segunda-feira, 31 de março de 2014

REAL... IRREAL... SURREAL... (73)

Siderurgia, Autor António Tapadinhas, 2000
                     Óleo sobre Tela, 73x92cm
Na procura de temas para as minhas pinturas, a cidade do Barreiro tem sido uma das minhas favoritas, não só, por ser a cidade mais próxima da minha casa, mas também, por ser uma cidade de contrastes e, por isso mesmo, muito interessante.
Foi o principal eixo da ligação Norte-sul, por causa do Caminho-de-ferro e da travessia entre as duas margens do Tejo. Foi um importante centro corticeiro. A indústria química, cujo expoente máximo foi a CUF – Companhia União Fabril, onde chegaram a trabalhar mais de 8.000 operários, era a maior do País.
Em frente, no Seixal, separadas pelas águas do Tejo, florescia a Siderurgia Nacional.
Estes pólos de desenvolvimento, apresentados como um alicerce da economia, foram ultrapassado pela dinâmica do sistema, deixando feridas ambientais que só agora começam a ser tratadas.
Quando fui convidado pela câmara Municipal do Barreiro para fazer uma exposição, decidi apresentar o contraste entre a visão objectiva (?) da máquina fotográfica e a visão subjectiva (!) do pintor.

Na próxima semana apresentarei uma visão menos poética da mesma paisagem.


António Tapadinhas

domingo, 30 de março de 2014

                                                                                        (12 - 2014)
O PANO E O TALHE
Há semblantes fechados onde são as aproximações possíveis.
Nos desígnios por revelar, nos movimentos a evoluir, nos caminhos a percorrer.
Já não nos sorrisos mercantis de máscaras.
Não nas falas e risos transitórios, resquícios de despedidas não anunciadas.
Nuns, o perceptível resguardo, invoca a intacta possibilidade de construções no fluxo que ateia a brasa da fogueira colectiva e plural.
Noutros, a ínvia desistência de aceder ao alçado do edifício do querer, sela as portas do poder ser.
 
Na in-sinceridade da ocultação do desmoronamento, a negação da possibilidade da construção. 
 
A camisa é branca e, sobre o pano crú, exercita-se o desenho em riscado de alfaiate.
À frente do pano é que se talha o fato.

Manuel João Croca

Pintura de Luís Delgado



sábado, 29 de março de 2014

Pedro Du Bois - 2 poemas


UNIÃO

Unidos
em pontos
extremados: desatinos
                     alteram destinos

retornam
das buscas
dos tesouros
e se dependuram
nas paredes

perdem seus espíritos
na inquietude da viagem: malas
desfeitas bilhetes devolvidos
raivas enclausuradas em permissões.

                Extremos aproximam
                sinas em ensinamentos.

(Pedro Du Bois, inédito)



HORAS

Carrego no pulso o relógio que me aprisiona
em horas determinadas. Na programação
esqueço a paisagem: o espaço exterior
enfada a liberdade na determinação
do tempo em ponteiros de engrenagens.
Conduzo a hora despercebida.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 27 de março de 2014

QUINTA BRAAMCAMP - Mexilhoeira, Barreiro, por Fernanda Gil




Sob o reinado de D. Maria I, diversas fábricas do Estado foram entregues à administração ou à propriedade de particulares. De entre elas, algumas das mais importantes. Assim, no relatório das fábricas datado de 1788, somos informados terem sido entregues à iniciativa privada, entre outras, fábricas como a do vidro, em Coina e a importantíssima fábrica têxtil de Portalegre.

De referir, que uma lei datada de 1785, proibiu as manufacturas têxteis no Brasil, à excepção do pano de algodão barato usado pelos escravos e para sacas. Deste modo, a maior parte da produção artesanal portuguesa seguia directamente para o Brasil. A crescente necessidade de panos nessa colónia, a par da limitação à importação de panos e outros artigos, impostas através de medidas decretadas durante o consulado de Pombal, visando o incremento da indústria portuguesa, irão contribuir para o desenvolvimento e consequente importância das fábricas de têxteis nacionais. A primeira de entre elas, será a de Portalegre, a qual virá a ter três vezes mais trabalhadores produzindo para a sua unidade industrial, em teares domésticos espalhados pela região, caso de Estremoz, que nas suas instalações, em 1779, para um total de 1348 operários, só 370 laboravam dentro dos seus portões.

O privilégio da exploração desta fábrica, será concedido por carta régia datada de 29 de Março de 1788, pelo período de doze anos, a Geraldo Venceslau Braamcamp de Almeida Castelo Branco e a Anselmo José da Cruz Sobral, e extensivo a seus herdeiros, conforme carta de privilégio que refere ainda: « (...) que em consideração às muitas vantagens que resultarão ao bem comum deste Reino e particularmente aos povos da província do Além Tejo, no adiantamento da Industria, aumento e perfeição das Fábricas de Lanifícios: É Sua Majestade servida declarar, que sempre que nestes importantes objectos e por efeito das diligências, aplicações e despesas deles interessados Anselmo José da Cruz Sobral e Geraldo Venceslau Braamcamp de Almeida Castelo Branco se verifique e desempenhe a confiança que faz do seu zelo e préstimo, os atenderá e remunerará por tais serviços, como feitos à Coroa e conforme a Sua Real Grandeza (...)».

Acresce dizer, que Geraldo Venceslau Braamcamp foi o primeiro proprietário da quinta situada no Mexilhoeiro, no Barreiro, onde hoje se encontra uma unidade corticeira. A quinta do Braamcamp tornou-se em vida do seu proprietário uma importante granja de criação de bichos-da-seda, produção destinada à indústria têxtil.
Geraldo Braamcamp nasceu em 28.10.1752 e morreu em 6.6.1828. Abastado comerciante, recebeu o título de 1º barão de Sobral em 1813. Essa nobilitação ficou a dever-se e inscreve-se nos novos ventos que a partir de Pombal, vinham marcando a vida portuguesa. O Comércio havia sido declarado profissão nobre e os comerciantes autorizados a constituir morgados com os seus bens, privilégio que até então se considerava exclusivo da nobreza.

Quanto a Anselmo José da Cruz Sobral, falecido em 1802, era sogro de Venceslau Braamcamp. Abastado comerciante e capitalista de Lisboa, entre outras actividades constaram as de provedor da Junta de Comércio, co-arrematador do contracto dos Tabacos e financiador da construção do Teatro Real de S. Carlos. Protegido pelo Marquês de Pombal e acarinhado pelos governos de D. Maria I, teve papel de relevo na sociedade capitalista do seu tempo, ficando como um dos melhores exemplos da nobreza de dinheiro dos finais do século XVIII. Iniciado maçon em Loja e data desconhecidas, teve contactos com maçons além-fronteiras.

À morte de Geraldo Venceslau Braamcamp, passou a quinta para a posse do seu filho segundo, Anselmo José Braamcamp, que a alienou em 1837 (...)
O Moinho de Maré do Braamcamp foi edificado no séc. XVIII nos terrenos da Quinta Braamcamp, possuía 10 pares de mós. A partir de 1897 instalou-se no edifício a Sociedade Nacional de Cortiças. 

Fonte: http://www.artbarreiro.com/news/quint... e outras

Música: Loreena McKennitt, "Caravanserai"


D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA
 
3ª Série (13)
 
PINTURA
 
António Tapadinhas
 
 
 
MOINHOS DE ALBURRICA,
Autor António Tapadinhas, 1998
Óleo sobre tela 75x90cm


Barreiro, a vila operária, agora cidade sem operários, no seu período áureo, tinha uma unidade industrial que, só ela, empregava mais de 10.000 trabalhadores. Conhecida em Portugal pelas suas lutas reivindicativas, esta vila tornou-se um símbolo da oposição contra a ditadura, mas também num símbolo da poluição industrial, bem visível nos fumos verdes e alaranjados que as chaminés lançavam na atmosfera.
Actualmente, as normas ambientais são mais exigentes, mas os problemas continuam. 
Para além do moinho de maré que existe na caldeira, os moinhos de vento de Alburrica, devido ao seu enquadramento paisagístico privilegiado, até como símbolo do crescimento social e económico, tornaram-se o ex-líbris da cidade do Barreiro. Apesar da sua reconhecida importância histórica, por causa das modificações ambientais no estuário do Tejo, ou da ondulação provocada pelos catamarãs, ou pelo conjunto destes dois factores, pois como se sabe, um mal nunca vem só, se não forem tomadas medidas para evitar o ataque aos seus alicerces, estes três moinhos estão em risco de ruir, principalmente o Moinho Grande, único no país, segundo alguns historiadores.
Esta tela foi feita a partir duma fotografia que eu próprio tirei. Como habitualmente acontece, não dispensei duas sessões no local, para tirar algumas dúvidas que se mantinham.
No dia em que estive a dar os retoques finais, já com a tela montada no cavalete, um senhor de certa idade fez um comentário assaz elogioso sobre a pintura. Quando me voltei para agradecer as amáveis palavras, comecei assim:
- Olá tio, como está?
O senhor era o meu tio Pedro, que tinha aproveitado a baixa-mar para apanhar umas minhocas e casulos para a pescaria que tinha planeado para essa noite.
Confesso que já não me lembro se fui eu o seu companheiro de pesca!
António Tapadinhas
 
António Tapadinhas, artista multifacetado, nascido no Pinhal Novo, em 1942, já foi distinguido com diversos galardões, em áreas tão diferentes como Pintura, Desenho, Artes Gráficas, Literatura, Xadrez, Bilhar… Tem o Título e Diploma de Académico Correspondente da Academia Metropolitana de Letras, Artes e Ciências, AMLAC, de São Paulo, Brasil.
Na pintura, as suas obras têm em comum um audacioso cromatismo, vivo e dinâmico, pleno de exuberância, um hino à alegria de viver.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Vidas Lusófonas


O rigor histórico não está condenado à prosa de notário, 
é possível conviver com as figuras do passado.
Saber o que foi, pode ajudar-nos a talhar o que será. 

plantado em 
vê o antifascista
desviar um avião da TAP só para lançar
folhetos contra o Salazar
sobre Lisboa e outras cidades.
  
Naquela casa, onde já moram 166,
tudo está a acontecer, cada vida / cada conto.
Por isso já recebeu mais de 28 milhões de visitas.

terça-feira, 25 de março de 2014

O TERRAMOTO


Subtítulo: Lisboa – 26 de janeiro de 1531
(Ainda por publicar)

SINOPSE

     Reinava Sua Alteza, Dom João, o Terceiro.
     Um infausto inverno assolava Portugal: chuvas diluvianas arrasavam culturas, acarretando fome e miséria. A Peste ceifava vidas em Lisboa.
     A Família Real desocupou o Paço da Ribeira, instalando-se em Xabregas. Depois, transferiu-se para o Paço de Santos. Com o recrudescer da epidemia, a Real Família partiu de Santos para o Barreiro e Lavradio.
     Escoltado por Nobres e homens d’armas, el-Rei seguiu do Barreiro para o Paço Real de Almeirim.
     Vozearia na lezíria, em animada montaria.
     Estremecimentos periódicos abalavam Lisboa e o Vale do Tejo, sentidos em Vila Franca, Azambuja, Castanheira, Santarém…
     El-Rei rumara a Benavente.
     Violento abalo telúrico ocorreu a 26 de janeiro de 1531, atingindo duramente o Paço Benaventense. D. João III e D. António de Ataíde, sob a proteção de dez homens d’armas, iniciaram a jornada para Alcochete.
     A Peste grassava em Lisboa.
     Incriminavam-se os judeus pelas catástrofes que assolavam o Reino.
     Da Vila de Alcochete, o Rei e o séquito rumaram a Azeitão. Pelo caminho, afrontaram temerosa borrasca, que os forçou a uma alteração dos planos. Encaminharam-se para Alhos Vedros.
     No terreiro do cais alhosvedrense, em dia de mercado, disfarçados de serviçais, o Rei e o Nobre deambularam por entre a turba e as tendas, visitaram o estaleiro de mestre Gonçalo e aí merendaram.
     No dia seguinte, Josué, um serviçal da Casa dos Bragança, revelou a mestre Gonçalo a verdadeira identidade dos visitantes da véspera.
     Rei, Nobre e militares haviam abalado de Alhos Vedros, passado por Coina, seguido para Azeitão, onde pernoitaram, e dali haviam partido para Palmela.
     Em fevereiro de 1531, lavrava o pânico em Santarém. Diante da igreja de São João, um frade dominicano vociferava, acicatando a turba aturdida.
     Uma discreta criatura abanava a cabeça, incrédula, enquanto observava a multidão embravecida. Quem seria tal criatura?
     Imenso Clero rumou ao convento de São Francisco, em Santarém.
     No dia 25 de fevereiro de 1531, achando-se em Palmela, o Rei recebeu um mensageiro proveniente de Santarém, portador de uma missiva.
     Portugal, Terra de Santa Maria, implorava o amparo Divino, face à barbárie e à ignomínia!

Francisco José Noronha dos Santos


segunda-feira, 24 de março de 2014

REAL... IRREAL... SURREAL... (72)


Falésia, Autor António Tapadinhas, 1996
Óleo sobre Tela, 38x46cm
Lindas de morrer!

Há cinco anos, uma derrocada na falésia da Praia Maria Luísa, em Albufeira, provocou a morte de cinco pessoas, quatro da mesma família, que se encontravam de férias no local. 
No dia seguinte, por todo o litoral português, famílias inteiras continuaram a arriscar a vida, debaixo de falésias consideradas perigosas, sem respeito pelas placas que avisam, em quatro línguas, do perigo de permanecer próximo das zonas assinaladas.
A praia onde aconteceu o acidente, já tem a bandeira azul hasteada por ter deixado de ser perigosa, depois de ter sido demolida a parte que sobrou da rocha...
Este quadro mostra as falésias da costa algarvia, com todos os contrastes, que as tornam um motivo apetecido por todos os pintores. As cores utilizadas têm uma textura que procura transmitir a beleza que, com os raios de sol a incidir sobre elas, são de cortar a respiração… 
Como disse, lindas de morrer!

domingo, 23 de março de 2014

                   (11 - 2014)
 
 
A tentativa de obstar à “suburbização” da vida social em Alhos Vedros tem desde sempre estado no centro das preocupações e da actividade da Cacav. Importa criar dinâmicas de aproximação e convívio onde se possa iludir o distanciamento tão característico da cultura dos subúrbios.
Nesse sentido, tem a Cacav (e o movimento associativo de uma maneira geral) procurado, através de uma grande variedade de iniciativas, chegar a cada vez mais pessoas abordando as mais dispares problemáticas nos mais variados registos.
O cinema, de que não existe nenhuma sala de projecção comercial activa no nosso concelho, tem merecido alguma atenção tendo já sido projectados na Escola Aberta Agostinho da Silva/Casa Amarela inúmeros filmes.
 
Inicialmente integrados na rúbrica “Filmes das Nossas Vidas”, depois na realização de um Ciclo de Cinema em que sob o lema “NÓS E O OUTRO”, foram projectados filmes como “Welcome” de Philippe Lioret, “Os Respigadores e a Respigadora” de Agnes Varda, “Caramel” de Nadine Labaki, “Persepolis” de Marjane Satrapi, “Lola” de Brilhante Mendoza, “The Wave” de Dennis Gansel ou as curtas-metragens “Rafa” de João Salaviza, “Visions of Europe – Invisible State” de Aisling Walsh e “Prologue” de Béla Tarr.
 
Actualmente está em funcionamento uma rubrica a que chamamos de “Filmes que nos marcaram” em que são convidadas pessoas a virem connosco partilhar um filme que considerem importante nas suas vidas de modo a que, depois do visionamento, possamos trocar algumas ideias sobre o mesmo.
Pode ser agora a tua vez. Queres escolher um filme e vir partilhá-lo connosco?

Brevemente iremos ter o “Amadeus” de Milos Forman numa escolha de Diogo Correia, fiquemos atentos à sua divulgação.
 


sábado, 22 de março de 2014

Serpentina


por Miguel Boieiro

Felicito vivamente Teresa Perdigão pelo seu excelente livro “Serpentina – Uma Tradição de Raiz”. Igualmente parabenizo a Junta de Freguesia de Ribeira Chã (Ilha de São Miguel, Açores) pela edição da obra e pelo seu labor na defesa e divulgação das tradições e, em especial, da gastronomia popular da região.

Humildemente confesso que a planta que a seguir irei discorrer, jamais afluiu à minha mente no âmbito das pesquisas que venho efetuando, mormente no tocante à fitoterapia e às espécies silvestres comestíveis. Foi a antropóloga Teresa Perdigão quem um dia despertou a minha atenção para a farinha de serpentina e mais tarde consolidou o meu interesse quando me ofereceu o seu livro.

Pasme-se porque a farinha de serpentina vem de uma planta toda ela venenosa e nunca me passou pela ideia que tivesse algum préstimo. Mais uma vez opino convictamente que todas as plantas são úteis, só que algumas foram esquecidas e noutras ainda não se determinou a sua utilidade.

Ora, com a devida vénia, vou então abordar a Arum italicum, planta perene, julga-se que oriunda da região mediterrânica, conhecida popularmente por jarro dos campos. Pertence à família botânica das aráceas que engloba mais de cem géneros e três mil espécies, quase todas ornamentais pela beleza das suas grandes e lustrosas folhas e originalidade dos apêndices florais. Com fins alimentares são mais conhecidos o inhame, Colocasia esculenta (tubérculo) e, residualmente, a costela-de-adão, Monstera deliciosa (fruto).

Convém desde já explicitar que no respeitante aos jarros, ou seja, ao género Arum, a “Flora Portuguesa” de Gonçalo Sampaio aponta apenas duas espécies espontâneas em Portugal: o Arum maculatum e o Arum italicum. Proveniente de África naturalizou-se também no nosso País, como flor ornamental, o Zantedeschia aethiopica, conhecido por “jarro-de-jardim” ou, mais identificadamente por “copo-de-leite”, como é conhecido no Brasil.

Todos estes jarros são parecidos e todos eles são tóxicos, principalmente as bagas que constituem os frutos. Os dois primeiros aparecem nos campos em zonas húmidas e pouco se distinguem um do outro. Lembro-me de que em tempos da minha meninice, quando faltava a comida para os animais, se colhiam as folhas dos jarros que, após cozidas, se davam aos porcos. Estas plantas possuem um sistema de polinização muito sofisticado. A inflorescência é composta por um espadice branco ou esverdeado que protege a verdadeira flor. No interior do espadice surge um atraente espigão amarelo que tem na base flores femininas e mais acima flores masculinas separadas por um conjunto de filamentos. Quando as flores femininas estão recetivas, a temperatura aumenta e é exalado mau cheiro que atrai insetos (moscos). Estes entram à procura do “pitéu” e ficam aprisionados durante 24 horas, enchendo-se de pólen. Passado esse tempo, os filamentos murcham e os moscos podem então sair para fertilizar outra planta. Para resultar, a polinização tem que ser cruzada, isto é, embora a planta agregue os dois sexos, eles não se fertilizam na mesma unidade. A fim de que tudo dê certo, as flores masculinas e femininas produzem os seus pólenes em espaços e tempos diferentes.

Centremo-nos no italicum, embora me pareça que o rizoma do maculatum pode ter também idêntico aproveitamento para se elaborar a tal farinha de serpentina. Um dia hei-de experimentar!

Diz Teresa Perdigão que a serpentina é colhida quando a “vela” (espigão) desponta, por volta do mês de março. Arranca-se a raiz, formado por socas que, depois de limpas das raízes pequenas, são lavadas. Logo após são cozidas com água e sal a que, por vezes, se adiciona uma erva aromática (funcho, por exemplo). Escorrida a água da cozedura pode-se comer, uma vez que a toxina (oxalato de cálcio) fica eliminada. Para fazer a farinha o processo é mais complexo. A serpentina é ralada para dentro de grandes alguidares com água. Muda-se a água várias vezes no mesmo dia e em dias sucessivos para retirar uma espécie de farelo. Finalmente, a farinha, que vai ficando cada vez mais branca, está pronta para utilizar. A autora apresenta várias receitas, com boas fotografias, incluindo papas, pudins, gelados, bolos, cremes e pratos de carne e de peixe.

Anote-se que a farinha de serpentina, muito usada na ilha de São Miguel em tempos de penúria alimentar, chegou a ser comercializada e exportada para o continente, sendo vendida nas lojas do Jerónimo Martins. Na respetiva embalagem comercializada, respigámos as seguintes frases encomiásticas:
Um caldo de serpentina não é apenas um alimento de alto valor nutritivo e fácil digestibilidade, mas um verdadeiro doce que se aprecia com prazer.
Conclusões da análise do Prof. Charles Lepierre:
Farinha tipo fécula de composição normal, bem preparada, semelhante à da “arrow-root”. Pode entrar na alimentação corrente. Poder alimentício – 3.500 calorias por quilograma.

Para terminar, refira-se que, segundo alguns autores, também em fitoterapia os jarros do campo têm utilidade uma vez que as raízes possuem virtudes expetorantes, podendo ser utilizadas no caso de afeções das vias respiratórias.


sexta-feira, 21 de março de 2014

Poemas que se encontram: A mulher como denominador comum


“Corcundas Mãos Fiando A Mente”

Pensamentos feitos de lã sentimental
Tecidos confeccionados por ideias desfiadas
Pano fiado com fios de meada novelada
Teares em perpétua movimentação
Dedos que se curvam pela tecelagem do tempo

Gente nua sem pele ou alma
Povos correndo sem receio do medo
Populações inteiras ressurgindo-se por vontade própria
Pessoas enfrentando a morte e a vida tambem
Multidões subindo e descendo sem pressentimento de perigo

Ventres corroídos pela tempestade humana
Outros consagrados pela benção da concepção
Navegando na limpidez de liquidos ameneóticos
Expelindo matéria vitalizada para a luz do dia
Acrescentando alegria em contrapeso ao ambiente

Uns chegam à realidade como filhos da natureza
Há os que se transformam em pó para sempre
E os que se convertem em cinzas passadas
Levadas pelo vento para um futuro incerto
Quiça trazidos de nenhures de volta pela esperança

A última de todas as ceias começa no seio de seios
Ali a aventura inicia seu turbulento caminho
Lá atrás fica a agrura da poeira na boca
Degusta-se o verbo dos que falam com azedume
Canta-se a guerra e a paz nas bermas do carrossel...

Sapatos sem pés e pés descalços enroscam-se num turbilhão
Sons de gritos lambidos e languidos tropeçam uns nos outros
Ecos ressoam sem qualquer som nas gargantas profundas
Os rios correm sem perguntas ou respostas
Questões ficam pairando no ar como gaviões famintos

Mãos de pele suave agarram-se a casacos de pele curtida
Gemidos indeléveis de prazer arrastam olhos curiosos
Segue tudo num burburinho de uma marcha timida
Vai-se o sonho com a solenidade de uma rara ocasião
Até as sombras partem para a eternidade sem deixar marca...

Para trás fica a dança da saudade intrinseca da renovação...


Escrito em Luanda, Angola, a 8 de Marco de 2013, por Manuel Duarte de Sousa, em Homenagem ao Dia Internacional da Mulher...e as Mães do Planeta Terra, sendo elas Mulheres Humanas ou de outras Espécies, tanto da Fauna, assim como da Flora, etc, etc...



o sono nasce de flores com cardos

 a minha querida mulher, Solange,

arruma no convento o sono,temos
de partir para a caminhada rezada
são horas de ir para a praia, azul

" Me tiram o sono não o sonho"
avança a primeira parte da oração
o teu corpo é belo nu sobre a areia
o sono nasce de flores com cardos
escolho a maior fatia do bolo de chocolate
para te colocar no colo, vibra o tempo todo
em que a noite dá lugar ao dia
avança na estrada S.João, Estoril,Monte
é preciso olhar com muita atenção
o sol ainda não nasceu

arruma no convento o sono e a gelatina
de Mirtilo sinto os teus seios nas costas
não há nada como a praia de madrugada
vamos mergulhar amor, a água está mágica


José Gil



INCIDENTAL

                    A mulher cruza a peça
                    em direção ao corredor interno.
                    Sua perna falseia a verdade
                    da caminhada. Os pés
                    desistem da cena. A mulher
                    desaparece no vão da escada.

Espada em punho o homem
acompanha a cena. A lâmina
trespassa seu braço. As mãos
tremem o aço oxidado. O sangue
inunda o vão da escada.

Outra mulher leva nas mãos o pano
de limpeza e o balde. Ajoelhada
passa o pano no vão da escada.
Espreme o pano dentro do balde.
O balde transborda na mulher
desaparecida e no braço
do homem oxidado
na temperada espada.
 
(Pedro Du Bois, inédito)
 

quinta-feira, 20 de março de 2014

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA
 
3ª Série (12)
 
FOTOGRAFIA
 
 
(a 21 de Março celebra-se o início da Primavera
e comemora-se
o DIA MUNDIAL DA POESIA 
e também o
DIA MUNDIAL DA ÁRVORE E DA FLORESTA)
 
José Augusto do Nascimento
 
 
 
O dramatismo do arvoredo na ruralidade de Alhos Vedros, imortalizado em sépia.
                       (texto: Dores Nascimento)
 
JOSÉ AUGUSTO DO NASCIMENTO
 
Nasceu em Alhos Vedros, em 1954.
Em 1982 adquiriu a sua 1ª câmara fotográfica (Zenit).
Seguiu-se a aquisição de literatura, com a qual se familiarizou com os fundamentos da fotografia.
O gosto pela fotografia acompanha-o desde então, sempre aplicado de modo puramente amador.
Foi, no entanto, com a adesão à fotografia digital, em 2005, que se verificou um forte incremento da sua atividade fotográfica.
Ao longo destes anos tem participado em alguns concursos, a nível local, designadamente:
- Na 2ª bienal de fotografia da Moita, com um portfólio de quatro trabalhos admitidos a exposição;
- Nos jogos florais comemorativos do 475º aniversário do Foral de Alhos Vedros, organizados pela CACAV, onde obteve uma “Menção Honrosa” na modalidade de fotografia;
- Em concurso organizado pela Junta de Freguesia da Baixa da Banheira, onde obteve o 1º prémio, ex aequo.
Em 2010 expôs 72 trabalhos em 3 ocasiões e locais diferentes:
- Na Capela da Misericórdia, em exposição integrada na Feira do Livro de Alhos Vedros;
- No Moinho de Maré, em exposição integrada nas festas de Alhos Vedros;
- No Grupo Recreativo Familiar (GRF), no Bairro Gouveia, em exposição integrada nas     comemorações do aniversário da coletividade.
Em 2012 participou com 12 trabalhos numa exposição coletiva no Convento Madredeus da Verderena, Barreiro.
Actualmente está patente uma sua exposição, sobre Alhos Vedros, no Restaurante “Os Arcos” em Alhos Vedros.
 
 

quarta-feira, 19 de março de 2014

Galáctico, de Kity Amaral



Título: Galáctico
técnica mista sobre papel
Ano: 2000
24x33cm

Kity Amaral
Belo Horizonte / BRASIL


terça-feira, 18 de março de 2014

A “Ilha dos Amores”: entre Alhos Vedros e o Barreiro


por Luís Santos

(…)
Nesta vila há uma ilha
Que a voz mansa dessas águas
Chama de eterna maravilha,
Num momento mais insensato
Chamaram-lhe “Ilha do rato”,
Mas eu nos meus sonhos às cores
Chamo-lhe de “Ilha dos Amores”
(…)

(in, Luís Carlos dos Santos, Poemas, A Ilha, Edicões Bubok, 2010)


Podemos dizer, então, que o nosso cronista Álvaro Velho, um barreirense de Alhos Vedros, à semelhança dos outros nautas que foram na Viagem do Gama, e seguindo o Canto IX dos Lusíadas, de Luís de Camões (1524-1580), também terá entrado na tal “Ilha dos Amores”.

Como diz Agostinho da Silva, “Aqueles marinheiros portugueses, aquela esquadra de Gama que volta, (…) é uma Deusa de fora, é a força interna do mundo, é a máquina interna da História que leva a Ilha dos Amores para diante dos navios portugueses. (…) Camões dá este conselho pedagógico aos portugueses: «os meus amigos, se querem alcançar o Céu na Terra, tratem do seu navio, mantendo-o em ordem, com disciplina a bordo, porque um dia a Ilha dos Amores aparece» (…) É como se eles tivessem entrado em alguma coisa na qual tivessem plena licença de serem homens inteiramente livres. São as Ninfas, é a comida, é a paisagem, são os passeios, o encanto das conversas, tudo isso há. Portanto, para Camões, um projecto de futuro inclui uma inteira liberdade do homem e um inteiro gosto do homem pela apreciação dos fenómenos.”(*) E mais à frente, continua Agostinho, “na Ilha dos Amores acontece uma coisa muito curiosa, das tais Deusas, vem a possibilidade deles descobrirem o futuro. Os marinheiros portugueses ouvem, da Deusa, aquilo que será o futuro da História de Portugal. Ao mesmo tempo que estão presos a fenómenos libertam-se da tal cadeia do Tempo.” (**)

Mas, deixando os Lusíadas e a Ilha dos Amores, há um outro livro de Luís de Camões onde se faz referência a Alhos Vedros e ao Barreiro. Trata-se de um Auto, ou Farsa, intitulado “El-Rei Seleuco”, de data desconhecida e que só vem a público em 1654, onde Luís de Camões satiriza relações conjugais da vida da corte.

Numa breve sinopse da peça, a jovem esposa do rei Seleuco é também desejada pelo filho deste, Antíoco, de forma que para evitar uma crise dinástica, o rei num ato heroico cede a sua mulher ao filho.
Logo no início do Prólogo do Auto, diz o Mordomo (que Luís de Camões deixa a possibilidade de na dramaturgia ser substituído pelo dono da casa), uma das personagens da comédia: “Eis, Senhores, o Autor, por me honrar nesta festival noite, me quis representar uma farsa; e diz que, por não se encontrar com outras já feitas, buscou uns novos fundamentos para a quem tiver um juízo assim arrezoado satisfazer. E diz que quem se dela não contentar, querendo outros novos acontecimentos, que se vá aos soalheiros dos Escudeiros da Castanheira, ou de Alhos Vedros e Barreiro, ou converse na Rua Nova do Boticário; e não lhe faltará que conte.” E, no mesmo parágrafo, um pouco mais à frente: “Ora quanto à obra, se não parecer bem a todos, o Autor diz que entende dela menos que todos os que lha puderem emendar. Todavia, isto é para praguentos, aos quais diz que responde com um dito de um Filósofo, que diz: - Vós outros estudastes para praguejar, e eu pera desprezar praguentos. E contudo quero saber da farsa: em que ponto vai Lançarote?”. (***)

Posto isto, a pergunta que se impõe, em termos da importância que este Auto terá para a história local, é a seguinte: Porque será que, quem não se satisfizer com o que fica registado nesta farsa, diz Luís de Camões, poderá saber mais destas satíricas relações entre a alta nobreza, nos “soalheiros dos Escudeiros da Castanheira, ou de Alhos Vedros e Barreiro, ou converse na Rua Nova em casa do Boticário”? O que será que existia de comum entre estas tramas amorosas de representantes da alta nobreza e Alhos Vedros e Barreiro? O autor parece relacionar os criticáveis episódios dessa alta nobreza com Alhos Vedros, ou melhor, com os seus “soalheiros”, lugares expostos ao sol onde se dá à língua sobre comportamentos menos próprios. Naturalmente, que a partir daqui pouco mais poderíamos fazer do que simples suposições, mas até pode ser que alguém mais documentado na investigação sobre a história da nossa região, possa acrescentar algo de mais concreto que a nós nos escapa.

A propósito da segunda parte da citação que extraímos da obra, como descrevemos no segundo parágrafo acima, parece-nos evidente que o autor se está a defender de eventuais críticas que lhe possam trazer desagradáveis surpresas pela arrojada Farsa, críticas que, todavia, são para si desprezíveis. Mas é evidente que esta é uma parte da história que para nós, aqui, já menos nos interessa.

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(*)MENDANHA, Vítor, Conversas com Agostinho da Silva, Pergaminho, Lisboa, 1994, pp. 74-76
(**) Cf., idem, ibidem, p.78
(***) LIMA, Augusto C. Pires de Lima, El-Rei Seleuco, Luís de Camões, Editorial Domingos Barreira, Porto, s/d, 3ª edição, pp.45-46.