sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Livros d'África

Pedro Rosa Mendes 







“Este é um livro sobre coisas simples: a tranquilidade do medo e a vitalidade da morte. Em Junho de 1997 aterrei em Luanda com a intenção de atingir Quelimane por terra. A razão para tal projecto era a mais nobre de todas, ou seja, nenhuma em especial. Estas páginas são o atlas para ler essa travessia: a cartografia afectiva de uma rota cujos locais têm rosto de gente e onde espaço e tempo são as coordenadas que mais mentem.
Avisaram-me todos: a guerra permanecia nessa latitude. Houve baixas entre os companheiros de estrada.
O meu regresso também não estava prometido.”

Depois de ler esta nota introdutória quem pode ficar indiferente? O livro intitula-se “BAÍA DOS TIGRES”, foi publicado pela Editora Dom Quixote em 1999 e é um dos meus livros de cabeceira. O autor, um jornalista português nascido em 1968 em Cernache do Bonjardim, propôs-se imitar os passos dos exploradores Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, voltando a percorrer os caminhos por eles traçados no século XIX, que os levaram de Angola à Contracosta.
O resultado é a descrição de uma viagem preenchida com sensações fortes, onde percorremos paisagens naturais e humanas de uma intensidade cativante. Vamos assistindo horrorizados aos monstros e monstruosidades que a(s) guerra(s) gera(m). Mas vemos também as singularidades do continente africano, coisas pequenas, onde residirá aquele feitiço que agarra e prende a quem o visita:

“O comboio parou num apeadeiro, em pleno deserto, e do nada surgiram vendedores de comida. Uma rapariga anunciou, a toda a carruagem, que queria aliviar, e ajudaram-na a chegar das escadas ao chão, onde se agachou dentro duma capulana colorida. Vista de cima parecia uma ave a proteger-se do vento. Ao descer quase caiu em cima do revisor, que estava bêbedo desde manhã.
- Pode urinar aí. Mas não cai em cima de mim!
O revisor, cambaleando do lado de fora da carruagem agarrado a uma bandeirinha vermelha rota e imunda, escapou por pouco a ser regado por um rapaz que não se deu ao trabalho de sair da composição.
- E você, não urina em cima de mim! Eu lhe proíbo!”

África.

“Lembro-me de chegar à cidade e de o autocarro parar no fim dessa avenida, numa praceta quadrada de casas térreas. O autocarro cheirou a tangerina depois da Humpata. O Namibe cheirava a bolos. Havia uma padaria ao canto da praça.
- Bom dia! São vocês que estão a fazer bolos?
- Somos. Mas hoje não estamos a fazer.”

África.


É uma obra belíssima, simultaneamente dura e leve, pura literatura de viagens, que é pecado não ler.


Tomás Lima Coelho

1 comentário:

Francisco Gomes de Amorim disse...

Li este livro há já uns anos e achei MUITO BOM