quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O Largo da Graça



Alimentação


Ontem estive com o meu amigo Jorge. Jantámos juntos. E disse-me ele: "O pessoal come demais. Já reparaste que bastava eliminar a carne e o peixe ao pequeno-almoço e ao jantar para reduzir a mais de metade o sacrifício animal?"
"E como podia eu deixar de concordar?!"

A alimentação tradicional que temos por cá tem séculos atrás de séculos. Ora, se nós somos também o que comemos, então estamos bem cristalizados naquilo que somos. Ou não?

Com o tempo tudo muda, até os hábitos alimentares. Mas tem mudado devagar e não necessariamente para melhor. É verdade que nestes tempos que correm está tudo a mudar mais depressa, embora como sabemos o espaço que passa e o tempo que mede, dependa do posicionamento de quem observa...

Ao lado da alimentação tradicional podemos pensar numa alimentação... vegetariana. Mas logo algumas perguntas se vão chegando:
1) Será que depois de tantos séculos a comer mais do mesmo, se deverá (e poderá) mudar de um dia para o outro?
2) E que alterações no comportamento, e na saúde, poderemos esperar?
3) Será uma alimentação vegetariana (à boa maneira dos carneiros, dos cavalos e dos elefantes) mais apaziguadora para a mente, o espírito e a alma?

Eu comprometo-me. Sejamos as próprias ideias. Semeemos a doutrina e sejamos apóstolos pela prática.

Luís Santos

terça-feira, 29 de novembro de 2011

INTIMIDADES


UMA AULA DIFERENTE

À
memória do
Capitão Salgueiro Maia

“-Bem meninos, pelo sumário já compreenderam que hoje vão ter uma aula diferente daquilo que é habitual. É do vosso conhecimento que amanhã passará o vigésimo quarto aniversário sobre o dia vinte e cinco de Abril de mil novecentos setenta e quatro e o grupo de História decidiu organizar uma exposição de fotografias tiradas nessa ocasião. Em princípio poderiam visitar a exposição com o vosso professor de História na aula que terão após o almoço. Provavelmente, o meu colega seria a pessoa mais indicada para lhes dar todas as explicações necessárias a respeito daqueles acontecimentos e para lhes fazer o enquadramento do que era o nosso país nesse passado, para os mais velhos ainda tão recente mas, para vós, simultaneamente muito distante. Neste sentido, talvez ficassem melhor esclarecidos pelo trabalho que eventualmente pudessem desenvolver nessa outra disciplina. Eu não ponho isso em dúvida e não quero estar aqui a pretender que, de qualquer forma, possa substituir o meu colega ao nível de que falei. No entanto, quer se concorde ou não com isso, está no espírito das leis que regulamentam o actual sistema de ensino em que vocês estão inseridos, que os professores, para além do tradicional papel de ensinarem determinadas matérias, devem também contribuir para a educação dos alunos enquanto pessoas. Eu acho isso bastante discutível, sou mesmo da opinião que é na família a que pertence que cada um de nós deve receber os princípios que nos devem conduzir as atitudes e comportamentos bem como a formação dos nossos caracteres. A nós, professores, competirá não atentar contra isso e nada mais. Já ao nível da educação cívica, isto é, da educação para uma vida em comunidade que parta do respeito pelo outro, já a esse nível me parece que é nosso dever ir um pouco mais longe e, pelo nosso comportamento, podermos servir de modelo para uma educação cívica exemplar. Pelo menos neste aspecto, também eu concordo que os professores têm alguma responsabilidade no âmbito da educação dos alunos; responsabilidade pelo exemplo de bom senso, mas igualmente pela tolerância e respeito pelas opiniões alheias. É certo que nem sempre isso acontece na realidade, mas justamente por isso eu ponho em causa o papel dos professores enquanto educadores. Mas adiante. Seja como for, é por causa dessa interpretação que actualmente se faz dos nossos deveres que eu, na qualidade de vosso director de turma e de acordo com aquilo que foi decidido pelos órgãos de direcção escolar, me proponho a acompanhar-vos na visita a esta exposição sobre o que se passou em Lisboa no dia vinte e cinco de Abril de há vinte e quatro anos.
E é importante que vocês ganhem consciência daquilo que sucedeu para que possais perceber a diferença fundamental que há entre vós e os vossos pais. É que eles cresceram num país em que aos homens não era deixado espaço para poderem atingir uma dignidade total. Com efeito, no regime político que então vigorava estava interdito ao comum dos mortais manifestar as suas ideias e opiniões sobre a vida social e política do país. Não era que não existissem pessoas que falavam desses assuntos. É claro que existiam, até pelo simples facto de haver imprensa e órgãos de comunicação audio-visual. Acontecia que a discordância ou seja, aqueles que manifestassem pontos de vista contrários àquilo que estava estabelecido, isso estava sujeito à repressão e ao silêncio. A oposição política, então, essa estava condenada à prisão e casos houve em que os protagonistas foram pura e simplesmente assassinados, como sucedeu com o senhor general Humberto Delgado que foi candidato à presidência da república há mais de quarenta anos. Ora acontece que isso era assim porque os homens do poder partiam do pressuposto que só a uns quantos era reconhecida a capacidade para decidirem o que era melhor ou pior para a sociedade portuguesa, entre eles, cabendo a um predestinado o papel de chefe supremo que melhor que todos os outros saberia interpretar aquilo que seriam os sentimentos e conveniências do povo. Pois isso é a tirania e em última instância ela acaba sempre por proteger os poderosos e, ao contrário, por deixar os mais fracos à mercê da vontade e dos caprichos daqueles. Nessa dimensão, meus meninos, há sempre a possibilidade de alguém ver a sua dignidade rebaixada sem que se possa defender. Daí que a tirania seja incompatível com a dignidade humana. Imaginem o que sentiriam os vossos pais e avós quando eram desapossados do seu ganha-pão e reduzidos à miséria pelos salários que recebiam, sabendo que os protestos visando alterar essa situação eram pagos com bastonadas e noites na cadeia.
A mim ensinaram-me que todos os homens são filhos de Deus e por isso mesmo igualmente detentores de uma dignidade incomensurável e inalienável, a qual, a não ser o próprio por via das suas próprias acções, ninguém pode diminuir ou espezinhar sobre pena de estar a atentar contra a própria divindade. Mas também podemos dizer que a vida humana é um bem insubstituível e que todos os homens, à partida, por serem membros da mesma espécie, têm um certo número de direitos iguais para todos. Em qualquer destas interpretações se reconhece a dignidade dos homens e assim podemos justificar a rejeição da tirania.
E foi contra a tirania que os homens que ides ver lutaram. Pela vossa parte, podeis dizer que eles devolveram as condições que hoje em dia nos permitem aspirar a uma vida digna. São homens que merecem todo o nosso respeito e admiração e, na maior parte dos casos, verdadeiros heróis que, depois do dever cumprido, nada quiseram para si. Perante esses, meninos, aqueles que arriscaram as suas vidas e seguranças pessoais e dos seus, perante esses devemo-nos ajoelhar em sinal de gratidão e admiração. Quer se tenha ou não gostado daquilo que se passou a seguir àquele dia, quer se concorde ou não com tudo isso, uma coisa devemos aceitar, é que aqueles homens, soldados anónimos e um capitão que preferiu a pacatez do anonimato, esses foram os heróis que nos devolveram a liberdade que é a única maneira de vivermos que é compatível com a dignidade humana. A esses, o nosso carinho e reconhecimento deve fazer-nos tirar-lhes o chapéu em sinal de máximo respeito.
Era isto que lhes queria dizer antes de sairmos para vermos as imagens que, espero eu, possam despertar a vossa curiosidade. Vamos lá.

Portel, 24 de Abril de 1998


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Português envolvido em descoberta de “pulsar muito especial”

Paulo Freire trabalha actualmente no Instituto Max Planck, na Alemanha


Um pulsar é uma estrela de neutrões muito densa (400 mil vezes a massa da Terra) cujo estudo pode trazer novidades sobre vários fenómenos do universo.“São os objectos mais compactos que existem (depois dos buracos negros) e têm um núcleo atómico gigantesco”.
Até 2008 tinham-se descoberto seis pulsares. Apenas são detectáveis através de ondas de rádio pois emitem raios-gama. Só depois da NASA lançar o Fermi, telescópio espacial de raios-gama, se tornou mais fácil encontrá-los. Agora são já mais de cem os detectados. Sabe-se que existem mais de 2000. Uma investigação internacional que envolveu o português Paulo Freire, do Instituto Max Planck, descreve um pulsar milessegundo muito especial. Em conversa com o «Ciência Hoje», o investigador explica por quê.

O pulsar – denomidado PSR J1823-3021A – encontra-se dentro daquilo que se chama de enxame globular, um tipo de aglomerado de estrelas antigas de formato esférico e muito denso. O enxame onde foi encontrado chama-se NGC 6624 e está a 27 mil anos-luz.
O que torna especial este pulsar “é que consegue emitir energia equivalente a 100 pulsares e o seu período de rotação é de 183 voltas por segundo”. O estudo destes pulsares binários (associados a uma estrela) é útil para se “testar a teoria da relatividade geral”.
“Os pulsares são usados para fazermos testes de teoria da relatividade. Até agora, todos os testes confirmam a teoria de Einsten”.
Esta investigação, que reuniu numerosas instituições de vários países (Alemanha, EUA, Itália, Espanha, França, Japão e Suécia), está publicada na «Science» com o título «Fermi Detection of a Luminous γ-Ray Pulsar in a Globular Cluster».
Bolsa para estudar leis do Universo
Além de mostrar satisfação com a publicação deste estudo, Paulo Freire confessa que os últimos meses têm sido muito bons. O cientista foi um dos poucos privilegiados que conseguiu este ano ganhar um apoio da European Research Council, concorrendo na secção Starting Grant. Esta bolsa específica “visa dar apoio a investigadores que estão, como eu, numa fase inicial de carreira, já depois de terem feito o doutoramento”, explica
Paulo Freire vai, assim, continuar a aprofundar a sua investigação em pulsares. O projecto chama-se«Beacon» e é bastante ambicioso. Durante os cinco anos previstos para a investigação, o investigador estudará pormenorizadamente os pulsares através de um novo tipo de radiotelescópio para fazer “medições ainda mais precisas”.
“O estudo vai permitir excluir algumas teorias da gravidade alternativas. Vai tentar responder à pergunta: Será que existe mesmo matéria escura ou são as leis da gravidade que estão erradas?”. Seja qual for a resposta, “esclarecerá muitas dúvidas sobre as leis fundamentais do universo”.


(in, Ciência Hoje, Revista Digital)

domingo, 27 de novembro de 2011

Vidas Lusófonas


O rigor histórico não está condenado à prosa de notário,
é possível conviver com as figuras do passado.
Saber o que foi, pode ajudar-nos a talhar o que será. 



saúda o fotógrafo

JOSHUA BENOLIEL

que vem subindo para instalar-se em

VIDAS LUSÓFONAS

onde já moram 143.

Naquela casa
tudo está a acontecer,
cada vida / cada conto.
Por isso já recebeu
mais de 24,7 milhões de visitas.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

ENCONTROS COM AGOSTINHO DA SILVA


AS ÚLTIMAS CARTAS DO AGOSTINHO
2ª edição

CARTA XI

Um bilhetinho de vosso irmão servidor

Brasil e China se encontrarão na África, vindo um pelo lado do Atlântico de São Tomé, chegando a outra, depois de Índias e Índico, à ilha que foi outrora capital de Moçambique e será, daí por diante, capital de tôda a vaga que se levante no Mar das Índias e de tôdas as terras que êle, como experiência ou sonho, de algum modo animar. Será, de ambos os povos que vêm, uma invasão de oferta, de solidariedade e de aprendizagem própria. Brasil trará às Áfricas do melhor que tiver aparecido na América ou na Europa, não daquilo que serviu no passado para abater e explorar. Também com o que vier do Oriente, com sua economia de produzir e distribuir com igualdade, tudo apurado ainda na travessia que teve de fazer da velha Rússia para chegar ao Atlântico Norte, erguerá a África ao universo uma face limpa e nova, com êste também iluminado naquela atmosfera de alma que virá de se terem fundido o Taoismo de Lao-Tsu e o Franciscanismo do jovial criador de Assis. O mundo, discípulo de África, mestra do ser e do fazer, lhe será fiel e, num fim que se repetirá, a Transporta à criatividade pura, em que também cada um de nós mergulhará, ainda porventura com a perfeita paz de não termos consciência do que formos criando. E talvez, de quando em quando, outro irmão servidor vos diga que assim realizaram seu ideal, e para tudo o que vive, os portugueses de tempo antigo que só ansiavam pelo êxtase eterno perante o Divino, de existência a um tempo real e imaginária, com o triunfo de tôda a Poesia que a criança é ao nascer e a liberdade que será para todos e o gratíssimo prazer de uma vida que não será paga, mas de fôrça criada e de amor gozada.


             QUADRINHAS DE QUANDO EM QUANDO

             Quadrinha à Trindade de Belmonte e Cabral

Criatividade pura
            sustenta o fruto no braço
            me ensina Êle o que será
                  o mundo que ao todo enlaço.


          Comentários de história portuguesa

Pois venha Alcacer Quibir
bastante à nossa maneira
a nos firmar nesta terra
o triunfo da bandeira

Com as armas conquistadas
pelos mouros marroquinos
foram abater-se impérios
que deram servos ladinos

que chegaram ao Brasil
onde índio não trabalhava
deram dinheiro às Europas
cuja sorte começava

na batalha prosseguida
mataram pobre sultão
que doutra forma traria
por seus diferentes fados
para invadir tôda a Ibéria
os turcos seus aliados

também morreu nosso rei
levando Filipe ousado
a nunca ser rei do povo
mas só parceiro de Estado

e foi por meio da derrota
que se firmou a vitória
que um dia a todos dará
ser de eterno não de história.


   PÁGINA DAS ODES BREVES

Ode Breve ao Einstein

    Só Causa das causas sabe
    causa de causa sem causa
e por isso a matemática
       em seu não ser se dá pausa.

         Se não se conhece a máquina
        nem se lhe mexe em rodinha
      pois quem sabe se era dela
     fôrça que a máquina tinha.

     Portanto digo com Gandhi
  quem decide que decida
   e nem vou tomar morfina
      que a dor faz parte da vida.


Greve Geral

24 de Novembro é dia de Greve Geral. Sim, façamos Greve Geral. Paralisemos todas as nossas actividades, como protesto contra um país mal organizado, mal governado, eticamente decadente e social e economicamente injusto, cada vez mais vergado à grande finança internacional, à ganância dos especuladores e ao consequente desprezo pelas necessidades básicas da população. Paremos totalmente, como protesto contra um país refém dos grandes grupos e potências económico-financeiras em todas as áreas, do trabalho à saúde, educação e política.

Façamos pois Greve Geral, em protesto contra todos os governos e oposições que, não só agora, mas desde a fundação de Portugal, contribuíram para o estado em que estamos. Todavia, façamos Greve Geral sobretudo em protesto contra nós próprios, que maioritariamente votamos sempre nos mesmos ou nos abstemos de votar e, principalmente, de criar alternativas à classe política e aos partidos em que desde há muito não acreditamos. Façamos Greve Geral, sim, mas também à nossa passividade e conformismo cívicos, à nossa preguiça e indolência, à nossa tremenda indiferença. Façamos Greve Geral ao nosso hábito inveterado de criticar tudo e todos e nada fazer, ficando sempre à espera que alguém faça, que os outros resolvam, que D. Sebastião apareça. Façamos Greve Geral à ideia de que basta fazer um dia de Greve Geral exterior, em prol de mudanças sociais, económicas e políticas, deixando tudo igual nos outros dias e dentro de cada um de nós. Sim, façamos definitivamente Greve Geral à demissão de sermos desde já, sempre e cada vez mais a diferença que queremos ver no mundo, em todas as frentes, sem exclusão de nenhuma: espiritual, cultural, ética, social, económica e política.

Façamos pois Greve Geral à nossa cumplicidade com o rumo de uma civilização que caminha aceleradamente para a sua perda, à nossa colaboração com a ganância e futilidade da hiperprodução e do hiperconsumo que violam a natureza e instrumentalizam e escravizam os seres vivos, homens e animais, em nome de um progresso e de um bem-estar que é sempre apenas o de uma pequena minoria de senhores do mundo. Façamos Greve Geral à intoxicação quotidiana de uma comunicação social que só deixa passar a versão da realidade que interessa aos vários poderes e contrapoderes. Façamos Greve Geral à imbecilização colectiva de muitos programas de televisão e seus outros avatares informáticos, que nos deixam pregados no sofá e nos ecrãs quando há crianças a morrer de fome, mulheres apedrejadas até à morte, velhos abandonados, defensores dos direitos humanos torturados e a apodrecer nas prisões, trabalhadores explorados, povos vítimas de agressão militar e genocídio, animais produzidos em série para os nossos pratos e a agonizar nos canis, matadouros, laboratórios e arenas, a natureza e o planeta a serem devastados… Façamos Greve Geral a todas as nossas ilusões e distracções, a todo o fazer de conta, a toda a conversa fútil no café, telemóvel, blogues e facebook, a todo o voltar a cara para o lado ante a realidade profunda das coisas e toda a nossa hipócrita cumplicidade com o que mais criticamos e condenamos.

Sim, e sobretudo façamos Greve Geral à raiz de tudo isso, a todos os nossos pensamentos, emoções, palavras e acções iludidos, inúteis e nocivos a nós e a todos. Greve Geral a todos os juízos e opiniões que visam sempre autopromover-nos em detrimento dos outros. Greve Geral a colocarmo-nos sempre em primeiro lugar, a nós e aos “nossos”, familiares, amigos, membros da mesma nação, clube, partido, religião ou espécie, em detrimento dos “outros”, sempre a menorizar, desprezar, combater, dominar ou abater. Pois façamos Greve Geral, total e radical, não só um dia, mas para sempre, a toda a ignorância dualista, apego e aversão e à sua combinação em todo o egocentrismo, possessividade, orgulho, inveja e ciúme, avareza e avidez, ódio e cólera, preguiça e torpor. Paremos para sempre de produzir e consumir isto, cessemos de poluir mental e emocionalmente o planeta e deixemos espaço para que em nós floresça e frutifique a sabedoria, o amor, a compaixão imparciais e incondicionais, a paz e a alegria profundas e duradouras.

Façamos Greve Geral, agora e para sempre! E deixemo-nos contaminar pela Revolução doce e silenciosa de uma mente desperta e sensível ao Bem de todos os seres sencientes, que nada pense, diga e faça que não o vise, a cada instante, seja em que esfera for, também na economia e na política. Desta Greve Geral saem um Homem e um Mundo Novos.

Paulo Borges

23.11.2010 / 23.11.2011


--

«Something in me was born before the stars / And saw the sun begin from far away.»
- Fernando Pessoa, 35 Sonnets, XXIV.

arevistaentre.blogspot.com
pauloborgesnet.wordpress.com

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

d´Arte - Conversas na Galeria LXIV


Caldeira da Moita Autor António Tapadinhas
Acrílico sobre Tela 30x90cm

Este é o aspecto actual da Caldeira da Moita na preia-mar. Digo actual, porque estão projectadas obras que poderão alterar substancialmente esta visão. O formato panorâmico desta tela permite formar uma ideia da sua beleza.
A embarcação que se destaca neste quadro é o varino “Boa Viagem”, da Câmara Municipal da Moita, restaurado em 1981.
O seu nome teve origem nos "ovarinos", embarcações de Ovar. Barco típico do Tejo, servia para transportar carga, e tal como a fragata, também era de casco bojudo, mas mais elegante e sem quilha. O seu fundo liso permite-lhe singrar em águas pouco profundas, adequando-se perfeitamente à navegação nos esteiros do Tejo.
Aparelhava uma ou duas velas de estai substituindo o latino triangular por um quadrangular, num mastro inclinado para a ré. Tinha duas cobertas com anteparas, porão com paneiros e ainda bordas falsas para um melhor acondicionamento da carga.
É uma embarcação muito elegante, e simultaneamente muito robusta.
Os varinos vão continuar a sulcar o Tejo, não para transportar mercadorias, mas para navegar ao serviço de cidadãos interessados em ver o rio de um ângulo diferente. Condenados a apodrecer, esta é a segunda oportunidade dos varinos, recuperados e prontos para iniciar uma nova vida…
Quem não gostaria de ter também uma segunda oportunidade?

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

cara a cara

rosa e branca na cor do dia das cerejas trocam romãs
como palavras bravas

voam entre os dentes e soam, os lábios livres
a mais linda canção

correm como casas descendo as escadinhas
procurando  o bairro, tudo será encontrado

o pão e o sonho, a mão e a boca

famintos continuaremos optimistas 

José Gil

http://joseamilcarcapinhagil.blogspot.com

terça-feira, 22 de novembro de 2011

INTIMIDADES


O PEDIDO DE NAMORO

Não tenho dúvidas que a infância nos marca de uma forma indelével. Para o bem e para o mal, são situações que vivemos nessa idade mítica, o facto de termos sido felizes ou não, é isso que, muitas vezes, vem a determinar aquilo que vimos a ser e a conseguir em adultos, o nosso ânimo e forças e ainda a pertinácia ou a ausência dela, para atingirmos aquilo que queremos na e da vida. Não sou psicólogo nem, de qualquer forma, perito na matéria, mas penso assim por intuição e, na verdade, é ao longo desses anos que começamos a lapidar os tijolos mais fundos do nosso carácter. Quantos não são os casos em que as primeiras impressões recolhidas nesses dias nos impõem a massa com que alimentamos pontos de vista futuros?
Pois eu, do paizinho, guardo na memória a recordação de uma imagem dúbia. Lembro-me bem do pai jovial e inundado de sentido de humor nas respostas que dava ao quotidiano, o pai que gostava de conversar com os filhos e de lhes ouvir as opiniões e de os ver afirmarem atitudes, nesse sentido, o pai liberal que nos acompanhava numa caminhada e nos deixava caminhar sozinhos e que eu, nas minhas fantasias de miúdo, gostava de vestir com a despreocupação rebelde dos períodos balneares. Mas também recordo o rosto bem demarcado pelas gelhas de alguém capaz de viver com pouco, muito pouco, e jamais olvidarei as expressões do homem autoritário, aquele que nunca abdicava da possibilidade da última palavra e que agia como o guardião de algumas regras cujo incumprimento nos fazia correr o risco da punição que só por razões de justiça não era posta em prática. Esse era o pai dos fatos completos, do colete e da gravata que, aqui e ali, esperava por nós para nos julgar.
“-Sentença de Salomão…” –Dizia ele com a teatralidade que tinha tanto de sério como de boa disposição, para com isso destacar a importância das palavras e, simultaneamente, desdramatizar-lhes as consequências. E proferia a decisão e a opinião que podiam ou não trazer o castigo.
Era o pai que nos repreendia a indelicadeza, embora se limitasse a discutir as ideias connosco. Aquele que nos proibia a preguiça mas nos deixava brincar. E ainda aquele que nos impunha horários a respeito dos quais desprezava por completo as nossas vontades.
Associada a isso está também a recordação que dele tenho como homem de palavra, quer na dimensão daquele que fala verdade e cumpre com o que diz, quer na da pessoa que faz um uso predominante dessa ferramenta na sua relação com os outros. Quando me remeto para a infância, um quadro que reponho é o do paizinho, à mesa, comunicando-nos a sua leitura de certos acontecimentos, com aquele ar de quem fala de descobertas científicas, ou então vejo-o sentado, dada a regularidade do facto, melhor seria dizer, recostado, no seu cadeirão pessoal, espécie de mesa de colóquios da sala de estar, local onde a família partilhava uma boa parte dos momentos de lazer.
A verdade é que havia a obrigação de todos estarmos em casa por volta das sete da tarde, apesar do jantar se realizar apenas uma hora depois. Era a ocasião em que o paizinho aproveitava para indagar sobre o dia escolar e civil dos filhos e no que restava desse noticiário impreterivelmente diário, era também o tempo apropriado para ele nos dar lições em torno dos mais variados problemas, com isso, em parte, esperando fazer de nós indivíduos responsáveis e sérios. Às vezes, afundava-se no cadeirão e, como se estivesse de olhos fechados, discursava até que a mãe, ora aproveitando uma pausa, ora recordando o adiantado da hora, nos fazia sentir a necessidade de nos sentarmos para a refeição.
O paizinho era, para mim, esse misto de um conselheiro amistoso e juiz, essa ambivalência entre o professor e o polícia.
Hei-de guardar para sempre o episódio da concessão da autorização para o namoro da minha irmã mais velha e estou certo que ele bem ilustra tudo quanto escrevi anteriormente.
Depois de ver bem sucedida a sondagem prévia junto da mãe, teve ela a agradável surpresa de ouvir o pai convidar o rapaz para jantar, no imediato à comunicação da intenção de com ele falarem, tendo em vista o beneplácito à união que ali, formalmente, pretendiam iniciar.
E aquele que viria a ser meu cunhado lá apareceu, numa noite de Sábado, com o protocolado propósito de, primeiro jantar com a família e depois se deslocar até ao escritório, onde deveria acontecer a incontornável entrevista do consentimento.
É claro que pelas interpretações superiores, não seria isso um motivo para quaisquer mudanças nos hábitos familiares, antes pelo contrário e, como seria de esperar, também o rapaz ficou sujeito à pontualidade das sete e a presenciar a ronda biográfica da jornada. No entanto ele era jovem e encarou isso com espírito desportivo e disposição de pescador. Mas o que ele não contava é que o paizinho tinha outros planos.
Acabou ele por aproveitar aquele momento para expor aquilo que achava deverem ser os papéis dos homens e das mulheres no até e pós casamento, no que deve ter elaborado uma palestra toda ela feita de minúcias analíticas e exemplificativas.
Tenho bem presente que todos nós estranhámos que, naquela tarde, o interrogatório tivesse sido tão rápido. Mas quando passada mais de uma hora a mãe nos fez um sinal discreto para que nos dirigíssemos para a mesa, já então tínhamos compreendido que, afinal, a vontade inicial era propiciar ao candidato uma daquelas aulas de preparação para a vida autónoma.
Como é fácil de adivinhar, apenas a visita ficou na sala, mãos sobre as pernas, escutando atentamente a prédica de quem, olhos postos no tecto, nem mesmo dera conta da debandada geral.
Eu não sei o que sentiu quando o paizinho deu por finda a oratória, mas tenho a certeza que o espanto lhe deve ter obliterado o alívio quando, ainda sentados e por entre um vigoroso aperto de mão, lhe escutou a exclamação final:
“-É pá! Que coisa impressionante” –Começou o meu pai circunspectando com olhos franzidos. “-Não me diga que o ilustre jovem foi o único que ficou aqui a ouvir-me.” –E, nesse instante, o pretendente deve ter engolido em seco com a brevidade da pausa que se seguiu. E não saberei dizer o que possa ter sentido com a continuação do reparo: -Ora então confirma que veio cá para pedir a minha anuência a que se entenda de namoro com a minha filha?” –Perguntou-lhe enquanto se erguia e com isso incentivando o outro a fazer o mesmo. “-E está certo quanto aos sentimentos que tem a seu respeito, não é assim?” –Acrescentou, na realidade, sem qualquer hiato. “-Pois muito bem, fique sabendo que tem a minha permissão.” –E voltou a estender-lhe de imediato a mão direita.

Portel, 20 de Abril de 1998

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O EXTERMÍNIO DOS GALEGOS/AS



Relembremos o que disse ANTONIO GIL HERNANDEZ  sobre a situação dos galegos . Mas lembro, que nem todos os Galegos pensam assim, por isso ocorre alguma desunião na resistência à perda de identidade!? Mas para a nossa compreensão estas opiniões subsidiam as dúvidas que temos. (Margarida Castro)


1.- Uma pessoa sem língua não é pessoa; talvez seja escrava ou, ao menos, submisso submetido às pessoas com língua. 
2.- Desde muito tempo atrás o reino bourbónico e as escassas repúblicas espaÑolas procuraram fazer da/os Galega/os pessoas sem língua. (Deixemos de lado o conto, bourbónico espaÑol, de "propia": a língua é sempre própria, quer dizer, língua, ou sempre imprópria, quer dizer, dialeto. Mas não pode ser língua a reduzida a dialeto.) 
3.- O processo para lograr que as pessoas galegas ficassem sem língua foi variado: a) Estabelecer que a língua eficaz não é a sua, mas a importada, a invasora. Assim os reis catódicos. b) Obrigar a aprender a língua culta, a latina, desde a língua importada ou invasora. Assim Carlos III, segundo denunciava Fr. Matinho Sarmento. c) Impedir que a língua usual da gente fosse aprendida nas escolas, enquanto nelas apenas era ensinada a invasora, a importada, já tornada na única importante. Assim desde a Ley Moyano (1857) (Lembrem que a Gaita Gallega e Cantares Gallegos envolvem essa data, 1853-1863, ao mesmo tempo que se acham envolvidos pela situação política e cultural de que surge la Ley.) d) Obrigar não só a aprender a língua invasora, mas a usá-la em exclusivo onde quer, salvo (talvez) nos âmbitos da família. Assim desde a II Restuauración boubónica, com a leve parêntese da II República. e) Reduzir a língua "propia" a simples dialeto, na formalização e nos usos, administrativos ou não, e continuar o processo de imposição, excludente, da língua invasora, sentida cada vez menos invasora. Assim desde os últimos tempos do franquismo (Ley Villar Palasí) e em toda a duradoira "transición democrática" e bourbónica até hoje. 
4.- Está servido e avançado o processo exterminador do Galego, duplo, na formalização e nos usos (nisso que se denomina, mal, "normativización" e "normalización"), e portanto da/os Galega/os. Lição moral ou moral: Galega/os, não permitais que vos "suicidem". Fazei o possível e o impossível por viverdes, apenas por viverdes em liberdade.


ANTONIO GIL HERNANDEZ
26 de Junho de 2011
http://coloquioslusofonia.blogspot.com/2011/06/o-exterminio-dos-galegosas.html)

Nota do Editor: Ontem, Mariano Rajoy, galego, líder do Partido Popular em Espanha, venceu as eleições com maioria absoluta em Espanha...


domingo, 20 de novembro de 2011

Pensamentos?

Questões que nada são numa pérola que jamais se verá.

                                                   &&&

Benditos os passos daquele que caminha descalço sem o saber.

                                                    &&&

Acredita que já És aquilo que todos procuram, ignorando já o serem.

                                                    &&&

O amanhecer surge na boca da esperança permitindo o nascer de um novo dia.

                                                     &&&

Semeadores de estrelas contamos convosco no surgimento de novos mundos.


Aforismos: A.A.
Fotografia: Lucas Rosa

sábado, 19 de novembro de 2011

O Largo da Graça



Outra vez, o Amor


Creio que o Amor é um estado de alma. 
É ao mesmo tempo um sentimento, uma atitude e uma entidade. 
Inclui sempre em si o Outro e o Mundo. 
É assim como maravilhosa melodia de um pássaro azul, no alto de um ramo verde, numa manhã de sol de um dia de Inverno. 
O Amor pode ser simultaneamente amizade, enamoramento e paixão, por outro alguém, ou pela Humanidade inteira, universo fora. 
Disse bem, Creio. 
A síntese perfeita: Amar o Amor (ou Amor é mesmo Amar).


Luís Santos

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

d´Arte - Conversas na Galeria LXIII


CUF Autor António Tapadinhas
Óleo sobre tela
(clique sobre imagem para ver em pormenor)

Esta tela é uma recriação de uma pintura de Kokoschka, pintor do expressionismo alemão (1886-1980), nascido em Pochlarn, perto de Viena.
Quem a baptizou foi a amiga que me comprou a tela. Na sua paixão à primeira vista pela obra, logo lhe chamou Cuf, porque as suas cores estranhas, sobretudo do céu, lhe faziam lembrar uma das principais unidades industriais portuguesas, situada no Barreiro. No seu período de ouro, esta unidade empregava mais de 10.000 trabalhadores. As suas lutas reivindicativas, a sua resistência e luta contra as injustiças, transformaram o Barreiro num símbolo da luta contra a ditadura, mas também num símbolo de poluição, bem visível nos fumos verdes e alaranjados que as chaminés lançavam na atmosfera.
Não utilizei nesta obra nenhuma tinta preta. Consegui a substituição dessa cor com a combinação de Cadmium Red Hue e Prussian Blue Hue, para sublinhar a intensidade vibrante, cheia de enganadores matizes luminosos, das poluídas águas do rio.
Parece-me que assim se consegue o melhor de dois mundos: chamar a atenção para um problema da Humanidade, sem ser agressivo a ponto de causar mal-estar ao observador, tornando-o mais receptivo, julgo eu, à mensagem que se pretende passar.
É assim que entendo a Arte; a sua justificação é a sua Beleza!

ENCONTROS COM AGOSTINHO DA SILVA



AS ÚLTIMAS CARTAS DO AGOSTINHO
2ª Edição

CARTA X

Meus caros

Como vos escrevo quando ainda decorre em Salvador da Bahia a Cimeira Ibero Americana, não quero deixar de vos dizer que sinto muita pena de que lá não se tenha proposto a criação de um Centro de Estudos Ibero Americanos, ou em Timor, o que seria melhor, ou em lugar apropriado das Filipinas, ou até, para sermos de todo ousados, na própria ilha da Páscoa, onde houve Indonésios, e já com especial interesse e colaboração do Chile. Mas um dia haverá.

Por agora, e pulando para os Atlânticos, o que vos participo é que não vejo grandes possibilidades de sairem depressa as Folhinhas de que se tomou compromisso, vosso e meu, para se expedirem por vossa conta. Como acima de tudo vos quero livres para todo o voo que vos apetecer ou a que sejais impelidos de dentro, peço que mo digam todos aqueles que desejam a devolução da ajuda gasta e que me autorizem a fazê-lo os que preferem que tudo seja depositado, para o que der e vier, no Fundo Dom Dinis que tem sua sede e base no Montepio Geral. Todos de acôrdo?

Crescente de Julho de 93.


                  China. Do “Livro do Tao”. Sec. III a.C.

O homem ao nascer é brando e frágil,
o torna a morte duro e rígido;
nascem árvores, ervas, brandas, frágeis,
rijas e sêcas as torna a morte.

O duro e rígido à morte levam,
o brando flectir conduz à vida.

Talvez não vença o forte exército,
mas flectirá a alta árvore.

Dureza e rigidez são inferiores,
                            superiores o ser brando e flectir.



quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O BARDO NA BRÊTEMA


Insegurança cultural

Por Rudesindo Soutelo(*)

Paradoxalmente não existe uma definição global e universal para o termo ‘globalização’. O que para uns tem a ver com questões meramente económicas, outros centram nos fluxos financeiros e ainda há os que se focam nos aspetos políticos e jurídicos. Daniele Conversi afirma que a globalização cultural é a forma mais visível e real de todas, já que progride na destruição global removendo todas as barreiras e proteções tradicionais[i]. Talvez pudéssemos definir a globalização com as palavras de Nietzsche quando, nas Considerações inatuais, descreve “um sistema de incultura ao qual se poderia conceder certa unidade estilística, enquanto ainda tem sentido falar em barbárie estilizada”[ii].
No Le Monde Diplomatique de agosto de 2011, Frédéric Lordon escreve: “No princípio as coisas eram simples: havia a razão e depois havia a doença mental. Os seres dotados de razão tinham estabelecido que a globalização era a realização da felicidade; todos os que não tinham o bom gosto de acreditar nela deviam ser internados”[iii]. Mas existe verdadeiramente a globalização, o que poderíamos chamar uma comunicação horizontal entre os países, sociedades, culturas ou grupos étnicos onde os contactos se produzem em condições de igualdade? Conversi afirma que o processo é mais bem piramidal, com um reduzido número de indivíduos na cúspide –praticamente todos usa-americanos– a definirem os modelos que logo se impõem ao resto da humanidade[iv]. Pirâmides que também existem nos países e sociedades para homogeneizar a sua fatia de soberania.
“A arte sem sonho, produzida para o povo, realiza aquele idealismo sonhador que parecia exagerado ao idealismo crítico”[v], proclamava Adorno em Indústria cultural e sociedade.
A ‘globalização feliz’ que a indústria de Hollywood espalhou após a Segunda Grande Guerra, é hoje a realidade cultural na que acredita um grande número de pessoas em todo o mundo, pois, a socialização das novas gerações foi ‘americanizada’, no sentido que Conversi lhe atribui ao termo como a forma mais superficial, incoerente, parcial e fraca, tal como uma imitação ou aparência de algo cujo valor nem sequer se entende ou como a difusão de aspetos banais e comerciais de produtos industriais americanos e de consumo maciço[vi]. Mas essa escolha não foi livre, antes foi a imposição de políticas culturais centralizadas baseadas no que Georg Soros denomina fundamentalismo do mercado, cujo paradigma dominante assentava na teoria de que os mercados financeiros tendem ao equilíbrio, até que a crise de 2008 demonstrou a falsidade dessa premissa[vii].
Curiosamente, a nação que mais promove o desregulamento dos mercados e beneficia da globalização cultural, Usamérica, é a que adota mais medidas protecionistas para evitar que as outras culturas entrem maciçamente no seu mercado interno.
A cultura é adquirida, não herdada, e segundo Geert Hofstede, é uma programação coletiva da mente que distingue os membros de um grupo ou categoria de pessoas face a outro[viii]. Hoje, a juventude de todo o mundo vê os mesmos filmes, ouve a mesma música, partilha a mesma rede social e, ainda, come e veste a mesma qualidade homogénea de lixo. As suas culturas originárias foram banidas do mercado e não existem laços de cooperação, o que os transforma em indivíduos aculturados no seu próprio grupo social. Este êxito da cultura invasora e homogeneizadora, que amplia assim o seu mercado, não está isento de conflitos porque, como nos lembra Lévi-Strauss, quanto mais homogénea se torna uma sociedade, mais visíveis serão as linhas internas de separação, mas também porque “o progresso só se verificou a partir das diferenças”[ix].
Quando se ameaça a cultura, o modo de vida e o sentido de continuidade dum grupo, percebe-se como um sentimento de insegurança cultural que pode gerar uma crescente mobilização coletiva, uma reivindicação de soberania ou um nacionalismo que responda a agressão[x]. A globalização foi o sonho totalitário do capitalismo ultraliberal, o fundamentalismo do mercado livre que trocou a luta de classes em divisão e antagonismo dos trabalhadores de países ricos e pobres por mor da deslocalização de empresas. Quanto à tecnologia, Adorno também foi esclarecedor: “A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação, é o caráter repressivo da sociedade que se autoaliena”[xi].
São cada dia mais as vozes que reclamam uma urgente desglobalização e desamericanização, para restaurar a soberania dos povos e promover o contacto, em pé de igualdade, entre países, sociedades, culturas, línguas e grupos étnicos numa verdadeira internacionalização da cultura; eliminando o sentimento de insegurança e construindo o que o filósofo Boaventura de Sousa Santos define como o “paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente”[xii].

(*) da Academia Galega da Língua Portuguesa.
Compositor e Mestre em Educação Artística.




[i]   Conversi, D. (January de 2004). Americanization and the planetary spread of ethnic conflict: The globalization trap. Obtido em 15 de Agosto de 2011, de Permanent forum on Cultural Pluralism: http://www.planetagora.org/english/theme4_suj2_note.html
[ii]   In Adorno, T. W. (2010). Indústria cultural e sociedade. (J. M. Almeida, Ed.) São Paulo: Paz e Terra, p. 19.
[iii] Lordon, F. (Agosto de 2011). A desglobalização e os seus inimigos. Le Monde diplomatique, pp. 2-3.
[iv]   Conversi, D., op. cit.
[v]   Adorno, T. W. (2010). Indústria cultural e sociedade. (J. M. Almeida, Ed.) São Paulo: Paz e Terra, p. 14.
[vi]   Conversi, D., op. cit.
[vii] Soros, G. (2008). Um novo paradigma para os mercados financeiros. (L. Boldrini, & P. Migliacci, Trads.) Agir Editora: Rio de Janeiro, p. 183.
[viii] Hofstede, G. (2003). Culturas e Organizações. Compreender a nossa programação mental. Lisboa: Sílabo, p. 19.
[ix]   Lévi-Strauss, C. (2010). Mito e significado. (A. Bessa, Trad.) Lisboa: Edições 70, pp. 31-32.
[x]   Conversi, D., op. cit.
[xi]   Adorno, T. W. (2010). Indústria cultural e sociedade. (J. M. Almeida, Ed.) São Paulo: Paz e Terra, p. 9.
[xii] Santos, B. d. (2002). A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência (4ª ed., Vol. 1). São Paulo: Cortez, p. 71.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

INTIMIDADES


O ANIMATÓGRAFO

A terriola usufruiu de uma sala de cinema aproximadamente durante meio século e quando ela encerrou, por ordem da Direcção-Geral dos Espectáculos, no princípio da década de oitenta, dadas as condições de segurança do edifício porem em risco a integridade física dos eventuais utentes, uma vez o piso do balcão ameaçar abater a qualquer momento, só um bom par de anos mais tarde dei pela sua falta, concretamente, a partir da altura em que me começou a pesar, no tempo e nas energias, o facto de me ver forçado a recorrer aos ecrãs de vilas vizinhas para me divertir com certas películas que, em minha opinião, não requeriam nem mereciam uma ida propositada à capital. À medida que o pó e a sujidade foram dando sinais nas vitrinas e na fachada, em geral, fui tomando consciência que, afinal, até tinham sido muitas as terças-feiras com serões preenchidos por filmes de segunda e terceira linha, é certo, mas que nem por isso deixavam de proporcionar distracção e, em muitos casos, com o acréscimo de provocarem conversa. Tal como eram variadíssimos os grandes êxitos de bilheteira que ali houvera visto, aos fins-de-semana, sempre com a casa a deixar gente de fora. Fosse o que fosse, aquele cine-teatro era uma opção que se calou e agora parece-me que então não compreendia que, para tanto, mais não necessitava que andar uma vintena de passos.
Porque chegaram os interiores àquele estado? Ele é verdade que nos últimos anos, especialmente às terças e às quintas-feiras, as cadeiras estavam às moscas, a não ser num ou noutro caso de exemplares de um género em voga, eram vulgares as noites em que nem duas mãos cheias de pessoas se espalhavam na sala. Isto para nem lembrar aquelas consequências da nouvelle vague em que, pelo menos uma vez, eu e um outro amigo fomos os únicos presentes, a ponto de ele fumar no decurso da projecção sem que surgisse quem se importasse por isso. Em contrapartida, os Sábados e Domingos, incluindo a matiné, esses continuavam cheios. Havia povo para isso. E nesse aspecto, se algum problema se colocava, ele prendia-se mais com as escolhas apresentadas ao público do que a este propriamente dito. Aliás, tenho para mim que a actividade cinéfila, em si, era lucrativa. Mesmo descontando a selvajaria responsável pelos cortes e rombos nos estofos do balcão, em primeiro piso, no cômputo final o saldo era, certamente, positivo e, arrisco dizer, economicamente interessante.
A casa desabou devido a outros motivos, exteriores a ela. Foram as gestões ruinosas da Cooperativa Operária de Consumo que daquela era proprietária, a sucessão de anos ao sabor do vento foram os responsáveis pela incapacidade de manutenção verificada e, mais tarde, pela quase falência daquela associação, sonho de alguns operários dos tempos da primeira república. Foi por isso que não houve dinheiro para arranjar as instalações e ninguém se mostrou interessado em evitar o descalabro total. Mas sobre as razões de tais desnortes não me proponho falar aqui que essas acabam por ser motivos para outras guerras.
Para já, limito-me a acrescentar que o salão de cinema foi o capricho da última colectividade de cultura e recreio que se fundou no burgo, a partir de uma cisão da banda da mais anosa daquelas associações. Por algum tempo foi objecto de exploração privada, pelo Júlio do café que o trouxe de arrendado. Por fim, a Academia vendeu-o à Cooperativa e assim ficou até à hora da morte.
Ao longo do tempo houve um público cinéfilo. Um dos meus tios paternos, por exemplo, teve por muitos e bons anos um lugar reservado numa das últimas filas do balcão. Mas também se formaram homens que gostavam de se dar ares de rebeldia de um Humphrie Bogart ou do semblante melancólico e apaixonado de um Richard Burton. E eram muitos os que tratavam por tu os heróis da tela e sabiam de cor as películas em que entrara o Lex Barker ou o Gari Cooper. Várias foram as gerações que despontaram para a matiné de Domingo que era o dia da indumentária cuidada e até àqueles que têm a minha idade, muitos foram os que em comum cresceram com os moços que, nos intervalos, percorriam os corredores e os lugares com um tabuleiro ao peito, onde traziam os doces e os salgados, cujos papéis e cascas se estatelavam no soalho à laia de despojos da sessão. E se quiser ser justo, ali não vi apenas as diatribes dos bons e dos vilões dos western spagueti que até tiveram os seus heróis, como o Giulliano Gema que, no papel de Django, foi salvo por uma moeda de um dólar, e nem me estou a referir a espectáculos de ilusionismo e de música que ali tiveram lugar. O Sérgio Godinho, por lá iniciou a sua tournée sete anos de canções. Estou antes a rever a manifestação que o Tonho Testa e o Estreia barbeiro queriam fazer junto das bilheteiras para puderem assistir de pé a um filme considerado erótico, se não estou em erro, “A Piscina”. Ou as gargalhadas provocadas por algum aparte jocoso que, no escuro, por vezes se fazia ouvir a propósito de alguma cena.
Com efeito, para a rapaziada da minha convivência, o cinema era um ponto de diversão e de encontro e se na meninice os costumes e os zeladores tudo faziam para que fossemos contidos e discretos nas brincadeiras que por lá praticávamos, ao longo da adolescência as rédeas quebraram-se abrupta e inesperadamente e fora das jaulas podemos dar largas a pinotes que em outras circunstâncias não teríamos feito. Coisas de rapazes, resignavam-se então os mais velhos. Houve uma fase de entradas propositadamente tardias, para descermos as escadas da entrada com saltos em piso de madeira e também houve a moda de mastigar rebuçados de modo a que o barulho perturbasse alguns momentos de maior emoção e suspense.
Foi daí que derivou o prato predilecto das soirés de Sábado. Como éramos muitos, entre rapazes e raparigas, quase sempre conseguíamos preencher toda a fila A do balcão, a primeira de todas que, sob a protecção de um muro baixo se debruçava sobre a plateia, no piso inferior. Às páginas tantas, alguém teve a ideia do que apelidámos de “ovnis” e é claro que a coisa pegou logo. A brincadeira consistia em colocar um rebuçado no parapeito de madeira a que imediatamente chamámos pista de descolagem e com a força de quem dispara um bugalho, escolhido o momento apropriado que naturalmente seria aquele em que as pessoas estivessem mais concentradas nas peripécias que estavam a seguir, de preferência naquelas cenas em que o inesperado era o que se esperava, era então que algum de nós dizia “-Fogo!” e, em acto contínuo, voavam os projécteis na direcção de algum coro cabeludo que de imediato se virava para trás.
Era uma risada.

Alhos Vedros, 2 de Março de 1996

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Progresso


Ser a madrugada
do tempo
anoitecido: barbarizar
                   o desconhecimento
                   em novas ciências

                   cientificar
                   a desnecessidade
                   de estar vivo

ser a divulgação do próximo
desacontecimento e se apresentar
na plenitude com que o regresso
traz o medo.

(Pedro Du Bois, inédito)