domingo, 2 de fevereiro de 2014



Caravela "Boa Esperança"

Caro Zé Paulo, depois deste silêncio demorado cá estou de novo dando notícias. Para além de cumprir com o prometido, é também uma forma de ir organizando o registo destes dias.
Sabe-se lá que utilidade poderão ainda vir a ter no futuro…



“EM BUSCA DA FELICIDADE” – Relato 2


De todo o lado se ouve o mar no seu movimento perpétuo. 
Talvez por isso, Lagos se me apresente como uma nau de velas desfraldadas sempre pronta a partir.
É uma cidade azul. 
Azul que se repercute pelo branco da cal. 
Identifico-lhe um aroma de exóticas especiarias cruzando-se com o cheiro a limão tão caracteristicamente nosso, mediterrânico.
A cidade é fértil em arte pública. 
Tem muitas esculturas. 
Umas mais modernas, outras mais clássicas. 
Dentro das clássicas gosto particularmente de duas: a do Infante Dom Henrique, o Navegador e a do seu aio, Gil Eanes. 
São duas figuras cimeiras na grande aventura que os Descobrimentos portugueses constituíram. O primeiro como pensador e comandante, o segundo pelo papel decisivo que desempenhou na desmistificação de um dos grandes mitos da altura, o do gigante Adamastor. 
Ao conseguir dobrar o terrífico cabo Bojador que, por via disso, foi rebaptizado como da Boa Esperança. 
Esperança que como sabemos se veio a concretizar em muita glória e riqueza para o Reino com a chegada de Vasco da Gama à Índia. 
Desde essa era gloriosa que o espírito de partida e descoberta ficou gravado no ADN da cidade. Porque daqui é natural Gil Eanes, aqui se fixou o Infante e daqui partiram dezenas de naus que ajudaram a tornar possível a empresa. 
À época os medos eram muitos e, por isso, o Infante se preparou com denodo para os vencer recorrendo ao estudo das ciências mais adequadas na época: a cosmografia e a astrologia.
Essa aquisição permitiu-me registar um outro ponto do manifesto, o 11º:

11. – NÃO FORÇAR OS AMIGOS E/OU COLABORADORES A CONFRONTAREM-SE COM OS SEUS MEDOS ANTES DE PARA ISSO SE SENTIREM PREPARADOS.

¤ ¤ ¤

Agora ando a vender livros. 
Não só em Lagos, antes um pouco por todo o Algarve. 
Voltei à escola, não como aluno ou professor mas como vendedor de livros. 
Não senti constrangimentos e a experiência está até a ser bastante agradável, para além de me estar a render alguns proveitos.

Passei uns dias em casa do Pedro e do Mário que como já suspeitara são namorados. 
Confesso que nunca antes tivera convívio tão próximo com homossexuais e receava que a proximidade provocasse algum desconforto mútuo. 
Nada mais errado. 
O convívio revelou-se gratificante e enriquecedor. 
O Pedro e o Mário mostraram-me uma forma de companheirismo exemplar. 
Sempre atentos e cúmplices, partilhando a vida nas suas várias vertentes, respeitando a independência e individualidade de cada um e mesmo a ternura, que manifestavam como sempre é normal (ou devia ser) entre pessoas que se amam, fluía naturalmente e sem exageros que por vezes criam constrangimentos. 
Para além disso, permitiram-me usufruto total da sua casa tudo fazendo para que me sentisse na minha própria. 
Bem, a verdade é que nos tornámos Amigos.
Estive em casa deles quase duas semanas. 
Eles saíam de manhã para o trabalho (o Pedro é professor e o Mário trabalha numa empresa ligada ao turismo), deixando sempre comida no frigorífico para que me servisse à vontade. Deram-me uma chave do apartamento para que eu pudesse entrar e sair sempre que me apetecesse. 
Ao fim da tarde encontrávamo-nos num café, o “Carta de Marear”, que funciona como uma espécie de tertúlia. 
De professores, artistas, alguns alunos mais velhos, funcionários com ocupações várias, alguns empregados do porto e mesmo alguns pescadores. 
O ambiente é sempre animado e as conversas, para além da galhofa, são normalmente interessantes. 
Há vários casais, outros namoram e os restantes convivem, é giro.
No outro dia, combinaram uma noite de convívio em casa do Tó Zé e da Mariana (estas noites de convívio pelo que percebi são regulares), a que chamam “Noites do Bardo: Música, Poesia e Criatividade”. 
Cada um leva algo de comer e/ou beber e, depois, tocam, dizem poesia (própria ou alheia), representam pequenas coreografias, … enfim cada um faz o que lhe apetecer mas o enfoque são as artes. 
Vou participar na próxima. 
Estou curioso e entusiasmado até porque… Bem, a Carina é uma miúda muito interessante e bonita. 
Confesso sentir alguma atracção por ela e outro dia surpreendi-lhe um olhar onde me pareceu encontrar alguma reciprocidade. 
O que sempre mais me fascinou nas mulheres, antes mesmo da suposta beleza física, é a sua “cabeça”, a forma como pensam e o interesse que isso desperta em mim. 
A Carina desperta-me enorme interesse e várias vezes dou por mim a pensar nela, talvez esteja a ficar apaixonado.
A carta já vai longa. 
Na próxima te contarei do meu novo trabalho, do meu jovem patrão livreiro e da tal “Noite do Bardo”. 
Já agora, se quiseres dar notícias tuas (coisa que gostaria), podes enviá-las para a seguinte morada (indica uma morada que para aqui não interessa mas que é da Praia da Luz ali mesmo ao lado de Lagos).

Um abraço, vou continuar a navegar (fico a aguardar as tuas notícias).
Miguel Torgal 

Praia da Arrifana
Imagens retiradas da internet

Manuel João Croca

2 comentários:

A.Tapadinhas disse...

Como andas por todo o Algarve, quando passares por Portimão, diz-me porque talvez nos possamos encontrar e, quem sabe, comer uma refeição diferente na Pizzaria Smile, a melhor pizza da região, com pinturas a condizer com a excelência do repasto...

Não é por ser a pizzaria da minha filha e os quadros de minha autoria, que eu os qualifico de excelentes... Nem pensar! Completa isenção de julgamento!

Abraço,
António

MJC disse...

António, se conseguir estabelecer contacto com o Miguel não vou deixar de lha dar a dica.
Essa Pizzaria Smile apetece.

Abraço.

Manuel João