JOÃO NOGUEIRA GARCIA (1926 – 2006)
Nasceu em Vila Nova do
Ceira, perto de Coimbra. Em 1948 partiu para Angola vindo a tornar-se, no ano
seguinte, um dos fundadores da vila do Quitexe (a sua casa foi a terceira a ser
construída). Casou-se em 1951 e foi no Quitexe que nasceram os quatro filhos do
casal.
Infelizmente esta
localidade viria a ser fortemente atingida pelas mortandades perpetradas pela
UPA – União dos Povos de Angola, que tiveram início em 15 de Março de 1961.
Sobre os acontecimentos
vividos naqueles dias trágicos deixa-nos um livro, uma Edição de Autor de 2003,
intitulado “QUITEXE 61 - UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA”. É um registo cru, sem grandes
rasgos literários mas com um profundo sentido humanista.
“No percurso, perto da
fazenda do Matos Vaz um casal de nativos, ela com um bebé atado às costas,
caminha pela berma da estrada. De uma carrinha alguém dispara e mata o casal.
Eu, que vou noutra carrinha, mais atrás, vejo horrorizado o bebé rastejando por
cima do corpo da mãe já morta. O motorista não pára e ninguém grita… A morte
sobrepõe-se à vida!
Oh maldição do tempo em
que vivemos! Onde está Deus que não vê isto?”
Viveram-se momentos
tensos e perigosos: “Ao Quitexe começam a afluir as mulheres e
crianças brancas de todas as fazendas”, que serão mais tarde evacuadas para o hotel do Uíge. Aí as condições
eram as piores: “Os homens tinham
ficado no Quitexe. Esgotada a possibilidade de defesa vou à loja do Ferreira
Lima buscar uma dezena de catanas que distribuo pelos quartos. Com os poucos
homens organiza-se uma defesa simbólica com duas pistolitas e duas catanas. (…)
A meia-noite aproxima-se e então começo a ver e ouvir vultos que se aproximam,
subindo a rua das traseiras do hotel:
- MATA! MATA! UPA!
UPA!”
Não se pense, contudo,
que se trata de uma obra facciosa, como tantas outras há. A visão do Autor é
equilibrada, sabendo analisar os diferendos entre as partes em contenda como,
aliás, se pode extrair do título do livro. Deve-se isto, sem dúvida, ao facto
de ser um homem com pensamento de matriz democrática (foi apoiante activo de Arlindo
Vicente e de Humberto Delgado o que lhe valeria, desde então, uma vigilância
apertada por parte da PIDE…).
Numa carta escrita a
uma tia a viver em Portugal, já previa o que não tardaria a chegar,
referindo-se então aos acontecimentos de 4 de Fevereiro de 1961: “(…)
Em Luanda parece que os encontros têm sido renhidos e que já houve centenas de
mortes, mas mesmo por lá, por enquanto, parece que os ataques são só dirigidos
contra a polícia e o exército e que das forças revoltadas fazem parte brancos.
Seria uma sorte, pois se vamos para a questão racial será uma desgraça, pois
será o caso de mata que é branco e mata que é preto. Mas parece-me que não
teremos sorte pois esses cavalheiros daí, para salvarem a pele, não hesitarão
em nos sacrificarem.”
Houve episódios que
João Garcia não conseguiu contar, por pudor e por respeito à dignidade humana,
embora consigamos adivinhá-los entre linhas. Mas ficará sempre, na leitura
desta obra desenvolvida em 111 páginas, uma visão diferente sobre aqueles
trágicos acontecimentos de Março de 1961 que ceifaram vidas e destruíram sonhos,
mas que aceleraram o processo inevitável da independência de Angola.
Tomás Lima Coelho
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