sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Livros d'África



ORLANDO DE ALBUQUERQUE  (1925, Maputo – 1997, Braga) 

A melhor maneira de falar deste escritor, médico de profissão, nascido em Moçambique mas vivendo grande parte da sua vida em Angola, depois de se ter casado em Portugal com a poetisa angolana Alda Lara, é deixar-vos uma pequena crónica de sua autoria, incluída em jeito de Prefácio no livro “A CASA DO TEMPO”, um escrito de 1964 e republicado em 1995 pela APPACDM de Braga para quem revertem todos os direitos e receitas das suas obras, o que ilustra bem sobre o seu espírito solidário e defensor de causas. Cá vai ela:


A CASA DO TEMPO

Perguntaram-me porque intitulei, genericamente, estas minhas crónicas “A Casa do Tempo”, sendo elas tão pouco temporais. Parecerá estranho, mas a razão é bem simples e não tem metafísica alguma.

Quando aqui cheguei (*), passei por um edifício de construção diferente, destoando de todos os prédios em redor. Interroguei o motorista que me conduzia e ele, pura e poeticamente, respondeu-me na sua simplicidade:
- É a Casa do Tempo!...

Vim depois a saber que se tratava de um observatório metereológico. Achei bela esta designação, duma beleza que os homens de gabinete não são capazes de descobrir e que só os poetas vêm nos olhos das crianças e na boca dos motoristas de camião. Que mundo de poesia e de simbolismo encerra esta designação!... Nem toda uma descrição minuciosa, com alfas e ómegas, seria capaz de nos dar o mistério imaterial da realidade desses objectos frios e mecânicos.

Os poetas modernos descobriram poesia na frieza das máquinas. Mas a sua poesia é uma poesia geométrica, na rigidez sincronizada do aço. Brilhante e fria.

O motorista mestiço, que de máquinas mal conhece o seu camião e de letras pouco vai além do mastigar do jornal, foi mais poeta do que todos os poetas… Há mais poesia na sua designação, que em todo um livro de poemas. Há poesia e há sonho. Há simbolismo e há realidade. Uma realidade que transcende a própria realidade do palpável, para se evolar no sonho da própria poesia, que é a vida.

Foi por isto que eu escolhi esta designação para as minhas despretensiosas crónicas. Não que pretenda para elas tudo aquilo que o sonho encerra, mas apenas uma homenagem à POESIA da VIDA.


(*) O autor refere-se ao Dundo, povoação capital da Diamang na Lunda Norte.


Tomás Lima Coelho


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