Para se intervir na História tem de se entrar no
Interior dos Conflitos político-sociais
A Política tem vivido do Ser e não do Dever Ser
Por
António Justo
Um divórcio não acontece de repente, vai-se dando até que
acontece. Política e ética tendem a divorciar-se a partir do Renascimento. Até
aí orientavam-se pelo dever ser e a partir daí, especialmente com “O Príncipe”
de Maquiavel (1469 - 1527) passou a centrar-se na materialidade do ser sem a
componente idealista anterior (platonismo). Maquiavel, o iniciador da
modernidade política, considera as coisas como são e não como deveriam ser, por
isso não está interessado na ética. Só reconhece a realidade material na
política, querendo-a auto-suficiente: “os fins justificam os meios”.
Para Maquiavel ”a garantia mais segura da posse é a ruína”. A
vida humana é luta com os meios da legalidade ou da violência. O medo e o temor
são os instrumentos disciplinadores que o governante tem para levar a causa
política a bom termo. Kant, do lado oposto, apela para a razão prática e para o
imperativo categórico (regra áurea como fundamento lógico e objectivo da moral:
“Actua de modo a que o axioma da tua vontade possa valer ao mesmo tempo como
princípio de uma lei universal”. Os princípios maquiavélicos e meramente
materialistas de orientação realista e pragmática atingiram o seu auge político
nos grandes assassinos de povos como Hitler, Estaline, Mao Zedong.
Na teoria medieval e clássica grega, e em especial para
Aristóteles, as coisas tendem todas para o bem, para a felicidade. Tudo se
encontra a caminho. Para ele havia três tipos de homem e de vida: o vulgar
(vive para o prazer), o político (para a honra, fama realizada na polis) e o
filósofo (para a felicidade), cada qual com a sua medida de felicidade. O homem
político orienta-se pela razão e por ela chega à postulação da ética (do como
se deve ser). A razão fundamenta a atitude moral, conclui também Kant).
Sócrates defendia a teoria de que a cidade grega deveria ser governada pelos
filósofos, os melhores.
Cristãos têm andado a
dormir na Forma dando o Comando aos Outros
A advertência evangélica de “dai a César o que é de César e a
Deus o que é de Deus” não justifica a ilibação moral de atitudes políticas nem
a isenção política por parte dos cristãos. Pilatos também lavou as mãos e a consequência foi a
morte do inocente (Jesus=povo).
Não é suficiente o empenho de cristãos a nível individual na
assistência social e nas missões; não chega que o cristão seja um especialista
do povo, é preciso o seu empenhamento na ação política dos partidos como parte
do comprometimento estatal e global.
Apesar das contradições da coisa política, tem sido um grande
erro a renúncia dos cristãos no sentido de moldar o mundo politicamente a par
de outros destacados. Torna-se relevante congregar forças em torno de
pessoas de boa vontade para modelar o mundo e dar-lhe nova direcção: um mundo
de rosto humano para todos. A direcção não é dada por quem trabalha no convés
do navio mas pelos seus timoneiros. Urge dar forma política ao conteúdo
cristão não tanto como religião mas como filosofia e ética cristã. Não se trata
de unir política e religião porque isso é catastrófico, como podemos constatar
hoje em conflitos mundiais actuais.
Certamente não há partido que corresponda às aspirações
éticas cristãs mas em todos os partidos há lugar para pessoas que se empenhem;
a orientação de um partido depende dos seus membros e o legado da humanidade
não se encontra em nenhuma instituição mas repartido por cada pessoa. O cristão, se imbuído da mensagem
evangélica tem lugar em todos os partidos. É verdade que a política é algo
provisório e relativo mas a vida social é construída na sequência e resulta da
soma dos provisório e do relativo. O cristão está chamado, com todas as pessoas
de boa vontade, a criar uma sociedade mais justa. Seria ingénuo e mendacidade
queixar-se apenas de quem faz o trabalho. Quem trabalha suja as mãos mas tem a
vantagem de poder ver o fruto do seu trabalho e de poder limpar as mãos.
O empenho
político com o consequente assumir de funções públicas, é uma forma socialmente
desejável e eticamente desafiadora da responsabilidade cristã para o mundo.
A política não é “negócio sujo”; é uma actividade
imprescindível e boa, em si. Tem má fama por abrigar políticos sem a ética do dever
moral, que agem por interesse, internacionalmente em manadas, de maneira
colectiva e anónima, puxados por grupos de interesses com poder. O povo não tem
poder para se impor aos poderes organizados dentro do Estado, por isso precisa
do empenho dos que se encontrem mais próximos deles. A qualidade da política
depende da qualidade humana dos políticos. Se não está contente com a política
empenhe-se nela. Esta é a única maneira de melhorar o serviço à polis.
A degradação política vem também de uma formação de políticos
baseada ainda nos princípios de Maquiavel, que quer o político viciado, e no
utilitarismo feroz anglo-saxónico. Candidatos ao poder passam, quase todos
pela escola de Maquiavel e centram os estudos em filósofos
defensores do materialismo (Thomas Hobbes, Marx, etc.) e do relativismo moral
ou nas ideias dos sofistas, cínicos e cépticos. Desconhecem a nova era da
filosofia quântica que considera espírito e matéria compatíveis.
Cada época produz o seu poder e a sua correspondente visão:
no absolutismo a filosofia era absolutista, na democracia contemporânea é
relativista e numa democracia orgânica complementar talvez se torne num
integracionismo social e económico.
Do empenho social para o
empenho político
O procedimento ético não se limita ao homem religioso. Na
acção se mostra a validade dos princípios éticos. O cristão deve deixar o rasto
da sua atitude ética na política. A política ocidental ao desvincular-se
da religião e da ética deixa o timão da história aos que mantêm na alma do povo
o desejo de missão. Política é serviço e como tal uma liturgia, embora a
história mostre que a promiscuidade de política e instituições religiosas é
perversora.
O político, em vez de combater o inimigo que se encontra no
seu interior, repudia, por vezes, o adversário alimentando a inveja, a
rivalidade e a ganância. Na política estão em primeiro plano os interesses
económicos e estratégicos e não valores de justiça ou éticos. Seria de tentar
inverter-lhes a ordem; para isso o motivo do agir terá de ser desinteressado e
altruísta.
A luta é um dado natural, mas numa ética desenvolvida não se
luta contra alguém, mas luta-se pela justiça e pela liberdade individual,
social e comunitária.
A violência só cria mais tensão.
A obra de Max Weber “A ética protestante e o 'espírito' do
capitalismo” elucida as relações entre religião e capitalismo e induz a melhor
compreender as diferenças das sociedades nórdicas e latinas, bem como as
preferências católicas pela formação humanista e as protestantes pela técnica.
A maneira de estar presente na sociedade seja ela capitalista, socialista,
islâmica, católica ou protestante determina directa ou indirectamente
diferentes economias e políticas.
Urgem
soluções intermédias entre capitalismo e socialismo entre religião e política,
no sentido de servir a felicidade de todos e atingir o máximo possível de
igualdade económica e social. De facto todos somos parentes, apenas o sol nos mudou a
cor.
Deus é povo e a ética é justiça, por isso, ficam à porta de
empresas, ministérios, escolas e partidos. Uma coisa poderia o cristão
aprender de Karl Marx: para intervirmos na história teremos de entrar no
interior dos conflitos político-sociais. Segundo ele o regime político é o
reflexo da organização das forças produtivas que é preciso influenciar.
Consequentemente, os comunistas são exemplares no empenho político pela própria
causa e na estratégia que usam de se instalarem nas estruturas administrativas
estatais através dos sindicatos.
Embora a missão do sacerdote implique um empenho de ordem
religiosa, sem compromissos políticos mas no compromisso pela paz e justiça,
pela promoção integral do homem e dos direitos humanos, isso não o devem
impedir de fomentar vivamente o interesse dos cristãos pelo empenho político
militante nos diversos partidos.
O mar sem a força do vento e da lua não teria as ondas que
lhe dão vida!
©António
da Cunha Duarte Justo
Jornalista e
ex-professor de filosofia aplicada.
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