por Miguel Boieiro
Apreciar a flora que brota espontaneamente à beira dos percursos
pedonais que episodicamente trilhamos, acaba por se tornar, com a continuação,
um passatempo deveras agradável. Não é preciso ir ao campo para divisar a
exuberância multifacetada e multicolor da vegetação. Mesmo em plena cidade, as
plantas não pedem licença para emergir viçosas e atraentes se para tal
encontrarem propícias condições.
Uma escassa hora livre que disponho antes da aula de
fitoterapia que costumo orientar na Universidade Sénior dos Coruchéus dá-me
para passear um pouco pelas chamadas “avenidas novas” que circundam as
instalações. Anoto, com prazer, que quase todos os prédios possuem jardins
anexos e até pequenos hortejos. Alguns espaços são tratados com esmero pelos
respetivos moradores. Outros restam abandonados mas sempre repletos de plantas
(árvores, arbustos, flores, ervas …). É incrível como deparamos com tanta
variedade florística em pleno solo urbano, estercado, quase sempre, pelos
excrementos dos canídeos, omnipresentes naquela aprazível zona de Lisboa.
De entre tantas plantas que observo que vão das simples
ervinhas até às olaias, às tílias, aos lódãos, aos plátanos, aos abacateiros,
aos ginko bilobas fêmeas, deu-me agora para distinguir um pequeno arbusto,
cujas flores azuis em formato estrelar sobressaem em diversos jardins. Poderia
escolher outra mas, desta vez, calha falar da dulcamara.
Trata-se de uma planta ornamental, é bem de ver, mas também
medicinal, conhecida e utilizada desde o tempo dos faraós. Atualmente, devido
ao quimismo consumista que nos flagela, raramente é mencionada como espécie
curativa. No entanto, a doce-amarga, nome popular por que também é conhecida,
cuja designação científica, Solanum
dulcamara L., indicia a sua
família botânica - solanáceas - tem muitas aplicações no campo da fitoterapia.
Antes de prosseguirmos, convém caracterizar bem a planta em
questão. Trata-se de um subarbusto perene e trepador com folhas ovais,
pontiagudas, verde- escuras e pecioladas. Cresce, e embora sem gavinhas, enrola-se
nos seus próprios suportes flexíveis, podendo atingir quatro metros de altura.
As flores têm cor azul-violácea e estames amarelos. São alternas, pedunculadas
e hermafroditas, possuindo habitualmente cinco pétalas. Os pequenos frutos
formam bagas ovoides que começam por ser verdes, passando a vermelhas quando
amadurecem. As sementes são reniformes (em forma de rim).
Julga-se que a dulcamara é originária das zonas temperadas da
Europa e do norte de África. Ela contém interessantes princípios ativos de que
se destacam os gluco-alcalóides, a dulcamarina, a solanina, os taninos, as saponinas
e as resinas.
Tem reconhecidamente propriedades diuréticas, emolientes,
cicatrizantes, depurativas, expectorantes, febrífugas, sedativas, analgésicas e
refere o Dr. Samuel Maia no seu antiquíssimo “Manual de Medicina Doméstica”,
também narcóticas e anafrodisíacas.
Principais indicações: bronquite, celulite, hidropisia,
urticária, eczema, herpes, acne, queimaduras, hemorroidas, artrite, reumatismo
…
O caule da planta tem inicialmente um sabor doce e logo a
seguir muito amargo, daí a origem do nome dulcamara. Já se mencionou que
pertence à família das solanáceas, o que só por si, implica que tenhamos muito
cuidado com o seu manuseio, devido aos alcaloides tóxicos que contém, dos quais
se destaca a solanina. No entanto, não está ainda bem determinado qual o
grau rigoroso de toxicidade desta planta. Considera-se que as bagas são
venenosas, especialmente quando estão verdes, contudo, numerosas espécies de
aves ingerem-nas sem, aparentemente, qualquer efeito nocivo.
Antigamente a dulcamara era intensamente utilizada em
aplicações internas (infusões). Todavia, hoje em dia, por precaução talvez
exagerada, recomenda-se mais o seu uso externo.
Eis algumas receitas que repesquei na minha biblioteca
privada:
- Cozimento ou a cataplasma das folhas frescas para aplicar em
contusões, queimaduras, herpes e hemorroidas (Dr. Oliveira Feijão).
- Cataplasmas preparadas a partir da decocção de 100 g de
folhas em 2,5 dl de água a que se adiciona linhaça (sementes de linho moídas).
Aplicar três vezes ao dia, durante 15 minutos, na região afetada (Dr. Pamplona
Roger).
- Infusão de 15 g para um litro de água para tomar apenas uma
chávena por dia, em jejum (Dr. Lyon de Castro).
- Infusão de 20 g dos caules pulverizados num litro de água.
Ferve durante quinze minutos. Tomar uma chávena ao deitar para a polução
noturna (Dr. Samuel Maia). Nota: isto é mais para a malta nova, como é
evidente.
Outras receitas antigas incluem tinturas, compressas e o suco
fresco das bagas.