terça-feira, 24 de dezembro de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA




Definitivamente posso afirmar que me sinto como uma espécie de macaquinho que os miúdos tanto gostam de espreitar em Sete Rios. Vá lá que é mais do género da aldeia que, ainda que muitas vezes seja preferível mantermo-nos atrás das portas e postigos, a sensação das grades, apesar de tudo, não é a que mais avassala. Desde o princípio do ano passado que temos sido mais assiduamente visitados pelos mais variados tipos de gentes que aqui vêm, de uma maneira geral, para verem aquilo que lhes parece que é um mundo com uma maneira de viver diferente. Impressiona-me como é tão vulgar que se veja aquilo que se quer ver, como é tão natural que se observe e se interprete com os pressupostos e preconceitos que levamos connosco quando comunicamos com o que nos envolve e de tal maneira que, nos casos mais agudos, chegamos a olhar a realidade com quadros de modelos que construímos à anteriori e nem reparamos que os acabamos por confundir com aquela. Porque será isto tão corriqueiro entre o comum dos mortais? Pouco importa para o caso, a verdade é que temos visitas regulares de simples turistas da cidade que sentem curiosidade para ver como se pode viver no campo e ficam mais ou menos admirados e um tanto frustrados por não verem o que devem imaginar o que são casas medievais onde uns quantos rústicos continuassem a viver num misto de idade média e paraíso igualitário, mais ou menos colorido e aligeirado nos costumes consoante as idades dos forasteiros, isto, é bom de ver, para lá de toda a sorte de romarias que as mais variadas militâncias aqui descarregam aos fins-de-semana e que de vez em quando nos solicitam encontros de trabalho que, nesse capítulo por sempre partirem de entidades determinadas que se instalaram no tecido social e na economia do país, numa boa mão cheia de situações nos levaram a contactar tais interessados nesta nossa comunidade. Mesmo entre os mais esclarecidos me deparo com frequência com esse tal defeito de observação com a configuração da lente do que previamente pensamos a respeito delas. E só por isso apenas me cruzei pessoalmente com jovens idealistas ou arregimentados e portadores de um discurso mais que de uma vontade de ver e ouvir. Só tive um momento de dificuldade, quando uma jovem, vestida como se fosse uma velha dos campos, me quis convencer que nós temos a honra de representar aquilo que indubitavelmente, o advérbio foi ela que o aplicou, representa um verdadeiro exemplo de sucesso de uma experiência socialista. E para além de ser alegre e sorridentemente tratada por camarada, fiquei a saber que significo o futuro da Humanidade. Mas não é isso que diminui e muito menos inibe de me sentir um macaquinho de zoo e ainda mais perante o atípico antropólogo inglês que decidiu permanecer entre nós, pelo menos, ainda um outro ano mais. Num destes dias pediu que o recebesse e lhe concedesse uma entrevista para falar das minhas impressões a respeito dos primeiros anos desta aventura e as motivações que me levaram a juntar-me aos outros e para combinarmos novas conversas para apresentar os meus pontos de vista acerca da organização e evolução do sistema escolar que aqui instalámos. E não é que esse observador me surpreendeu quando depois de tergiversar em teorizações do que chamou de antropologia marxista, me confessou que tem em mente uma monografia que fará de nós uma espécie de aldeia comunitária dos tempos modernos e, com isso, nos apresentará como uma ilustração do que pode ser uma forma de economia e modo de vida alternativo ao capitalismo e à sociedade capitalista? E não tenho a certeza que ele tenha entendido o que lhe disse sobre a importância da ética num projecto destes. É que esta só pode ser entendida enquanto a consideração do discurso do outro –não porque tenham igual importância, a meu ver- no sentido em que devemos atender às diversas perspectivas que se estabeleçam em torno de um determinado problema. Sem isso jamais seremos capazes de escolher e ter um comportamento ético que é aquele que respeita o semelhante e procura estabelecer pontes que nos possam unir e permitir coexistir em paz e a capacidade de identificar e prosseguir objectivos comuns. A não ser assim, não teremos como obter o auto-consentimento sem o qual uma experiência destas só pode ser imposta e para que tenha sucesso, como a nossa vivência me autoriza a defender, depende da vontade de todos os envolvidos para que seja assim. Mas vamos a ver o que vai sair naquela monografia.

3 comentários:

Amélia Oliveira disse...

Luís Gomes,
Boas Festas n'A Comunidade do Vale da Esperança :)
Boas festas para ti, Luísa&girls.
Sucessos para o Estudo Geral e abraços fraternos&festivos.
Amélia

Luís F. de A. Gomes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luís F. de A. Gomes disse...

Agradeço e retribuo, boa amiga.

Luís