“Este é um livro sobre
coisas simples: a tranquilidade do medo e a vitalidade da morte. Em Junho de
1997 aterrei em Luanda com a intenção de atingir Quelimane por terra. A razão
para tal projecto era a mais nobre de todas, ou seja, nenhuma em especial.
Estas páginas são o atlas para ler essa travessia: a cartografia afectiva de
uma rota cujos locais têm rosto de gente e onde espaço e tempo são as
coordenadas que mais mentem.
Avisaram-me todos: a
guerra permanecia nessa latitude. Houve baixas entre os companheiros de
estrada.
O meu regresso também
não estava prometido.”
Depois de ler esta nota
introdutória quem pode ficar indiferente? O livro intitula-se “BAÍA DOS
TIGRES”, foi publicado pela Editora Dom Quixote em 1999 e é um dos meus livros
de cabeceira. O autor, um jornalista português nascido em 1968 em Cernache do
Bonjardim, propôs-se imitar os passos dos exploradores Hermenegildo Capelo e Roberto
Ivens, voltando a percorrer os caminhos por eles traçados no século XIX, que os
levaram de Angola à Contracosta.
O resultado é a
descrição de uma viagem preenchida com sensações fortes, onde percorremos
paisagens naturais e humanas de uma intensidade cativante. Vamos assistindo
horrorizados aos monstros e monstruosidades que a(s) guerra(s) gera(m). Mas
vemos também as singularidades do continente africano, coisas pequenas, onde
residirá aquele feitiço que agarra e prende a quem o visita:
“O comboio parou num
apeadeiro, em pleno deserto, e do nada surgiram vendedores de comida. Uma
rapariga anunciou, a toda a carruagem, que queria aliviar, e ajudaram-na a
chegar das escadas ao chão, onde se agachou dentro duma capulana colorida.
Vista de cima parecia uma ave a proteger-se do vento. Ao descer quase caiu em
cima do revisor, que estava bêbedo desde manhã.
- Pode urinar aí. Mas
não cai em cima de mim!
O revisor, cambaleando
do lado de fora da carruagem agarrado a uma bandeirinha vermelha rota e imunda,
escapou por pouco a ser regado por um rapaz que não se deu ao trabalho de sair
da composição.
- E você, não urina em
cima de mim! Eu lhe proíbo!”
África.
“Lembro-me de chegar à
cidade e de o autocarro parar no fim dessa avenida, numa praceta quadrada de
casas térreas. O autocarro cheirou a tangerina depois da Humpata. O Namibe
cheirava a bolos. Havia uma padaria ao canto da praça.
- Bom dia! São vocês
que estão a fazer bolos?
- Somos. Mas hoje não
estamos a fazer.”
África.
É uma obra belíssima,
simultaneamente dura e leve, pura literatura de viagens, que é pecado não ler.
Tomás Lima Coelho
1 comentário:
Li este livro há já uns anos e achei MUITO BOM
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