dessa tal resposta.
O textinho que escrevi não pretende ser doutrinal é apenas uma espécie de reflexão partilhada.
Mas, como dizes, eu encontro alguma realização na participação que vou tendo a nível local. Se calhar é por cada local (que todos juntos fazem o todo)que começam as mudanças sustentadas. Hoje no Público, num artigo da jornalista Cláudia Carvalho, a propósito de consumo cultural se conclui (com base num inquérito junto da população) estarem os portugueses entre os europeus que menos participam em actividades culturais. Profissionais do sector acham que o problema está sobretudo na fraca aposta na educação e no baixo poder de compra.Só 6% dos inquiridos têm uma actividade cultural frequente. 71% não foram uma única vez ao cinema nos últimos 12meses,apenas 40% dos portugueses leram 1(um)livro, 27% visitaram um monumento histórico, 17% uma galeria ou museu, 15% visitaram uma biblioteca pública, 19% foram a um concerto 13% ao teatro e 8% a um espectáculo de dança, ballet ou ópera. Eu acredito que as dinâmicas locais podem ajudar a alterar esta preocupante situação se houver vontade e pessoas para isso. A nível dos partidos penso que é hora de saírem dos seus pedestais e procurarem soluções que necessariamente implicarão convergências. Isso é o que eu penso não querendo com isto dizer que é o que está certo. A atitude a tomar depende de cada um mas, permito-me considerar que, só uma maior participação na criação dessas dinâmicas permitirá outras expectativas sobre a qualidade do nosso viver. Obrigado pelo comentário.
Manuel João
MJC,
Concordo contigo, sobretudo em dois pontos, que considero fundamentais: o 1º, que é localmente que se começa. E este localmente começa por ser cada um de nós, a família, o nosso bairro´, ...também li hoje no Público que já são quase meio milhão os jovens que não estudam nem trabalham. Pena que não exista neste país o 'culto' do voluntariado e que as famílias não os incentivem a estar onde poderão fazer tanta falta.
O 2º ponto, é a importância da cultura. É fundamental o acesso à cultura - o que vai sendo cada vez mais difícil. O saber, a par da experiência, fazem-nos. E, mais uma vez, as entidades locais têm um papel a desempenhar, não é? O que acho que já vai acontecendo um pouco por todo o lado, a começar pelas escolas, mas ainda muito aquém daquilo que poderá - e terá - que ser feito.
Amélia
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