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Novas, 20 de Novembro de 2012
PROCURANDO
ALICE
DO OUTRO
LADO DO ESPELHO
AO QUE PARECE, somos três em um, como certos produtos da cosmética e da
limpeza: o que verdadeiramente somos, o que julgamos ser e o que os outros
pensam que somos. Desta última condição resulta que o retrato que nos façam
pouco ou nada contribuirá para que nos conheçamos, mas é o melhor meio ao nosso
alcance para sabermos quem é e como é o retratista.
Atendendo a tudo isto, bom seria que, sem qualquer
inquietação de maior, admitíssemos, à revelia do senso comum, que os homens e
as mulheres, bem vistas as coisas, não têm defeitos nem têm virtudes, têm sim
características. Por simples benevolência, às características que nos agradam
chamamos então virtudes, às que nos incomodam, por costume ou má vontade,
chamamos defeitos. Sobra daqui um grande problema: que imperial acuidade nos
leva à distinção em que somos pródigos?
E sobre nós, qual a bitola, qual a acuidade?
Quem é que não sabe – quem? – que não se deve confiar em
quem nos diga coisas do género: «eu cá sou muito sincero» ou «eu sou uma pessoa
muito simples»?
E não é apenas por bem sabermos que ninguém é bom juiz em
causa própria, nem por olharmos o louvor de quem a si se louva como vitupério,
mas sobretudo porque a psicologia prática nos ensina, por um lado, que do que
nos é natural nos não damos conta e, por outro, que quem simples se julga
complicado é; depois, que quem se declara sincero, por norma, desconhece o que
isso seja. Em contrapartida – se nos quisermos autoanalisar – constataremos que
os defeitos que apontamos aos outros nos assentam como luva. Nesta
conformidade, talvez devêssemos tomar como princípio que todos os nossos
relacionamentos estão sujeitos a projeções e reflexos dum compósito jogo de
espelhos. Como não temos capacidade para conhecer o outro por si próprio –
tomáramos nós conhecer a nós mesmos! – inventamo-lo à nossa imagem e
semelhança, pondo no altar aqueles que amamos e remetendo para o inferno os que
nos incomodam. Todavia, não amamos nem odiamos para além daquilo que somos,
apenas enaltecemos virtudes imaginadas para a construção da corte que nos
conforta e esconjuramos o mal em nós negando ao objeto da nossa raiva ou da
nossa má vontade todo o merecimento. Ora, o outro é, para o bem e para o mal, o
nosso espelho. Se o quebramos, desencontramo-nos; se lhe pusermos uma moldura,
virá o tédio das imagens repetidas roubar-nos a aprendizagem...
Bom seria ver no outro um lago luminoso e transparente. Um
lago imenso onde os céus se refletem e a nossa emoção se retempera…
Mas talvez seja pedir demais.
P.S.: Crónica publicada no Jornal do Barreiro que o autor partilha connosco.
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