(a propósito das Comemorações de "Alhos Vedros, 500 anos de Foral")
por Luís Santos
Supostamente, podemos então
imaginar D. João I no Palácio situado no Cais Velho da vila de Alhos Vedros,
pertença de seu filho bastardo D. Afonso que o acompanhava, recebendo os
infantes e conversando sobre a possibilidade de, para o bem e para o mal, se ir
guerrear a Ceuta. Nas traseiras daquele que é hoje designado pelo Palacete dos
Condes de Sampaio haveria um alpendre que protegia daquele intenso sol do mês
de Julho e contíguo ao qual se estendia um belo jardim. Amante que o rei era
dos cavalos, da caça, da música, da dança, das lutas corpo a corpo, do jogo da
pela e do xadrez, apesar do luto, pode-se imaginar como se ia gastando o
tempo ali naquele nobre lugar. Deixou-nos de sua autoria o “Livro de Montaria”.
Embora documentalmente não se possa sustentar
que a estadia de D. João I tenha ocorrido com certeza absoluta naquele lugar do
Cais, em alternativa, aparece-nos o Palácio da Graça, situado perto daquele que
hoje é chamado de Largo da Graça, mesmo ao lado da Quinta da Graça, e que em
meados do século passado ainda estaria habitável, mas do qual, hoje, só existem
ténues vestígios, o que o torna, desde logo, um sítio de grande valor
arqueológico para a história local, pois que pode acrescentar algumas
informações importantes aos conhecimentos que hoje temos sobre a região.
Este foi sem dúvida um período
áureo da história de Alhos Vedros. Entre outros atributos, sabe-se que a
dimensão do território era apreciável estendendo-se entre os limites da Aldeia
Galega (Montijo), Palmela e Coina; o número de habitantes era muito
significativo para a época, falando-se em “oitocentos e tantos moradores”(*),
onde constavam alguns senhores da alta nobreza em suas casas apalaçadas; tinha
direito de voto nos destinos do país quando se reuniam as “Cortes”; tinha duas
Igrejas, várias ermidas e dois conventos; uma crescente atividade económica que
se foi desenvolvendo desde os inícios da nação, onde, relembre-se, pontifica
uma importante indústria naval, uma abundante produção agro-pecuária, muito
sal, lenha e pedra da Arrábida, num período onde a navegabilidade do estuário
do Tejo e a proximidade com Lisboa eram elementos cruciais de produção de
riqueza.
E talvez tenha sido este também o
seu período de maior apogeu, porque a epidemia da peste negra que grassou por todo
o continente europeu, e que dizimou cerca de dois terços da sua população
total, também atingiu o nosso país e a nossa vila. É sabido que trezentos anos
depois Alhos Vedros contava só com aproximadamente um quarto da população que
teve neste período. Com a peste, entre a gente mais ilustre, foi não só a
Rainha Filipa de Lencastre, como parece que também havia de ir uns bons anos depois o seu filho D. Duarte.
Eis algumas curiosidades interessantes à época sobre os descendentes de D. João I e que, de alguma forma, também se ligam à história de Alhos Vedros:
- D. João I, morre em 1433, com 76
anos, um período razoavelmente longo de vida para a época.
- D. Duarte I, sucede ao pai como
rei de Portugal e continua a expansão do território, por terra e por mar. No
seu tempo conquistam-se várias cidades importantes no norte de África
(Marrocos), tal como é no seu tempo que se dobra o Cabo Bojador (1434), na
costa ocidental africana, lugar mítico de então que se abria para um mundo
marítimo desconhecido.
- O Infante D. Henrique, nomeado
Grão-Mestre da Ordem de Cristo em 1420, instala-se em Sagres onde cria uma
Escola Náutica e passa a liderar o projeto da Expansão Ultramarina Portuguesa.
A ele se atribui também uma cátedra de Astronomia na Universidade de Coimbra,
fundada por D. Dinis. Para lá do Cabo Bojador chega-se ao Senegal, Cabo Verde,
Guiné, ultrapassando os limites do deserto do Saara e abrindo portas para toda
a África Meridional. “Em 1452 a chegada de ouro era em suficiente quantidade para que se
cunhassem os primeiros cruzados nesse metal.”(**) Morre em 1460, deixando explorada a
costa africana até à Serra Leoa.
- D. Afonso, Conde de Barcelos, embora filho
ilegítimo de D. João I, torna-se o tio mais próximo de Afonso V quando este
sucede a seu pai D. Duarte como rei de Portugal, que o nomeia Duque de
Bragança, na altura uma das casas mais ricas de Portugal e da Europa.
- Por fim, D. João II, filho de Afonso V e
bisneto de D. João I, continua o tremendo e arrojado projeto da exploração
atlântica, dando prioridade à descoberta de um caminho marítimo para a Índia.
Foi ele quem negociou com os reis católicos que criaram Espanha, o Tratado de
Tordesilhas, em 1494, que dividia o mundo em dois hemisférios, separados
justamente pelo meridiano de Tordesilhas, onde se acordou que as terras a
ocidente desse meridiano seriam exploradas pelos espanhóis e a oriente pelos
portugueses, as duas maiores potências náuticas da época. Morreu em 1495, sem
deixar filhos legítimos.
(*)ALVES, P. Carlos Póvoa,
Subsídios para a História de Alhos Vedros, ed. do autor, 1992 (1ª edição),
p.18.
(**)Wikipédia Livre, Infante D.
Henrique, 22/2/2014
Imagem: Cruz de Cristo, símbolo que identificou, dentre outros, as naus
portuguesas durante os descobrimentos.
10 comentários:
Luís Carlos, parabéns!
Que belo 'artigo' aqui tens, pelas 'abordagens' que fazes!
Será que não irá despoletar a curiosidade e as consciências de quem de direito?!
Oxalá não caia em saco roto...
Aguardemos para constatar.
Prossegue, sem perderes a coragem.
Um grande abraço.
Francisco Noronha
É sempre muito belo e comovente sentir nos espaços que conhecemos o perfume da história, ainda que por vezes a história tenha sido dura. Mas é a nossa história. Um abraço Luís, parabéns.
E assim, como quem não quer a coisa, vamos acedendo a conhecimentos que importam e nos importam.
Venha o próximo.
Abraço.
Manuel João Croca
Que belos passeios nos proporcionam estes artigos - por sítios que julgamos conhecer tão bem, mas cuja história tantas vezes desconhecemos. Muito interessante - e que continuem as viagens.
Obrigado Francisco. Parabéns para ti também. O nosso trabalho há-de dar os seus frutos. Não sei se serão os devidos, mas pelo menos um maior conhecimento dos pormenores da nossa história não será mais o mesmo e estará à disposição dos interessados. Estou convicto que muitas coisas irão nascer destas nossos pequenos estudos. Vejo neles uma porta aberta para o infinito, para a eternidade.
Aquele Abraço.
Risoleta, que bom teres aparecido. Já o textinho arranjou uma bela razão de ser. É verdade a nossa história faz-se, muitas vezes, para o bem e para o mal. Saibamos peneirá-la.
Beijinhos, beijinhos.
Viva amigo Manuel João. Estamos em ano de comemorações, não é. Por agora, vejo tudo tão murcho à nossa volta que não podemos deixar morrer a festa. Mandamos foguetes e corremos a apanhar as canas. Como se vê, há muito por onde comemorar. E mais que não seja, dá-nos o passado motivos para festejar aqui e agora, futuro fora.
Aquele Abraço.
Amélia Oliveira, obrigado pelo interesse e ainda bem que dá para passear. Assim, vou ganhando razões para olhar para as coisas de forma menos distraída, sem tempo. Aquele Abraço.
Creio que nessa época ainda não havia a Universidade de Coimbra mas sim os Estudos Gerais em Lisboa. Só no reinado de D.João III eles teriam ido para Coimbra.
Estarei enganado?
Miguel Boieiro
A Universidade Portuguesa, foi criada por D. Dinis em Lisboa, em 1290, mas acabou por ser transferida por Ele para Coimbra em 1308.
Ao longo do tempo a Universidade andou várias vezes entre as duas cidades e fixou-se definitivamente em Coimbra no reinado de D. João III, em 1537.
E Abraço.
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