segunda-feira, 3 de março de 2014

REAL... IRREAL... SURREAL... (69)

Auto-retrato com cão negro, Gustave Courbet, 1842
Óleo sobre Tela, 46x56cm

O MEU CÃO

Noutro dia, estava deitado no jardim a conversar com o meu cão, tentando explicar-lhe as razões que me levam a invejar as pessoas que são capazes de falar de coisas complicadas que não controlam, com a mesma segurança e certeza com que, noutros tempos, se pensava que a Terra era o centro do Universo e o Sol girava à volta dela.
- E não gira? - Ladrou-me, interrogativo e, simultaneamente, irónico.
Não lhe respondi, claro. Ele, bem o conheço, estava a brincar.
- Com o passar dos anos - continuei - raramente tenho certezas e cada vez mais me engano. Sou capaz, por exemplo, de escolher um programa de televisão, sem qualquer problema, porque não é uma escolha grave: a qualquer momento posso desligar!
Abanou a cabeça a concordar e, simultaneamente, a sacudir as moscas.
- Já não me sinto tão tranquilo quando vou votar: se me engano, só posso mudar de canal passados quatro ou cinco anos!
A sua boca abriu-se de espanto e, simultaneamente, bocejou.
Prossegui no meu raciocínio.
- É o mesmo grupo que quer controlar o que devemos ver, ouvir, apalpar, comer, cheirar, na internet, televisão, cinema, cartazes, revistas, jornais, no rádio ou discos, nas relações sociais ou sexuais, nas peixarias, talhos, praças, restaurantes, nos locais escolhidos para incinerar resíduos tóxicos (desculpa o pleonasmo), como se fôssemos descendentes directos dos primatas, mas que, ao mesmo tempo, nos consideram arautos de um mundo novo, com o mais risonho dos futuros, só porque tivémos a maturidade (dizem) de votar neles. Será que esta gente, não tem medo do ridículo?
A sua pata direita, fez-me sinal para travar o discurso e, simultaneamente, aproveitou para coçar a orelha. Ladrou-me:
- Vou contar-te uma calenda (lenda de cães) da minha família, cuja pergunta final é a resposta à tua dúvida.
E ladrou-me a história enquanto eu, simultaneamente, lhe sacudia as moscas.
- “ O avô do bisavô, da filha da minha bisavó, era um cão muito feroz. Toda a gente fugia dele com medo. Um dia, os homens fartos de tanto sofrer, foram queixar-se ao Deus-Cão.
Depois de os ouvir, Ele proibiu o avô do bisavô, da filha da minha bisavó, de morder nas pessoas.
A partir desse dia, todos se vingaram do mal que ele lhes tinha feito: os mais velhos batiam-lhe, os mais novos atiravam-lhe pedras, davam-lhe pontapés.
O meu antepassado, não suportou aquela desgraçada vida de homem e foi queixar-se ao seu Deus, achando que era injusta aquela sentença e exagerado tão grande castigo.
Depois de o ouvir atentamente, o Deus-Cão, perguntou-lhe, com um sorriso bondoso:
- Eu proibi-te de morderes. Acaso proibi que ladrasses? ”
Quando me preparava para lhe perguntar qual a moralidade da cábula (fábula de cães), ele desatou a correr atrás dum gato e, simultaneamente, eu acordei.
Ainda hoje não sei se há moral…


António Tapadinhas

6 comentários:

Diogo Correia disse...

Amigo António!


Os cães são sabios demais para a o devario humano. ;-)
Pelo humor as verdades tornam-se muito mais interessantes eheheheh

Boa escrita companheiro

Abraço
Diogo

MJC disse...

A moral da história foi o que o gato veio roubar (os gatos são ágeis e manhosos).
Por isso o cão foi a correr atrás dele.
Coisas de cães e gatos... e a gente a assistir.

Abraço.

Manuel João

MJC disse...

A moral da história foi o que o gato veio roubar (os gatos são ágeis e manhosos).
Por isso o cão foi a correr atrás dele.
Coisas de cães e gatos... e a gente a assistir.

Abraço.

Manuel João

A.Tapadinhas disse...

Diogo: Saber nunca é demais... mesmo para os humanos...

Os animais têm tudo o que precisam para sobreviver...

excepto para esse animal que está a tomar conta do planeta: o Homem!

Cuidado com ele!

Abraço,
António

A.Tapadinhas disse...

MJC: O problema é que se podem mudar os animais e o resultado é o mesmo...

Os tubarões conhecem bem as suas presas...

e o que é mais angustiante é que algumas até gostam de ser comidas!

Abraço,
António

Gil disse...

Só agora tive oportunidade de "descobrir" a tua história, que adorei...

Há tantos gatos que surgem apenas com o intuito (pelos vistos conseguido) de nos distrair do que é realmente importante!

E até levam os cães, tolos, a correr atrás deles, deixando-nos cheios de dúvidas morais e existenciais...

Tramas e manhas que não nos podem distrair mais do que o necessário para um leve divertimento no nosso acordar para a vida...

Beijos