MANUEL RUI (Manuel Rui Alves Monteiro)
Dono de uma já vasta
bibliografia, nasceu no Huambo (Angola) em 1941. Formou-se em Direito em
Portugal onde exerceu a profissão até 1974, data em que regressa ao país natal.
Ali exerceu o cargo de Ministro da Informação no Governo de Transição de 1975. Professor,
escritor, cronista, crítico e ensaísta, é membro fundador da União dos Artistas
e Compositores Angolanos, da Sociedade de Autores Angolanos e da União de
Escritores Angolanos.
Fazendo uso do
linguajar luandense que transformou a língua portuguesa num idioma muito
próprio e original, método aliás muito usado pelos escritores angolanos da sua
geração (e não só), procura combater os males da sociedade em que vive, por
dentro, isto é, mantendo a crítica presente em quase toda a sua obra, aliando, quase
sempre, a seriedade ao humor, o que faz com notável acuidade. Tomo, como
exemplo do seu estilo, o trecho inicial do livro “ESTÓRIAS DE CONVERSA”,
publicado pela Caminho em 2006, que agrega cinco histórias, as estórias
mencionadas no título. É a primeira e intitula-se “Curto relato de um feiticeiro”.
“Eu mesmo João. Com o
número que me puseram no recenseamento e depois na recruta até agora sou o
soldado vinte mil e catorze mas, na maneira como sou kambuta (*), logo no
princípio de aprender de soldado os meus camaradas me andavam só a estigar (*)
de semachista! (*) Na maneira essa que me chamam de João Jaques (*) eu que nem
nunca joguei básquete fiquei aí com o nome do nosso campeão e ainda nas matas
quando se podia ouvir no relato e o Jaques falhava só uma bola logo-logo os
camaradas começavam na estiga que você está embora falhar sô João! Que você já
nem merece o Jaques mais que vinte mil e catorze se número de soldado que você
ainda falta andar nesses quilómetros de combate. Mas quando no relato se
encontrámos campeão africano outravez todo o pessoal me levantou no ar João!
João Jaques semachista! João! Vai! E eu assim no ar, já mais alto, a me
obrigarem até na maneira de levantar os dois braços, saco sô Jaques camarada
João!
Assim mesmo eu sou o
soldado João e isso que vou contar já contei na minha mãe agora que voltei no
Malange. E estava a falar na minha mãe, ela a rir, nas vezes em que os
camaradas falavam de estiga que você não paga renda e eu respondia que sim
porque nós malanginos construímos, temos casa própria. Casa própria? Vocês
malanginos? Respondiam de pergunta estigada todos a rir. Mas você se o gajo
ganhar ainda vai embora puxar o comboio com os dentes!”
(*) kambuta – pequeno, baixinho.
(*) estigar – gozar, caçoar.
(*) semachista – do inglês “smash”. Afundanço. Termo usado no
basquetebol.
(*) Jean Jacques, jogador angolano de basquetebol, muito
popular, notabilizado no Sport Lisboa e Benfica.
Manuel Rui, um mestre
angolano na difícil arte do conto, a seguir e a não perder!
Tomás Lima Coelho
2 comentários:
"Quem me Dera Ser Onda" é do mais belo que alguma vez foi escrito em língua portuguesa e de uma profundidade no olhar que lança sobre o humano e a(s) respectiva(s) contingência(s) que, a nada mais ter escrito, seria suficiente para o deixar no patamar dos imortais, entre aqueles que escrevem nas línguas portuguesas.
É como o Tomás diz, um Mestre - para todos nós.
Luís Gomes
Estou totalmente de acordo com o Luís F. de A. Gomes: "Quem me dera ser onda" é uma das belas peças que foram produzidas na lígua portuguesa!
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