Por
Abdul Cadre
Quando confinamos os nossos queridos pássaros às lindíssimas gaiolas que por bem lhes destinámos, que nos dizem os pássaros prisioneiros?
Quando, de olho atento e guloso criamos em apropriadas capoeiras bicos de rendimento garantido, se as aves pensam, que pensam elas enquanto medram?
Pode bem ser — imagine-se — que nós estejamos aqui aprisionados neste vasto mundo tal como aves de capoeira, nesta enorme capoeira que os Celestes imaginaram para nós…
Os Celestes?
Bom, como desafio à imaginação de quem nos leia, inventemos esta lógica: uma determinada raça galáctica, a quem o nome de Celestes assentaria como uma luva, por intenção ou devaneio artístico, numa passagem por este lado do universo, ter-nos-ia moldado em barro, tomando-se a si próprios como modelo.
Criados assim, não do nada, mas do chão, manipulados depois geneticamente sobre espécies já aqui implantadas, fomos então condimentados com uns pozinhos de estrelas e de sóis ou, dito de outra maneira, condicionaram-nos os Celestes com todas as suas grandezas e misérias, mas como foi do chão que nos ergueram, quando nos proporcionaram o sopro maior da vida, nós olhámos os céus e, julgando-os deuses, chamamos-lhes Celestes.
Quando os nossos criadores/tratadores entenderam que estávamos prontos e éramos o vaso apropriado para a recepção duma inteligência individual e duma consciência que de algum modo reflectisse a deles, assim providenciaram.
Um dia, faz muito tempo, tanto que nem temos referência nos manuais de História, talvez ao som de fanfarras e de cânticos, quem sabe se da música que Wagner mais tarde ouviu e nos deixou em pauta, partiram.
Os leitores menos optimistas e mais azedos poderão dizer que partiram cansados e desgostados com a obra, porém, fica muito espaço para se acreditar que foram em busca de outras urgências de vida por esse espaço fora, porque aqui o mais necessário ficava feito.
O que é certo é que do pacto — se pacto houve — nos deixaram o sinal da sua liberdade e ousadia: esta de fazer ou não fazer e, fazendo, ir além de quanto nos limita.
Tivesse sido assim e isto não fosse apenas uma fábula e ficaria desvendado o segredo do homem feito à imagem e semelhança dos deuses (ou de Deus). Isto explicaria também por que o homem se ergue aos céus e os seus mais próximos viventes — e até os pássaros — olham o chão e isso lhes basta.
Será que o nosso olhar reflecte a não definida saudade das estrelas e dos celestes que aqui passaram? Será por ela — por essa saudade — que nos nasce este desejo que vai inventando auroras adventícias de consolo e realização?
Entretanto, à nossa escala menor de deuses que se ignoram, nem sequer nos apercebemos que vamos manipulando plantas e animais da mesma forma que manipulados fomos, longe no tempo.
Nós não queremos que os nossos pássaros de gaiola e as nossas aves de capoeira sejam infelizes, só que a felicidade deles não é a nossa prioridade. Por isto, talvez não seja uma abusiva suspeita pensarmos que este nosso egoísmo e prepotência sejam semelhantes aos dos nossos antigos tratadores.
E não será excessiva imaginação prevermos que um dia iremos por aí, cruzando estrelas, livres, ousados fazer jus à nossa herança e ao nosso destino de manipuladores genéticos e disseminadores da inteligência cósmica.
Sem comentários:
Enviar um comentário