Manuel Henrique Figueira
Acabo de receber o primeiro de três
avisos de pagamento do IMI da minha casa de habitação, o mesmo tendo acontecido
à generalidade dos proprietários de imóveis. Este ano, para disfarçar o recente
e brutal aumento que este imposto sofreu, e para que o suportemos melhor, passámos
a pagá-lo em «prestações suaves»: uma, em Abril (para quem pague até 250 euros);
duas, em Abril e Novembro (entre 250 e 500 euros); três, em Abril, Julho e Novembro
(acima de 500 euros).
Num tempo de forte retracção dos
rendimentos das pessoas e de contenção de custos por parte das mais diversas
instituições e empresas, a que se deve esta desagradável «surpresa fiscal» que agravará
a crise em que muitas famílias vivem?
Deve-se à conjugação de três factores:
1.º − Factor Troika: Actualização generalizada
do valor patrimonial dos imóveis (prevista no D. L. 287/2003 e imposta
pela Troika). Multiplicando este valor pela taxa fixada por cada município obtêm-se
o imposto a pagar. A actualização do valor patrimonial implicou, nalguns
casos, subidas de 2000% ou maiores, embora as pessoas afectadas estejam a
coberto da Cláusula de Salvaguarda (D. L. n.º 287/2003) que lhes permite terem
aumentos «moderados» em 2013 e 2014.
2.º − Factor Governo: Aumento que o Governo
aplicou aos intervalos das taxas do imposto e que abrange todos os imóveis. Nos
prédios avaliados a partir de 2004 o intervalo passou de 0,2-0,4 para 0,3-0,5.
Nos prédios não avaliados passou de 0,4-0,7 para 0,5-0,8. Estes aumentos podem
variar, respectivamente, entre 50% e 25% e entre 25% e 11,42%, dependendo das
taxas do ano anterior de cada município.
3.º − Factor Autarquia: Aumento das taxas (dentro
dos dois intervalos que referi) decididas por um número considerável de
municípios. Trata-se de autarquias pouco amigas dos seus munícipes ou
fortemente endividadas (devido a má gestão), que aproveitaram esta oportunidade
para arrecadar mais receita, pouco se importando com as dificuldades por que a
generalidade dos munícipes passa. Este terceiro aumento é tanto mais chocante quanto
é certo que os autarcas normalmente têm um discurso contra o Governo, contra a
sua inegável falta de sensibilidade social na distribuição dos sacrifícios da
austeridade. Eu conheço autarcas desses, que acrescentaram, assim, aos dois
aumentos (o do Governo e o da Troika), um terceiro da sua iniciativa e
exclusiva responsabilidade. Explicando melhor: se um dado município no ano
passado tinha fixado o valor da taxa, p. ex., em 0,2, e o Governo, ao subir o intervalo
de 0,2-0,4 para 0,3-0,5 o obrigou a aumentá-la para 0,3, isto é, mais 50%, e se
esse município, por sua iniciativa, decide fixar essa taxa, p. ex., em 0,375, impõe
um terceiro aumento neste imposto. Resultado final: IMI mais caro 75%.
É com este triplo aumento do IMI que se confrontam
os munícipes em 82 autarquias (26,62% do total das 308 existentes no país),
tendo 31 procedido ao terceiro aumento por imposição do Governo/Troika (devido
ao alargamento dos intervalos das taxas) e 51 por iniciativa própria (isto relativamente
aos imóveis não avaliados – taxas: 0,5-0,8). Quanto aos imóveis avaliados
(taxas: 0,3-0,5), 85 autarquias sofreram este terceiro aumento (27,59%), 50 por
imposição do Governo/Troika e 35 por iniciativa própria.
No entanto «nem tudo vai mal no reino da
Dinamarca [autárquica]», ainda há autarcas com sensibilidade social, capazes de
fazer uma gestão sensata e equilibrada, avessa ao desperdício e às obras
megalómanas, o que lhes permite baixar as taxas de IMI e atender às
dificuldades por que passam os seus munícipes. Estão neste caso 44 autarquias (14,28%),
enquanto 182 (59,10%), do mal, o menos, mantiveram as taxas do ano anterior (isto
para os imóveis não avaliados: 0,5-0,8). Nos imóveis avaliados (taxas: 0,3-0,5)
58 baixaram-nas (18,84%) e 165 mantiveram-nas (53,57%).
Se numa conjuntura que tem levado a que
muitas instituições, empresas e famílias tenham refreado os gastos e em que
muitos produtos e serviços têm baixado o seu custo, compreende-se mal que em
alguns municípios (cujos autarcas se reclamam de estar próximos das populações)
se proceda ao contrário.
Mas perguntará o leitor: como é nas
câmaras do distrito de Setúbal? Lamento dizer-lhe, mas este é um distrito onde
o aumento do IMI «é quem mais ordena». Sabia que, no distrito, a taxa média dos
13 municípios (imóveis não avaliados: taxas 0,5-0,8) é a segunda mais alta do
país? Precisamente 0,718, com as câmaras de Setúbal, Montijo e Sines com o
valor máximo − 0,8 − e a de Palmela com 0,750. No caso dos imóveis avaliados
(taxas: 0,3-0,5) a média é a mesmo mais alta do país − 0,418 − com as câmaras
de Setúbal e do Montijo com o valor máximo − 0,5 − e a de Palmela com 0,480.
E sabia que (nos imóveis avaliados) apenas
duas fixaram taxas um pouco mais baixas − Sines (0,360) e Seixal (0,395) −, isto
entre três hipóteses possíveis (0,3; 0,4; 0,5)? E que, nos imóveis não
avaliados, entre quatro hipóteses possíveis de taxas (0,5; 0,6; 0,7; 0,8),
apenas duas se ficaram dentro da segunda hipótese: Alcácer do Sal (0,6) e
Seixal (0,695)?
Para concluir, direi que talvez cada um
de nós, munícipes dos concelhos do distrito mais violentamente fustigado por
este imposto excessivo e injusto, por incidir sobre um dos bens básicos mais
preciosos − a habitação − devesse confrontar os responsáveis autárquicos sobre
a razão se ser desta triste realidade.
E temos uma oportunidade em breve, pois
avizinha-se mais um acto eleitoral em que teremos que fazer escolhas para os
diversos órgãos autárquicos.
Pessoalmente, gostaria de poder votar em
muitas autarquias do distrito de Castelo Branco, onde as duas taxas de IMI que
referi no texto são as mais baixas do território continental − 0,3 e 0,5 − o
que faz deste distrito o mais amigo dos munícipes nesta matéria.
Nota 1: As
taxas em vigor em cada município podem ser consultadas em: https://www.portaldasfinancas.gov.pt/pt/main.jsp?body=/imi/consultarTaxasIMIForm.jsp
Nota 2: Os
dados inexistentes no Site das Finanças foram confirmados por contacto directo
junto das câmaras para garantir a fiabilidade da informação.
In O Setubalense,
5 de Abril de 2013, p. 3
Texto publicado com autorização do autor.
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