Filosofia & Presépio
“ […] A
Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do
meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido
atento alegremente a todos os sons
São as cócegas
que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão
bem um com o outro
Na companhia
de tudo
Que nunca
pensamos um no outro,
Mas vivemos
juntos e dois
Com um acordo
íntimo
Como a mão
direita e a esquerda.
[…]”
Alberto Caeiro
Em Filosofia & Kabbalah,
de António Telmo, um livro em renascimento neste tempo de Natal, através da sua
reedição ampliada enquanto IV volume das Obras Completas, diz o
filósofo, nesta minha velha amiga, a edição de 1989 da Guimarães:
“No quadro
original da filosofia de língua portuguesa, isto é, nas expressões nossas de
amor à sabedoria, existem «luzes», como diria o poeta, capazes de nos fazerem ver.
E uma dessas luzes é o sentimento português e brasileiro de Deus como Menino, o
qual já Unamuno dizia caracterizar o nosso Cristianismo. Terá havido quem, ao
ler o poema VII do Guardador de Rebanhos, se tenha sentido indignado com a
malícia, que roça a blasfémia, como aí é tratada a Trindade Católica. O que aí
há, porém, é ensino de boa teologia cristã e um desaprendizado ou desfazer das
imagens religiosas que, por via directa ou indirecta, a educação clerical
prendeu ao inconsciente. “
Afirma mais à frente:
“À visão
original do mundo chamei eu, linhas atrás, visão infantil do mundo. E está
certo, desde que, recordando o que Fernando Pessoa escreve em Páginas de
Doutrina Estética sobre Afonso Lopes Vieira, não se atribua às crianças a
imaginação que o adulto julga que elas têm. A definição foi já dada: «ver» pela
primeira vez o que se repete, deter-se maravilhado perante as coisas e os seres
como se nunca tivessem sido vistos. E então tudo surge aos nossos olhos «como
fenómeno», como o que não estava ali e de repente «aparece» e mostra no
aparecer tudo o que é. Assim, na imaginação infantil, não há imaginar ou
sentir: através dela o espírito actua como um fiat. O Menino Deus é o
«Guardador de Rebanhos» e o filósofo que vai com ele de mãos dadas pelo campo
é, como diria Heidegger, «O Pastor do Ser». “
E é aqui que
toca, para mim, neste tempo de advento, o essencial: cada vez que refaço ou
actualizo ou enceno, em cada ano, a constelação presépio, nunca o meu olhar é
igual. O presépio tem a força mágica de pintar ou dotar os meus olhos de uma
visão nova: o menino, sendo o mesmo, nunca é igual, e o mesmo com os outros
arquétipos. Não só no lugar que ocupam relativamente uns aos outros e a mim
mesma, mas eles próprios mudaram. Ou foi o meu olhar.
Não conheço
melhor definição de presépio:
“E então tudo
surge aos nossos olhos «como fenómeno», como o que não estava ali e de repente
«aparece» e mostra no aparecer tudo o que é.”
Um físico
quântico não diria melhor.
Num
documentário sobre a realidade do ponto de vista quântico que vi há tempos,
existe uma cena em que uma mulher se levanta de manhã e ao correr os cortinados
para olhar a rua, subitamente tudo se reagrega, como um cenário que não estava
lá, mas a que os olhos dão vida.
Assim é o meu
presépio, a “visão original do mundo”, nas palavras de António Telmo.
Para todos, um
muito Feliz Advento! Novo, novinho, a estrear. De tão repetidamente
original.
Votos de um Natal, Advento, Solstício ou Renascimento à medida do que for, para cada um, a ideia da felicidade ou apenas suave e intensa serenidade. Que o menino sábio universal se espreguice e desperte dentro de nós ao ritmo que a cada um aprouver. Para felicidade das almas em corpos saudáveis e tranquilos.
R
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