por Miguel Boieiro
Ouvi falar do tupinambo, como tubérculo comestível, há cerca
de quatro décadas. Fiquei curioso, mas nunca tinha surgido a oportunidade de
conhecer esta planta que os meus amigos vegetarianos consideram adequada numa
nutrição saudável.
Até que no verão de 2010, quando visitei a pequena exploração
de agricultura biológica de Miguel Gervásio, perto de Sesimbra, travei
conhecimento com o tal tupinambo ou, como também é conhecido, o girassol-batateiro.
Trouxe alguns tubérculos e enterrei-os descuidadamente no quintal. A verdade é que,
fruto dos demasiados afazeres a que me dedico, nunca mais me lembrei da
plantação. Na primavera seguinte brotaram, de facto, algumas plantas mas não
deram flor e nada fiz. Este ano apareceram, como por encanto, uma dezena de
vistosos girassóis. Esperei que as flores secassem e agora resolvi recolher
alguns tubérculos. Cozi-os em água e uma pitada de sal, como se faz com as
batatas, e apreciei finalmente o manjar. Está aprovado!
O tupinambo, Helianthus
tuberosus, pertence à extensa família botânica das asteráceas ou compostas
e ao género dos heliantos, de que se conhecem para cima de 70 espécies. É muito
semelhante ao girassol, Helianthus annuus.
As suas folhas são igualmente grandes, simples, dentadas, ovais e rugosas,
alternas ou opostas. Os caules atingem facilmente 3 metros de altura. As
inflorescências formam capítulos amarelos dourados e as sementes são aquénios.
As duas plantas distinguem-se exteriormente pelo tamanho das flores, já que os
girassóis possuem-nas em maior dimensão. No resto são aparentemente iguais.
Todavia, se bem que ambas tenham ciclo anual, a maior diferença encontra-se nas
raízes e na forma de reprodução. O tupinambo reproduz-se essencialmente pelos
rebentos que brotam do seu raizame, sendo, por isso, uma espécie perene,
enquanto o girassol nasce, todos os anos, se se deitar a semente à terra.
Ora sendo uma herbácea vivaz, de fácil cultivo, muito
resistente a doenças, não exigindo solos férteis e aguentando-se bem em climas
frios, o tupinambo está, nalguns países, classificado como espécie invasora, a
extirpar por ser atentatória de outras culturas. Erradamente, julgo eu, pois
não se toma em conta o seu assinalável valor alimentício, como a seguir vamos
ver.
Os tubérculos do tupinambo têm constituintes semelhantes aos
da batata, mas possuem sobre esta uma enorme vantagem. A batata é provida de
amido, ao contrário do tupinambo. Ao invés, este possui inulina que é um
polímero da frutose, o qual não influencia a glicémia dos diabéticos. Para além
dos hidratos de carbono de que a inulina é o principal, encontram-se também vitaminas,
em especial a C, a B, a provitamina A e sais minerais, especialmente o
potássio.
Os tubérculos que colhi no meu quintal são pequenos, mas, em
vários tomos sobre botânica que consultei, refere-se que podem atingir 10 cm de
comprimento e 5 cm de grossura. São de configuração nodosa e irregular, fazendo
lembrar, pela forma, o gengibre. A sua cor é branco-amarelada com laivos
avermelhados e purpúreos. Podem ser comidos frescos (crus) ou cozidos como as
batatas, não sendo necessário retirar-lhes a pele. É possível obter deles uma
fermentação alcoólica com fama de ser diurética, tónica e afrodisíaca.
Tanto as folhas como os caules são ricos em matérias
proteicas e, por isso, tornam-se adequados para ensilagens destinadas à
alimentação do gado.
Oliveira Feijão indica “a maceração das folhas em vinho tinto
como calmante e resolutivo e o infuso das flores como febrífugo e anti
oftálmico”.
No século XVII, quando foi trazido da América do Norte, donde
é oriundo, o cultivo do tupinambo passou a ter grande repercussão na Europa,
tornando-se popular como sucedâneo da batata. Contudo, o seu menor rendimento,
o efeito invasivo e as dificuldades de armazenamento acabaram por arrefecer o
entusiasmo inicial dos agricultores. Com efeito, os tubérculos murcham e secam
alguns dias após a colheita o que impossibilita a sua rendível comercialização.
Em contrapartida, podem ficar enterrados no solo sem se degradarem, mesmo em
climas muito frios, desde que não haja excesso de humidade. A solução será
recolhê-los só quando necessitarmos de os consumir.
E pronto! Ficam estas “dicas” para espicaçar a curiosidade
dos leitores e induzi-los à experimentação alimentar de mais um vegetal
esquecido. Em época de guerra (ou de crise aguda) “não se limpam armas”!
5 comentários:
Estes seus textos, Miguel, constituem uma leitura sempre interessante e, no meu caso pessoal, altamente instrutiva. Através dela, tenho aprendido imensos dados e, sobretudo, melhor entendido os equilíbrios em que a Natureza assenta e como os mesmos são fundamentais para as nossas vidas de humanos. Este, não foge à regra.
Apenas uma curiosidade que não ficou resolvida nestas suas palavras e que desde já agradeço se a souber resolver.
Diz que a planta é oriunda da América do Norte, mas eu pergunto se a sua designação, o nome com que é conhecida, tupinambo, tem a mesma origem. Será que a planta, embora oriunda do Norte daquele continente, não nos terá chegado por via dos nossos contactos com as populações do Sul do mesmo? É que o vocábulo tupinambo, especialmente pela sua primeira partícula - tupi - parece ser de origem dessas latitudes mais meridionais, mormente do grupo linguístico composto pelo Tupi Guarani. Sabe dizer-me algo a esse respeito? Seria deveras curioso o nome ser, também ele, oriundo do Norte. Poderia tratar-se de um engraçado enigma antropológico.
onde poço adequirir o tupinambo se souberem contactem me para o meu email faryfrank@gmail.com obrigado.
Wikipedia: Os tupinambos foram cultivados pelos povos ameríndios muito antes da chegada dos europeus. O explorador francês Samuel de Champlain encontrou esta planta semeada em Cap Cod, costa nordeste dos Estados Unidos em 1605. Apesar de ser originária a América do Norte, o nome tupinambo é provenientes dos Tupinambás, povos indígenas que viviam no Brasil. Alguns indivíduos desses povos foram levados a Paris em 1613 na mesma época em que se difundiu o cultivo desta planta na França e logo ao resto da Europa, o que fez que os europeus associassem os indígenas brasileiros à planta de origem norte-americana.
A amiga Aldina apresenta um esclarecimento adequado sobre a origem do termo "tupinambo".
No meu quintal eles já estão bem viçosos. Irei ter uma boa colheita com toda a certeza.
Miguel
Maravilhoso, seu texto. Obrigadas!
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