sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Livros d'África




PEDRO FÉLIX MACHADO (1860, Luanda – 1907, Lisboa)


Com a obra “SCENAS D’ÁFRICA. ?  ROMANCE ÍNTIMO” este autor, advogado, nascido em Luanda, filho de pai açoriano e de mãe angolana, foi um dos precursores da Literatura Angolana, seguindo os passos dos seus antecessores Maia Ferreira e Cordeiro da Matta. Foi contemporâneo de Alfredo Troni, advogado português radicado em Angola, que escreveu uma das mais importantes obras da Literatura Angolana, o livro “Nga Muturi”.

Pedro Machado colaborou desde sempre nas revistas e nos jornais portugueses e angolanos com diversos artigos de opinião e também com muitos poemas. A obra que hoje trago foi publicada pela primeira vez em livro em 1892, e depois em folhetins, primeiro em Portugal na revista “Gazeta de Portugal” e mais tarde em Angola através do jornal “O Angolense” (1907-1911).

Em 2004 a Imprensa Nacional/ Casa da Moeda resolveu voltar a editar este romance. Nesta edição vem inscrito um completíssimo Prefácio do escritor angolano E. Bonavena (Nelson Pestana), sobre a bio-bibliografia de Pedro Félix Machado.

Profundo admirador de Eça de Queiroz, no excerto que aqui deixo deste autor se pode avaliar o seu estilo e a inclinação queirosiana, bem patente na minuciosa descrição dos cenários:
“(…) A habitação de Ernesto compunha-se da sala em que ele agora passeava, espaçosa, de paredes estucadas, um quarto de cama acanhado e sem janela para a rua, e uma casa interior ou varanda, comunicando por um corredor com a sala, aberta em arcarias largas, que davam para um pátio, a que se descia por uma escada de alvenaria, praticada no extremo esquerdo.

A mobília não primava pelo luxo, mas era notável pela variedade. Havia ali o sofá de assento de palhinha antigo, com passarinhos em relevo na madeira polida das costas, rigorosamente divididas em três, confraternizando com cadeiras de vime da ilha da Madeira, deselegantes e ruidosas representando o honroso papel de fauteuils, mesas de pé-de-galo, étagères modernas, estantes de tacula, manufactura indígena, contendo larga cópia de romances, alguns tratados elementares de ciências naturais, em escandalosa promiscuidade com livros muito modernos em encadernações de luxo.

Pelas paredes, algumas oleografias tentando representar mulheres bonitas de cabelos azuis e faces cor de laranja, no centro um candeeiro de petróleo, de suspensão, com pretensões a lustre, e um largo espelho sobre o sofá.

No quarto, um largo leito à francesa, de madeira polida, duas ou três cadeiras austríacas, mesa-de-cabeceira com pedra, e um toucador-cómoda muito vulgar em cuja pedra se ostentavam alguns vidros de essências e um velador de abat-jour verde.

Na varanda uma grande mesa de pinho, cadeiras austríacas, cantoneiras e um candeeiro de suspensão para petróleo.

As paredes tinham – como em todas as casas de África – um aspecto herpético, devido ao salitre que nelas produz a humidade e a impureza da cal de conchas de marisco, de que exclusivamente lá se faz uso; nos tectos o vigamento ostenta-se caiado, sem revestimento algum – o que dá ao interior das casas uma aparência triste e desabrida.

Tal era a residência de Ernesto.”



Tomás Lima Coelho


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