sábado, 23 de novembro de 2013

Dulcamara


por Miguel Boieiro

Apreciar a flora que brota espontaneamente à beira dos percursos pedonais que episodicamente trilhamos, acaba por se tornar, com a continuação, um passatempo deveras agradável. Não é preciso ir ao campo para divisar a exuberância multifacetada e multicolor da vegetação. Mesmo em plena cidade, as plantas não pedem licença para emergir viçosas e atraentes se para tal encontrarem propícias condições.

Uma escassa hora livre que disponho antes da aula de fitoterapia que costumo orientar na Universidade Sénior dos Coruchéus dá-me para passear um pouco pelas chamadas “avenidas novas” que circundam as instalações. Anoto, com prazer, que quase todos os prédios possuem jardins anexos e até pequenos hortejos. Alguns espaços são tratados com esmero pelos respetivos moradores. Outros restam abandonados mas sempre repletos de plantas (árvores, arbustos, flores, ervas …). É incrível como deparamos com tanta variedade florística em pleno solo urbano, estercado, quase sempre, pelos excrementos dos canídeos, omnipresentes naquela aprazível zona de Lisboa.

De entre tantas plantas que observo que vão das simples ervinhas até às olaias, às tílias, aos lódãos, aos plátanos, aos abacateiros, aos ginko bilobas fêmeas, deu-me agora para distinguir um pequeno arbusto, cujas flores azuis em formato estrelar sobressaem em diversos jardins. Poderia escolher outra mas, desta vez, calha falar da dulcamara.

Trata-se de uma planta ornamental, é bem de ver, mas também medicinal, conhecida e utilizada desde o tempo dos faraós. Atualmente, devido ao quimismo consumista que nos flagela, raramente é mencionada como espécie curativa. No entanto, a doce-amarga, nome popular por que também é conhecida, cuja designação científica, Solanum dulcamara L., indicia a sua família botânica - solanáceas - tem muitas aplicações no campo da fitoterapia.

Antes de prosseguirmos, convém caracterizar bem a planta em questão. Trata-se de um subarbusto perene e trepador com folhas ovais, pontiagudas, verde- escuras e pecioladas. Cresce, e embora sem gavinhas, enrola-se nos seus próprios suportes flexíveis, podendo atingir quatro metros de altura. As flores têm cor azul-violácea e estames amarelos. São alternas, pedunculadas e hermafroditas, possuindo habitualmente cinco pétalas. Os pequenos frutos formam bagas ovoides que começam por ser verdes, passando a vermelhas quando amadurecem. As sementes são reniformes (em forma de rim).

Julga-se que a dulcamara é originária das zonas temperadas da Europa e do norte de África. Ela contém interessantes princípios ativos de que se destacam os gluco-alcalóides, a dulcamarina, a solanina, os taninos, as saponinas e as resinas.

Tem reconhecidamente propriedades diuréticas, emolientes, cicatrizantes, depurativas, expectorantes, febrífugas, sedativas, analgésicas e refere o Dr. Samuel Maia no seu antiquíssimo “Manual de Medicina Doméstica”, também narcóticas e anafrodisíacas.
Principais indicações: bronquite, celulite, hidropisia, urticária, eczema, herpes, acne, queimaduras, hemorroidas, artrite, reumatismo …

O caule da planta tem inicialmente um sabor doce e logo a seguir muito amargo, daí a origem do nome dulcamara. Já se mencionou que pertence à família das solanáceas, o que só por si, implica que tenhamos muito cuidado com o seu manuseio, devido aos alcaloides tóxicos que contém, dos quais se destaca a solanina. No entanto, não está ainda bem determinado qual o grau rigoroso de toxicidade desta planta. Considera-se que as bagas são venenosas, especialmente quando estão verdes, contudo, numerosas espécies de aves ingerem-nas sem, aparentemente, qualquer efeito nocivo.

Antigamente a dulcamara era intensamente utilizada em aplicações internas (infusões). Todavia, hoje em dia, por precaução talvez exagerada, recomenda-se mais o seu uso externo.

Eis algumas receitas que repesquei na minha biblioteca privada:
- Cozimento ou a cataplasma das folhas frescas para aplicar em contusões, queimaduras, herpes e hemorroidas (Dr. Oliveira Feijão).
- Cataplasmas preparadas a partir da decocção de 100 g de folhas em 2,5 dl de água a que se adiciona linhaça (sementes de linho moídas). Aplicar três vezes ao dia, durante 15 minutos, na região afetada (Dr. Pamplona Roger).
- Infusão de 15 g para um litro de água para tomar apenas uma chávena por dia, em jejum (Dr. Lyon de Castro).
- Infusão de 20 g dos caules pulverizados num litro de água. Ferve durante quinze minutos. Tomar uma chávena ao deitar para a polução noturna (Dr. Samuel Maia). Nota: isto é mais para a malta nova, como é evidente.

Outras receitas antigas incluem tinturas, compressas e o suco fresco das bagas.

Sem comentários: