Vendas Novas, 8 de Outubro de 2012
... Tudo isto é Fado
O QUE TIVER QUE SER ASSIM SERÁ
DIZEM os populares
que «o que tem que ser tem muita força», o que implica acreditar no
determinismo. Dá-se até o caso de astrólogos e adivinhos dizerem que o destino
está escrito nos astros, talvez por respeitarem mais os calhaus, que são os
astros, do que o espírito, a vontade e a imaginação dos humanos e dos deuses.
Eu, que me habituei a acreditar que para quem crê no
presente todos os destinos e todos os futuros são possíveis, por vezes fico
perplexo.
Há muitos anos, conheci uma jovem que, escorregando no
passeio duma rua da antiga Lourenço Marques, fraturou uma perna, coisa que
acontece a muita gente. Levada para o hospital, foi engessada – coisa normal –
e nos dias que se seguiram não sossegou com dores. Dores cada vez mais fortes e
no hospital a dizerem-lhe que estava tudo bem. Depois, começou um cheirinho
mau. Foi internada, operada e por ali ficou mais de um mês. Quando teve alta,
sentia-se bem e quase não precisava das canadianas para andar. Isto até sair à
rua, acompanhada do namorado e dois familiares. Aí, ao atravessar na
passadeira, um carro mal governado projetou-a vários metros adiante. Fratura
exposta na mesma perna e o hospital ali mesmo à mão. Voltou tudo ao princípio e
a perna nunca ficou totalmente boa.
Lembrei-me disto ao ter conhecimento da morte prematura da
ex-jornalista Margarida Marante, alguém a quem o mundo e a vida pareciam
estender passadeiras triunfais e os fados, um curto-circuito na alma ou lá o
que foi quiseram provar que o que tem que ser tem muita força.
Estava a escrever estas linhas e dependura-se-me na
pantalha televisiva aquele senhor que tem a mania que é barítono e se atirou ao
pote como quem pensa que o mel vai acabar – neste pormenor, provavelmente terá
razão –; um senhor que é alcunhado, entre outras coisas, de primeiro-ministro,
embora não seja esta a alcunha que o povo mais aprecia. Imaginei-o a dizer: «O
país estava à beira do abismo, mas comigo deu um grande passo em frente». Estou
ciente e consciente que ele não disse isto. Fê-lo, na verdade, mas não o disse.
O que ele disse, não sei, quando ele fala já não o oiço. Aliás, não merece ser
ouvido. A única coisa que mereceria ser ouvida era uma confissão pública do mal
que fez a este país. Tirar a mão do nosso bolso e ir-se embora é que era.
Tinha acabado de ver o Ministro dos Impostos e, ao meu
lado, alguém perguntava: «Porque será que o homem fala tão devagar?». Procurei
esclarecer: «Sabe, amigo, não está ali um ser humano, trata-se de um cyborg.
Sabe o que é um cyborg? Um cyborg é um ser vivo – chamemos-lhe assim – feito
com tecidos humanos, de aparência humana, mas de natureza cibernética…
– Pode ser – voltou o outro à carga – mas por que é que
fala tão devagarinho? Pensa que somos todos estúpidos, é?
– Não, amigo, ele fala assim porque está a fazer tradução
simultânea. Tem um implante no ouvido que lhe permite ouvir permanentemente as
ordens do Wolfgang
Schäuble, que foi quem o mandou fabricar, e
que é ministro das finanças na Alemanha…
A Alemanha está em vias de ganhar a guerra interrompida com
a morte do homem do bigode ridículo. A sua substituta, sem precisar de tanques
de guerra, basta-lhe o marco alcunhado de euro, gaseia-nos a todos. Podíamos
atropelar a substituta do tal senhor, torpedear-lhe a moeda, despedir os
empregados dela que aqui temos, mas não sei porque o não fazemos.
Por mim, faço votos que aconteça à Alemanha o que sempre
lhe tem acontecido ao longo da História. Que se prove que o que tem que ser tem
muita força.
E que a gente se safe, como é costume. Mas não estou nada,
mesmo nada seguro.
(Nota: crónica publicada periodicamente no Jornal do Barreiro e que o autor partilha connosco)
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