sexta-feira, 12 de abril de 2013

Hipnos



Hipnos e Tânatos (Fonte: Wikipédia Livre)
                                   

Na concepção da sociedade atual, com tantas motivações para se ficar alerta, o dormir é, para muitos o mesmo que perder tempo, um roubo de horas vividas, um exercício para a morte. Desde a antiguidade a mitologia dava ao sono, processo biofisiológico rítmico, cíclico, subordinado a estímulos elétricos e neuropsíquicos, a importância para manter o homem em estado hígido.  Os grandes estudiosos do assunto, psicólogos e pesquisadores da mente, são unanimes: há no domínio de Hipnos, deus do sono, filho da noite (Nyx) e de Érebo (a treva primordial), irmão de Tânatos, deus da morte, outro mundo ainda não totalmente desvendado, que comanda o subconsciente e  favorece a criatividade.  Quando esse processo neuropsíquico é afetado por doenças (físicas ou psíquicas) ou por comportamentos que prejudiquem a rotina, aparece a insônia que, frequente, mina a qualidade de vida.  Dormir o que se precisa ajuda a manter-nos física e psicologicamente saudáveis, mantém-nos vivos.
Aqueles que, por necessidade ou tipo de trabalho, são obrigados a trocar o dia pela noite, necessitam de mais tempo para descanso e de algumas compensações financeiras e sociais,  como aposentadoria mais precoce.  Mas nem sempre o preço pela falta de sono é só esse. Os pesquisadores são enfáticos;  a falta de um sono reparador leva a um déficit cognitivo e motor, a alterações de humor, a fadiga crônica, a maiores riscos de acidentes e erros que prejudicam os relacionamentos sociais e familiares. A história mostra essa tendência. Relatos de tragédias como a do Titanic(1912),  a do petroleiro da EXXON Valdez (1989), a da usina nuclear de Chernobyl (1986), foram acidentes que ocorreram à noite, quando equipes submetidas a longas jornadas de trabalho sem o descanso necessário, com privação de sono, tiveram falhas ou cometeram mais enganos que o normal.   Embora não divulgado à priori, soube-se posteriormente que a equipe de manutenção do ônibus espacial Challenger havia trabalhado exaustivamente na noite anterior, para reparar o defeito numa peça do tanque de combustível. Problema que ficou aparentemente resolvido... até à explosão do ônibus.
Mas como tudo tem exceções, há também aqueles que julgam a noite a parte do dia mais produtiva, pela quietude e sossego de que se dispõe. Poetas, escritores, artistas, cientistas, cérebros diferenciados há que encontram nessa ocasião o seu melhor tempo. O Nobel de Química de 2003, R. MacKinnon disse: “Meus momentos mais produtivos são aqueles em que não consigo dormir”. Em geral são mentes privilegiadas que conseguem funcionar tanto pela atividade cerebral racional, como pela intuição, quando esta está liberada, sem o controle e censura da racionalidade, como um caleidoscópio que pelo movimento ao acaso mostra novas e inesperadas formas de visão.  Para os filósofos a intuição é uma modalidade rápida, fugaz, privilegiada de conhecimento, que tem papel decisivo na criatividade, seja artística ou cientifica. Mesmo nestes casos, as pesquisas comprovaram que o repouso noturno aguça duas vezes mais o sentido intuitivo dos que repousam, do que os que não repousam adequadamente. Logo Hipnos tinha razão em se deitar numa cama de penas macias, numa caverna escura junto a uma das margens do Lethe, o rio do esquecimento. Dormir não é perda de tempo, dormir faz bem à vida.  
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 30/03/13

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