«Eu não sei tudo o que aí possa vir, mas, seja o que for, irei ao seu encontro a rir.
Não há desatino de besta na Terra que não seja infinitamente ultrapassado
pela loucura do Homem»
(Moby Dick, Herman Melville, 1851)
Mais uma porta renovada em Cascais; mais um trabalho do graffiter Belém que, desta vez, nos recorda o escritor norte-americano Herman Melville (1819-1891) e o seu livro mais conhecido Moby Dick (1851). E, de novo, volta-se a falar deles a propósito da mais recente adaptação cinematográfica No Coração do Mar, de Ron Howard, com estreia, em Portugal, a 10 de Dezembro. A história conta as aventuras do experiente marinheiro Ismael que embarca no Essex, comandado (mal) por Ahab e que, no Pacífico, trava uma obsessiva perseguição à “besta” (uma gigantesca baleia branca), responsável, anos antes, pela perda de uma perna do capitão. O cetáceo, ainda que ferido, acaba por afundar o navio. Esse tipo de luta levou praticamente à extinção das baleias. A irracionalidade humana parece desmesurada quando a ambição, o lucro ou a vingança pautam os actos dos homens. Também os portugueses, em particular os açorianos, andaram envolvidos em semelhantes aventuras até 1985. Desses tempos, resta-nos alguma toponímia e um bonito museu na ilha do Pico. Mas quando pensávamos que se tinha fechado esse ciclo, eis que os japoneses anunciam a retoma da caça às baleias… “para fins científicos” !?
A experiência marítima de Herman Melville, inclusive como baleeiro, levou-o até aos Mares do Sul. Daí resultou a sua primeira obra Taipi (1846). Difícil de catalogar, em termos de género, pois balança entre o romance, a literatura de viagens e a etnografia (dos Kanaka, Ilhas Marquesas). Curiosamente, foi a componente antropológica do livro que dificultou a sua publicação: rejeitada pela nova iorquina Harper & Brothers, acabou editado em Inglaterra, mas, para isso, Melville teve que lhe acrescentar alguns capítulos (em especial a “história de Toby”, seu companheiro de aventura naquelas longínquas terras) para mostrar a veracidade dos seus relatos.
Há uma edição portuguesa (Teorema / colecção “outras estórias”, 2001, com 33 capítulos, repartidos por 291 páginas). Na altura, Filomena Naves, numa breve recensão no Diário de Notícias, 10/11/01, p. 35, escreveu: «este livro ousa a originalidade de uma lição de antropologia e de humanismo, revelada a uma sociedade europeia novecentista, cheia de si própria». O texto de Melville está repleto desses contrapontos culturais: «Ali está um bando de crianças brincando juntas o dia inteiro, sem zangas, sem conflitos entre si. O mesmo número delas na nossa terra não poderiam brincar juntas nem uma hora sem se morderem ou arranharem umas às outras. Acolá, pode-se ver um grupo de raparigas, que não andam cheias de inveja pelos mútuos encantos, nem demonstram a ridícula afectação da gente fina, nem andam de corpetes de barbas artificiais, como autómatos, antes se movem livremente, sem alegria artificiais, sem constrangimento.» (p. 143) Enfim, uma cultura apolínea, usando o conceito de Nietzsche adoptado por Ruth Benedict em Padrões de Cultura, 1934. Ali «tudo é riso, gozo e excelente humor.»
PS: Num mês em que se noticiou a morte trágica de três graffiters colhidos pelo inter-regional na Linha de Guimarães (apeadeiro de Águas Santas) importa (re)ler o texto pioneiro, em Portugal, sobre a prática artística destes jovens: Filomena Marques, Rosa Almeida, Pedro Antunes “Traços falantes (A cultura dos jovens graffiters)” in José Machado Pais (coord) (1999) Traços e Riscos – uma abordagem qualitativa a modos de vida juvenis. Porto: Ambar. Arriscar, ousar, afoitar-se, correr perigos são comportamentos indissociáveis de uma certa juventude de “artistas de rua”. Também aqui, o Muraliza - Festival de Arte Mural, procura a diferença: a criatividade através do graffiti expressa-se de forma legal e segura.
Luís Souta
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