quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Couve-galega


por Miguel Boieiro

Para especificarmos botanicamente uma determinada planta há que usar métodos de classificação, cuja sofisticação não é atraente aos leigos.
Exemplifiquemos: temos um elemento do reino vegetal que pertence ao ramo das Espermófitas, ao subramo das Angiospérmicas, à classe das Dicotiledóneas, à ordem das Brassicáleas, à família das Brassicáceas ou Crucíferas, ao género Brassica, à espécie Brassica oleracea, à variedade Acephala e à subvariedade Plana. Mas afinal que planta é esta tão complicada? Pois, nada mais, nada menos do que a nossa corriqueira couve-galega.

E eis como as coisas complicadas podem ser simples e vice-versa. Afinal toda a gente conhece a couve-galega que é das milhentas variedades cultivares de couves (Brassica oleracea) a que se encontra mais perto  da couve espontânea e selvagem que, julga-se, teve a sua origem no continente europeu, a Brassica sylvestris. Por razões óbvias, abordarei aqui outras variedades também sobejamente conhecidas: o repolho, a couve-lombarda, a coração-de-boi, a couve-de-bruxelas, a couve-rábano, a couve-flor, a couve-chinesa, os brócolos, … ou seja, um verdadeiro mundo no campo das hortaliças comuns.

A couve-galega é uma planta medicinal que se pode usar tanto externamente como internamente, mas a sua reputação é gastronómica. Em Portugal a couve-galega é um ex-libris, tal a sua versatilidade na culinária tradicional, com destaque para o caldo-verde que é, sem favor, a nossa sopa nacional, por excelência. Seria estultícia da minha parte descrever como se confeciona o caldo-verde e outras sopas e cozidos deliciosos onde entra a distinta convidada que hoje trouxemos à liça. Ela pode assumir uma multiplicidade de funções. De relance e a título de exemplo, estou agora a lembrar-me das broas-dos-santos que se preparam no início de novembro, em que as folhas da couve servem de base para evitar que os bolos, cozidos em forno de lenha, fiquem com a base torriscada.

O perfil nutricional da couve-galega é notável. Ela contém tanto, ou mais cálcio que o leite, com a vantagem de que a assimilação se faz praticamente sem contraindicações. Para além disso, contém valiosos antioxidantes, ferro, iodo, enxofre, provitamina A, vitaminas C, K e do complexo B. Por isso, pode ser determinante na luta contra as úlceras do sistema digestivo (estômago, duodeno, cólon). Há até quem defenda que produz efeitos benéficos no tocante às doenças cancerosas, como preventiva.
Externamente a couve finamente migada e colocada em cataplasma nas feridas e infeções cutâneas acelera eficazmente a cura das mesmas.

Toda a gente está familiarizada com o aspeto da couve-galega que é cultivada há milhares de anos, mas convém lembrar as suas principais características. Ao contrário das outras couves, ela chega atingir 120 cm de altura e no segundo ano, em que espiga, com ramalhetes de flores brancas providas de quatro pétalas dispostas em cruz (crucíferas), pode chegar aos 160 cm. Naturalmente que os caules se tornam muito lenhosos. As folhas são lisas e não se enrolam no cimo formando cabeça, como acontece com os repolhos. Daí a designação acephala.

A couve-galega não é tão exigente como as outras couves. Dá-se bem em qualquer terreno, desde que bem drenado e nitrificado, e em qualquer clima temperado.
No que respeita à resistência a moléstias e predadores, também se aguenta relativamente bem, sem necessidade de produtos químicos, tantas vezes nocivos para a saúde. O seu principal inimigo é a chamada borboleta branca (Pieris Brassicae). Cada fêmea faz uma postura de 600 ovos, os quais se detetam facilmente nos enrolamentos das folhas ou nas suas páginas inferiores. As lagartas que daí nascem são vorazes e rapidamente devoram as plantações. Felizmente que já existe no mercado um inseticida, aceite em agricultura biológica, destinado a dizimar essa lagartagem específica. Trata-se de um produto com base em Bacillus thuringiensis que atua algumas horas após a ingestão pelas lagartas, impedindo-as de se alimentarem devido a paralisia. A morte sobrevém 1 a 7 dias após a ingestão do Turex (nome comercial do respetivo produto), o qual não é tóxico para organismos diferentes daqueles que combate.

Eis, pois uma indicação útil que apresento sem qualquer interesse que não seja a de promover as regras da agricultura biológica, indispensáveis à preservação do planeta e ao futuro da Humanidade.


E para terminar este singelo escrito, deixo a pergunta tradicional dos franceses – Savais vous planter des choux? (Sabeis vós plantar couves?)


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