sexta-feira, 14 de março de 2014

SOU EMIGRANTE COM ASAS DE ARRIBAÇÃO


Portugal minha Nau Catrineta no alvorar de uma Terra já sem Ninhos

António Justo

O emigrante continua a ser um estranho de um outro planeta; é estranho onde entra e é estranho quando volta; passa a vida a viver na meia-luz de um sonho que não acorda. De essência enjeitada, seu lar é caminho, de passarinho sem-abrigo, a fazer ninho à borda da vida.

Há motivos para fugir, há razões pra se ir embora, há vontade pra bater a porta, e…, seguir a ânsia do sair do nada. Há sempre um momento e um repente pra fazer da esperança uma vela onde o presente se aquece e alumia, na tentativa, de dar à luz um futuro não humano mas digno. Este futuro, filho do sofrimento, embora gerado na mágoa da saudade, é afagado por mãos parteiras do sonho, mãos singelas e puras, de familiares e amigos que segredam promessas onde ecoa a voz da terra. Esta voz do coração, este zumbido no ouvido, não se cala e mais se sente, a celebrar, em cada emigrante, o desassossego das águas do Cabo na luta por transpor o Bojador, de uma vida, toda mar.

Corri mundo a ver as suas luzes e nelas mais não vi que as sombras do velho Portugal! Agora que vivo, na penumbra de Portugal, onde o cheiro a povo não faz mal, sinto vontade de voltar pra dizer: acorda povo, volta ao arraial, liga tu as luzes e faz a festa…

De volta à terra, nos pátios e caminhos, as crianças já não brincam; neles só sentimentos desfraldam ao vento; meus desejos, com o pó se vão, levados em nuvens de pensamentos; no longe da terra, vejo ainda, bandos de passarinhos negros, voando a mágoa de um caminho errado e de uma terra já sem ninhos.

Dançarino, agora, na linha do horizonte, feito de enganos já sem filhos, tornei-me acrobata da insónia a acenar para a vida de desejos grávidos, a voar ainda no sol das asas, mas já sem terra onde poisar.

Na bagagem da recordação saltitam sonhos meninos de uma vida retalhada a brincar com a vontade. A vontade de ir e vir sem poisar!

Sou povo a voar, nas asas de Portugal, a subir e a descer, as nuvens do sentimento, no Natal e em Agosto. Portugal, dentro e fora, anda a dias, a regar a europa seca com lágrimas atlânticas.

Aquela parte do Portugal povo, não renegado, padece a outra parte que segue as pegadas duma europa rica, mas de futuro aleijado. Meu povo, o nevoeiro vai passar, ainda não é tarde para voltares à fonte e reencontrares o sentido do caminho que é nosso: as sendas de Portugal. Estás grávido de bem e de humanidade; aguenta um pouco as dores, para dares à luz o novo Portugal.
Portugal, és a nau Catrineta que ainda tem tanto que contar! O teu destino tem andado, sem timoneiro, nas mãos de gajeiros iluministas que profanaram a nau para viverem do nevoeiro de fora e do vermelho dos bordéis dos camarotes, sem saudade nem desejo de avistar praias de Portugal.
Em Portugal transborda o mundo. Daí o caracter migrante de um povo não humilde mas modesto, onde germina a esperança que o faz andar, a teimar a vida, dentro e fora, num ânsia de arar Portugal pra gerar fartura, para todos, regada com a chuva fértil do transcendente.

Portugal é a Nau Catrineta que vai arribar numa Terra bendita! Não te esqueças da tua missão; foi ela que te fez; a tua nau é pequena mas, como a gruta de Belém, tem a modéstia do viver e o fogo do amor, a aquecer todos os povos.


António da Cunha Duarte Justo



1 comentário:

MJC disse...

Caro António Justo parabéns.

Se o seu texto é belíssimo na estética (e é-o de facto, muito mais no conteúdo.

Apesar de tudo, há maneiras assim belas de cantar as nossas tristezas e adiamentos, o nosso fado por cumprir mas que, ainda assim e estou certo, acabaremos por realizar.

E depois, porque também escuto o latir da saudade, li-o com o sentimento a alargar-me a alma e a regar-me o rosto.

Obrigado por isso também. Há choros que lavam. E fortalecem.

Manuel João Croca