Auto-retrato com cão negro, Gustave Courbet, 1842 Óleo sobre Tela, 46x56cm |
O MEU CÃO
Noutro
dia, estava deitado no jardim a conversar com o meu cão, tentando explicar-lhe
as razões que me levam a invejar as pessoas que são capazes de falar de coisas
complicadas que não controlam, com a mesma segurança e certeza com que, noutros
tempos, se pensava que a Terra era o centro do Universo e o Sol girava à volta
dela.
- E não
gira? - Ladrou-me, interrogativo e, simultaneamente, irónico.
Não lhe
respondi, claro. Ele, bem o conheço, estava a brincar.
- Com o
passar dos anos - continuei - raramente tenho certezas e cada vez mais me
engano. Sou capaz, por exemplo, de escolher um programa de televisão, sem
qualquer problema, porque não é uma escolha grave: a qualquer momento posso
desligar!
Abanou a
cabeça a concordar e, simultaneamente, a sacudir as moscas.
- Já não
me sinto tão tranquilo quando vou votar: se me engano, só posso mudar de canal
passados quatro ou cinco anos!
A sua
boca abriu-se de espanto e, simultaneamente, bocejou.
Prossegui
no meu raciocínio.
- É o
mesmo grupo que quer controlar o que devemos ver, ouvir, apalpar, comer,
cheirar, na internet, televisão, cinema, cartazes, revistas, jornais, no rádio
ou discos, nas relações sociais ou sexuais, nas peixarias, talhos, praças,
restaurantes, nos locais escolhidos para incinerar resíduos tóxicos (desculpa o
pleonasmo), como se fôssemos descendentes directos dos primatas, mas que, ao
mesmo tempo, nos consideram arautos de um mundo novo, com o mais risonho dos
futuros, só porque tivémos a maturidade (dizem) de votar neles. Será que esta
gente, não tem medo do ridículo?
A sua
pata direita, fez-me sinal para travar o discurso e, simultaneamente,
aproveitou para coçar a orelha. Ladrou-me:
- Vou
contar-te uma calenda (lenda de cães) da minha família, cuja pergunta final é a
resposta à tua dúvida.
E
ladrou-me a história enquanto eu, simultaneamente, lhe sacudia as moscas.
- “ O
avô do bisavô, da filha da minha bisavó, era um cão muito feroz. Toda a gente
fugia dele com medo. Um dia, os homens fartos de tanto sofrer, foram queixar-se
ao Deus-Cão.
Depois
de os ouvir, Ele proibiu o avô do bisavô, da filha da minha bisavó, de morder
nas pessoas.
A partir
desse dia, todos se vingaram do mal que ele lhes tinha feito: os mais velhos
batiam-lhe, os mais novos atiravam-lhe pedras, davam-lhe pontapés.
O meu
antepassado, não suportou aquela desgraçada vida de homem e foi queixar-se ao
seu Deus, achando que era injusta aquela sentença e exagerado tão grande
castigo.
Depois
de o ouvir atentamente, o Deus-Cão, perguntou-lhe, com um sorriso bondoso:
- Eu
proibi-te de morderes. Acaso proibi que ladrasses? ”
Quando
me preparava para lhe perguntar qual a moralidade da cábula (fábula de cães),
ele desatou a correr atrás dum gato e, simultaneamente, eu acordei.
Ainda
hoje não sei se há moral…
António Tapadinhas
6 comentários:
Amigo António!
Os cães são sabios demais para a o devario humano. ;-)
Pelo humor as verdades tornam-se muito mais interessantes eheheheh
Boa escrita companheiro
Abraço
Diogo
A moral da história foi o que o gato veio roubar (os gatos são ágeis e manhosos).
Por isso o cão foi a correr atrás dele.
Coisas de cães e gatos... e a gente a assistir.
Abraço.
Manuel João
A moral da história foi o que o gato veio roubar (os gatos são ágeis e manhosos).
Por isso o cão foi a correr atrás dele.
Coisas de cães e gatos... e a gente a assistir.
Abraço.
Manuel João
Diogo: Saber nunca é demais... mesmo para os humanos...
Os animais têm tudo o que precisam para sobreviver...
excepto para esse animal que está a tomar conta do planeta: o Homem!
Cuidado com ele!
Abraço,
António
MJC: O problema é que se podem mudar os animais e o resultado é o mesmo...
Os tubarões conhecem bem as suas presas...
e o que é mais angustiante é que algumas até gostam de ser comidas!
Abraço,
António
Só agora tive oportunidade de "descobrir" a tua história, que adorei...
Há tantos gatos que surgem apenas com o intuito (pelos vistos conseguido) de nos distrair do que é realmente importante!
E até levam os cães, tolos, a correr atrás deles, deixando-nos cheios de dúvidas morais e existenciais...
Tramas e manhas que não nos podem distrair mais do que o necessário para um leve divertimento no nosso acordar para a vida...
Beijos
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