Presépio virtual
Num mundo onde tudo começa a ser virtual (e eu acredito que, ainda que
ocultamente, virtuoso), onde os próprios cientistas começam a acreditar que o
mundo é hologramático, olho as figurinhas do meu presépio e sinto que por muito
que a ideia de um universo virtual me seja sedutora, adoro saber que as
figurinhas são feitas de barro e que foram moldadas pelas mãos de alguém e que
foram pintadas com um pincel de verdade, assim como gosto de saber que estão
impregnadas das minhas memórias de tantos anos. O Menino Jesus assistiu à minha
adoração e eu senti-me tantas vezes por ele adorada ao adorar. Onde está quem
adora, onde está quem é adorado? Aquele menino é o meu companheiro de infância
nas noites frias e solitárias de Dezembro de uma menina filha única e
sensibilidade à flor da carapaça. Quem precisava mais de quem? Ele de mim ou eu
dele? Ali, semi-despido sobre as palhinhas de verdade, o menino de barro só me
tinha a mim, mas uma réplica dele tinha outros meninas e meninas em outras
casas, ao passo que, pensava eu, outras meninas réplicas de mim, em outras
casas, teriam um menino para adorar? Aquele Menino Jesus, a Barbie possível
nesse tempo, tinha toda a minha atenção, para além de uma mãe e de um pai de
barro e um burro, uma vaca, patos, ovelhas, um galo, um anjo, uma pastora, um
moinho,
um rio, um lago, um cão, três Reis magos, por ordem
totalmente arbitrária. Só não tinha, ao contrário da Barbie, um
guarda-roupa. O seu estilo era mais a fraldinha, e o seu conforto, o bafo do
jumento. Recordo-me de me sentar ao pé dele numa divisão que eu mantinha às
escuras, apenas iluminada pela pequenina vela de cera que ajudava a aquecer o
corpinho de Deus e ali ficava só a olhar. Só pela companhia? Por compaixão? Por
sentimento místico? Não me recordo de alguma vez lhe ter pedido nada. Porque
seria? Por não me ocorrer que tal fosse possível? Por não acreditar que fosse
atendida? Por não acreditar que aquele menino de barro tivesse poder para tal?
Por não precisar de pedir nada? Por estar bem assim como estava, apenas em
adoração na qual eu nem sabia que estava? Eu pastora, anjo e burro, fazia e
ainda hoje me sinto, parte integrante das figuras de presépio, o qual, sem mim,
não está completo. Tal como afirmam os cientistas em relação às partículas:
estas têm um comportamento completamente diferente perante um observador. E se
for um adorador? Como será? Que se passará na caixa do meu presépio com as
figurinhas embrulhadas em folhas de revista no cimo do armário mais alto quando
eu não as observo? Eu penso que reside aí o grande milagre e mistério do Natal
E do Universo.
Risoleta C. Pinto Pedro
3 comentários:
Amiga Riso Cor de Luz
Já tinha visto, mas nunca tinha lido um presépio tão bonito. Muito Obrigado. Decididamente, as expectativas para este ano de um bom Natal são as melhores.
Beijinhos.
Muito grata Luís, pela sensibilidade e pelo acolhimento. Este é um belo sítio para montar um presépio.
Abraços, calor no teu lar.
Parabéns Risoleta por mais este belíssimo texto. Parabéns e obrigado por nos mostrares estes lugares onde nos sentimos bem.
Um beijo e Feliz Natal.
Manuel João
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