quarta-feira, 5 de novembro de 2014

"Agostinho da Silva e a Educação de Portugal"



Agostinho da Silva deixa o Brasil em 1969, onde viveu perto de 25 anos. No ano seguinte ao da sua chegada a Portugal, em 1970, escreve “Educação em Portugal”, livro onde o Professor se propõe pensar num projeto educacional para o país, participando por iniciativa própria no movimento reformista designado por “Primavera Marcelista” que correspondeu à entrada de Marcelo Caetano na chefia do governo. Dois grandes princípios estruturais enunciam o ponto de partida desta sua proposta educacional:


1) Nascemos e crescemos “estrelas de ímpar brilho, sem que o mundo em nada nos melhore”, o que significa afirmar o valor primordial da natureza face à cultura e um profundo sentimento humanista com a filiação do homem diretamente numa natureza que é simultaneamente bela e divina.


2) Cada homem vale, sobretudo, por si próprio e cada um terá de desbravar o seu próprio desenvolvimento interior. Neste sentido a educação deve ser pensada como um processo mais de orientação do que ensino, mais de acompanhamento e ajuda, em vez do habitual despejamento retórico de programas sobre o educando.


Citando Agostinho,“Acreditando, pois, que o homem nasce bom, o que significa para mim que nasce irmão do mundo, não seu dono e destruidor, penso que a educação, em todos os seus níveis, formas e processos não tem sido mais que o sistema pelo qual esta fraternidade se transforma em domínio.” (1)


O princípio fundamental de que se parte é que a natureza da criança é preferível à natureza do adulto e, portanto, deve ser essa a natureza a ser potenciada. Por conseguinte, a educação deve consistir num processo de livre florescimento da criança e não da substituição da maneira natural de ser da criança por “uma natureza adulta”.


A crítica aqui implícita é a de que no tradicional sistema educativo, a pouco e pouco, se vai destruindo a criança, a sua espontaneidade, o livre viver, que nasce em cada um de nós e que, ao contrário, deverá ser na preservação dessa “natureza da criança” que se deverá partir para a construção do futuro.


Como diz o Professor: “Resumindo, diria pensar que a natureza humana, mais do que boa é excelente; que a sociedade e nela a educação, ajudando o homem a sobreviver, o tem limitado, e muito, no melhor, que é o seu ser livre; mas que o pior passou e que todo o sofrimento e toda a treva serão apenas pesadelos finalmente em paz e luz desfeitos.” (2)


É enorme, pois, o otimismo com que Agostinho da Silva parte para o desenvolvimento da sua proposta de projeto educacional para o país. Recorrendo à sua insubstituível prosa, eis o que anuncia o Projeto: “O reino que virá é o reino daqueles que foram crucificados em todas as épocas, por todas as políticas e por todas as ideologias, apenas porque acima de tudo amavam a liberdade (…); o reino daquele Deus que viam definindo-se fundamentalmente por não obedecer a nada e a ninguém senão à sua divina natureza; e o reino que desejam para homens que não sintam obrigação alguma que não seja a de se aproximarem quanto possível da divindade de ser livre, livre no viver, livre no saber, livre no criar.” (3)


Notas:
(1) Agostinho da Silva, Educação em Portugal, in Textos Pedagógicos II, Âncora Editores, Lisboa, 2000, p. 92
(2) Idem, p.94
(3) Idem, p.93


Luís Carlos Santos


P.S.: Este texto foi publicado no boletim da Associação Agostinho da Silva, nº56, 1/11/2014, embora aqui tenham sido introduzidas ligeiríssimas alterações.

6 comentários:

estudo geral disse...

Muito enriquecedor.
Gosto muito.

Abraço.

Manuel João Croca

luis santos disse...


Então, uma boa Páscoa para ti também.

Abraço.

MJC disse...

???
Confesso que não percebi.
Mas, pronto.

Abraço.

luis santos disse...


Brincadeira em referência à citação que aparece em cima no EG.



CIDE disse...

Concordo. Em vez de formatar o ensino deve permitir o crescimento individual de cada um, em respeito e cuidado pelos demais. O homem é irmão do mundo. Deve ser ele próprio a decobrir mundo...

CIDE disse...

Gosto particularmente desta parte do texto: "... no tradicional sistema educativo, a pouco e pouco, se vai destruindo a criança, a sua espontaneidade, o livre viver, que nasce em cada um de nós e que, ao contrário, deverá ser na preservação dessa “natureza da criança” que se deverá partir para a construção do futuro."

Luís Mourinha