quarta-feira, 10 de abril de 2013

IMI: o imposto que resiste à crise



Manuel Henrique Figueira

Acabo de receber o primeiro de três avisos de pagamento do IMI da minha casa de habitação, o mesmo tendo acontecido à generalidade dos proprietários de imóveis. Este ano, para disfarçar o recente e brutal aumento que este imposto sofreu, e para que o suportemos melhor, passámos a pagá-lo em «prestações suaves»: uma, em Abril (para quem pague até 250 euros); duas, em Abril e Novembro (entre 250 e 500 euros); três, em Abril, Julho e Novembro (acima de 500 euros).
Num tempo de forte retracção dos rendimentos das pessoas e de contenção de custos por parte das mais diversas instituições e empresas, a que se deve esta desagradável «surpresa fiscal» que agravará a crise em que muitas famílias vivem?
Deve-se à conjugação de três factores:
1.º − Factor Troika: Actualização generalizada do valor patrimonial dos imóveis (prevista no D. L. 287/2003 e imposta pela Troika). Multiplicando este valor pela taxa fixada por cada município obtêm-se o imposto a pagar. A actualização do valor patrimonial implicou, nalguns casos, subidas de 2000% ou maiores, embora as pessoas afectadas estejam a coberto da Cláusula de Salvaguarda (D. L. n.º 287/2003) que lhes permite terem aumentos «moderados» em 2013 e 2014.
2.º − Factor Governo: Aumento que o Governo aplicou aos intervalos das taxas do imposto e que abrange todos os imóveis. Nos prédios avaliados a partir de 2004 o intervalo passou de 0,2-0,4 para 0,3-0,5. Nos prédios não avaliados passou de 0,4-0,7 para 0,5-0,8. Estes aumentos podem variar, respectivamente, entre 50% e 25% e entre 25% e 11,42%, dependendo das taxas do ano anterior de cada município.
3.º − Factor Autarquia: Aumento das taxas (dentro dos dois intervalos que referi) decididas por um número considerável de municípios. Trata-se de autarquias pouco amigas dos seus munícipes ou fortemente endividadas (devido a má gestão), que aproveitaram esta oportunidade para arrecadar mais receita, pouco se importando com as dificuldades por que a generalidade dos munícipes passa. Este terceiro aumento é tanto mais chocante quanto é certo que os autarcas normalmente têm um discurso contra o Governo, contra a sua inegável falta de sensibilidade social na distribuição dos sacrifícios da austeridade. Eu conheço autarcas desses, que acrescentaram, assim, aos dois aumentos (o do Governo e o da Troika), um terceiro da sua iniciativa e exclusiva responsabilidade. Explicando melhor: se um dado município no ano passado tinha fixado o valor da taxa, p. ex., em 0,2, e o Governo, ao subir o intervalo de 0,2-0,4 para 0,3-0,5 o obrigou a aumentá-la para 0,3, isto é, mais 50%, e se esse município, por sua iniciativa, decide fixar essa taxa, p. ex., em 0,375, impõe um terceiro aumento neste imposto. Resultado final: IMI mais caro 75%.
É com este triplo aumento do IMI que se confrontam os munícipes em 82 autarquias (26,62% do total das 308 existentes no país), tendo 31 procedido ao terceiro aumento por imposição do Governo/Troika (devido ao alargamento dos intervalos das taxas) e 51 por iniciativa própria (isto relativamente aos imóveis não avaliados – taxas: 0,5-0,8). Quanto aos imóveis avaliados (taxas: 0,3-0,5), 85 autarquias sofreram este terceiro aumento (27,59%), 50 por imposição do Governo/Troika e 35 por iniciativa própria.
No entanto «nem tudo vai mal no reino da Dinamarca [autárquica]», ainda há autarcas com sensibilidade social, capazes de fazer uma gestão sensata e equilibrada, avessa ao desperdício e às obras megalómanas, o que lhes permite baixar as taxas de IMI e atender às dificuldades por que passam os seus munícipes. Estão neste caso 44 autarquias (14,28%), enquanto 182 (59,10%), do mal, o menos, mantiveram as taxas do ano anterior (isto para os imóveis não avaliados: 0,5-0,8). Nos imóveis avaliados (taxas: 0,3-0,5) 58 baixaram-nas (18,84%) e 165 mantiveram-nas (53,57%).
Se numa conjuntura que tem levado a que muitas instituições, empresas e famílias tenham refreado os gastos e em que muitos produtos e serviços têm baixado o seu custo, compreende-se mal que em alguns municípios (cujos autarcas se reclamam de estar próximos das populações) se proceda ao contrário.
Mas perguntará o leitor: como é nas câmaras do distrito de Setúbal? Lamento dizer-lhe, mas este é um distrito onde o aumento do IMI «é quem mais ordena». Sabia que, no distrito, a taxa média dos 13 municípios (imóveis não avaliados: taxas 0,5-0,8) é a segunda mais alta do país? Precisamente 0,718, com as câmaras de Setúbal, Montijo e Sines com o valor máximo − 0,8 − e a de Palmela com 0,750. No caso dos imóveis avaliados (taxas: 0,3-0,5) a média é a mesmo mais alta do país − 0,418 − com as câmaras de Setúbal e do Montijo com o valor máximo − 0,5 − e a de Palmela com 0,480.
E sabia que (nos imóveis avaliados) apenas duas fixaram taxas um pouco mais baixas − Sines (0,360) e Seixal (0,395) −, isto entre três hipóteses possíveis (0,3; 0,4; 0,5)? E que, nos imóveis não avaliados, entre quatro hipóteses possíveis de taxas (0,5; 0,6; 0,7; 0,8), apenas duas se ficaram dentro da segunda hipótese: Alcácer do Sal (0,6) e Seixal (0,695)?
Para concluir, direi que talvez cada um de nós, munícipes dos concelhos do distrito mais violentamente fustigado por este imposto excessivo e injusto, por incidir sobre um dos bens básicos mais preciosos − a habitação − devesse confrontar os responsáveis autárquicos sobre a razão se ser desta triste realidade.
E temos uma oportunidade em breve, pois avizinha-se mais um acto eleitoral em que teremos que fazer escolhas para os diversos órgãos autárquicos.
Pessoalmente, gostaria de poder votar em muitas autarquias do distrito de Castelo Branco, onde as duas taxas de IMI que referi no texto são as mais baixas do território continental − 0,3 e 0,5 − o que faz deste distrito o mais amigo dos munícipes nesta matéria.

Nota 1: As taxas em vigor em cada município podem ser consultadas em: https://www.portaldasfinancas.gov.pt/pt/main.jsp?body=/imi/consultarTaxasIMIForm.jsp

Nota 2: Os dados inexistentes no Site das Finanças foram confirmados por contacto directo junto das câmaras para garantir a fiabilidade da informação.

In O Setubalense, 5 de Abril de 2013, p. 3
Texto publicado com autorização do autor.


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