HERMENEGILDO
CAPELO
(1841, Palmela – 1917, Lisboa)
ROBERTO IVENS
(1850, São Pedro – 1898,
Dafundo)
“A expedição terá por principal objectivo o estudo do rio
Cuango nas suas relações com o Zaire e com os territórios portugueses da costa
ocidental, assim como toda a região que compreende ao Sul e a sueste as origens
dos rios Zambeze e Cunene, e se prolonga ao Norte, até entrar pelas bacias
hidrográficas do Cuanza e Cuango.”
Estas foram as instruções recebidas com entusiasmo por estes
dois oficiais da Marinha, aos quais se juntou o major Serpa Pinto, todos com
bastante experiência africana, para cumprir aquela que foi a primeira grande
jornada de exploração científica em território africano cujas fronteiras
estavam ainda por definir.
O orgulho patriótico que na altura rodeava este género de
missões está bem patente num pequeno episódio: foi-lhes oferecida uma bandeira
nacional, finamente bordada e que vinha adjectivada, numa carta endereçada por
uma senhora que nunca se quis identificar (supõe-se que tenha sido a própria
rainha D. Amélia), como sendo um “formoso símbolo feito das cores do céu e da
memória de Jesus”, a quem foi dirigida a primeira dedicatória expressa
na narrativa da viagem que publicaram em 1881, reunindo dois volumes, com o
título “DE BENGUELA ÀS TERRAS DE IACA”, obra reeditada em boa hora com a
chancela da Europa-América.
Depois de divergências entre Capelo e Serpa Pinto, a
expedição dividiu-se, rumando este para Sul com o intuito de estudar os rios
Cunene e Zambeze, continuando os outros focados no objectivo inicial: o rio
Cuango. A viagem teve início em Benguela em Novembro de 1877, passando primeiro
por Caconda, onde encontraram o naturalista José de Anchieta, e depois pelo Bié,
onde foram recebidos por Silva Porto que lhes prestou valiosas informações;
prosseguiram para Duque de Bragança, Malanje e, finalmente, Cassanje, onde
obtiveram a preciosa ajuda do ambaquista (*) comerciante Narciso Paschoal. A
partir daí concentraram finalmente a sua atenção na exploração dos territórios
entre o Cuango e o Zaire onde “dificilmente se concebe uma disposição de
terreno em que dois cursos de água, do valor do Cuango e do Congo-Zaire, correm
quase paralelos e em sentidos opostos”, dos seus afluentes e dos povos
que viviam nas suas margens: bangalas, holos, songos, jingas e iacas (seriam
estes os descendentes directos dos jagas?).
A viagem viria a terminar em Outubro de 1879, ao fim de cerca
de 5.500 quilómetros percorridos a pé (!), inevitavelmente polvilhados com
inúmeros incidentes, narrados de uma forma brilhante e que podem ler-se como se
de um livro de aventuras se tratasse: assistimos aos encontros com os nativos
de diferentes etnias e culturas, vivemos os episódios de caça, sofremos com a
fome e a sede, registamos descobertas na fauna e na flora e deslumbramo-nos com
as descrições das paisagens africanas.
Anos mais tarde, entre 1884 e 1885, estes dois exploradores
viriam a completar uma viagem entre as costas de Angola e Moçambique, iniciando
a jornada em Moçâmedes, actual Namibe, e terminando em Quelimane. Dessa iniciativa
publicaram em 1886, também em dois volumes, uma obra com o título “DE ANGOLA À
CONTRACOSTA”, igualmente reeditada pela Europa-América.
Os nomes destes portugueses, entre alguns outros, quase
anónimos, que os precederam, figurarão para sempre ao lado de ilustres
sertanejos como Silva Porto, Livingstone, Furtado, Stanley, Lacerda, Brazza,
Speke, Burton, Serpa Pinto, Baker, Cameron, Schütt, von Mechow, uma plêiade de
homens de coragem que ajudaram a desbravar o portentoso continente africano.
Tomás Lima Coelho
(*) ambaquista
– natural de Ambaca. Nativos que, pelos seus conhecimentos da língua portuguesa
e pela adopção de vestuário, usos e costumes lusos, eram chamados de “brancos”
ou “pretos calçados”.
1 comentário:
Vizinhança, esta tua participação no EG deixa-nos sempre com vontade de partir à descoberta das obras que abordas, colmatando assim o desconhecimento por verdadeiras epopeias da nossa história.
Parabéns e um abraço.
Manuel João
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