Aos amigos
Foto: Uma fazenda do Triangulo Mineiro ( arquivo particular )
Naquele final de tarde poeirento e ventoso de agosto, em alguma parte do Triangulo Mineiro, um cavaleiro esporava seu cavalo, até sangrar, numa corrida doida por uma estrada de terra do sertão. Mais uma vez, após uma discussão com a jovem mulher, motivada por infundados ciúmes, dera-lhe uma tunda de criar bicho, sob as esquivas e protestos de inocência dela. Agora, procurava-a, após saber que abandonara a casa que era dos dois.
Mariinha, como era carinhosamente tratada, havia casado contra a vontade da família mesmo sabendo que Jerônimo, capataz da fazenda do Coronel Julião, era um frio bugreiro, apesar da fala macia e da agradável estampa. Julgava que o amor que lhe dedicava o transformaria num peão aquietado ou num lavrador pacato. Mas se enganara e naquele dia, toda machucada, cansada de tanto apanhar pelas mínimas coisas, buscava a proteção dos pais. A casa deles ficava atrás da venda, na beira da estada que levava à fazenda do patrão do seu marido.
Corria o inicio do século XX quando aquelas terras vermelhas de massapé eram ocupadas por fazendeiros, senhores todo-poderosos do lugar, capatazes, empregados e agregados, todos a eles submetidos por laços de parentesco ou poder.
As grandes fazendas eram verdadeiras comunidades com casas, mercearias, barbearia, capelas, eiras, silos, até estações de estrada de ferro. Primeiro chegavam os bugreiros “limpadores” de espaços, depois os fazedores de terrenos para plantar e criar gado. Mais tarde os pequenos comerciantes se instalavam com suas vendas e botecos na beiras dos caminhos oferecendo pinga e mercadorias variadas aos habitantes do lugar.
Enquanto Teodoro, irmão mais velho, e Joel, irmão caçula, atendiam os sertanejos que, após a lida, se reuniam para saber das noticias, fazer negócios, ou beber uma caninha, Mariinha contava aos velhos pais a sua desdita.
A noite caia quando Jerônimo chegou. Com o cenho fechado, entrou no boteco dos cunhados, pediu uma pinga e perguntou pela mulher, já desconfiado que ela estivesse lá, na casa dos pais.
Cauteloso, Teodoro esperou que ele tragasse a branquinha e pausadamente disse-lhe que ela não queria voltar para ele. Os olhos de Jerônimo escureceram. Pousou o copo na bancada de madeira, levou a mão à cintura, afastou o paletó e deixou que o cunhado visse a pistola na cartucheira. E, como se nada tivesse ouvido, ameaçador, pediu que chamassem a mulher. Queria “tirar” uma prosa com ela. Conhecedor do gênio instável do rapaz, Teodoro mandou o caçula buscar a irmã, que apesar do medo resolveu enfrentar o companheiro e dar um basta à triste união.
Como por encanto, antevendo a desgraça, os fregueses desapareceram ficando na venda os irmãos e o marido valentão.
Ao ver a mulher, seco, Jerônimo ordenou que voltasse para casa, enquanto Mariinha protestava, dizendo que o relacionamento deles estava acabado. Não voltaria, não! Enfurecido, agarrou-a pelo braço, arrastou-a para fora da venda, e atirou-a ao chão. A lua cheia, clara, iluminava o ambiente como uma cena trágica, grega, num palco de teatro. Puxou a arma e ameaçou:
Ou voltava pra casa ou dava cabo dela ali mesmo. Jerônimo não teve tempo de ouvir a resposta, tombou inerte, alvejado por um tiro certeiro nas costas. Teodoro vendo a irmã acuada, indefesa, não titubeou, tirou a pistola que guardava carregada atrás do balcão e atirou no cunhado.
Como um relâmpago, a noticia da morte de Jerônimo chegou à casa grande. O Coronel Julião, prontamente dirigiu-se ao local da tragédia e se inteirou do fato. Mandou chamar o delegado, seu protegido e afilhado, e seguro determinou que Joel fosse preso sob a acusação de assassinato do seu capataz.
O trato já havia sido feito:
Como Teodoro era pai de três crianças pequenas que dependiam dele para sobreviver, o Coronel, que também era padrinho de Teodoro, acertou que Joel, bem mais jovem e sem família para criar, responderia pelo crime do irmão. As testemunhas, empregados do fazendeiro, aquiesceram com receio de contrariar o patrão, e assim foi feito. Joel foi preso, julgado e condenado no lugar do irmão por ordem do fazendeiro!
Era assim naqueles tempos no sertão...
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 15/09/11
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