por Miguel Boieiro
Há duas dezenas de anos, quando mudei de residência, tomei a
liberdade de plantar na parte exterior da propriedade, em pleno domínio
público, duas olaias. Embora com a melhor das intenções, cometi conscientemente
uma ilegalidade, porque era a Câmara Municipal que deveria gerir o espaço.
Todavia, talvez devido ao alto cargo que então desempenhava, ninguém me
confrontou com tal irregularidade. Digo irregularidade, pois me parece mais
consonante com a falta cometida. Afinal, “ilegalidade” seria um termo demasiado
pesado para tão fútil ocorrência.
Logo a seguir ao 25 de abril de 1974 fiz parte de uma
Comissão de Moradores e não queiram saber as melhorias que introduzimos no
bairro, tal a ânsia de lutar por uma melhor qualidade de vida e a vontade de
ajudar a construir um país novo. A Câmara fornecia os materiais e a população
arranjava os passeios, limpava as ruas, construía parques infantis e jardins.
Creio bem que as comunidades locais obteriam grandes vantagens se retomássemos
a mesma filosofia e não ficássemos passivamente à espera que as Câmaras
fizessem tudo,
Nessa altura, muitas árvores plantei! Umas frutificaram,
outras não.
Mas voltemos às minhas duas olaias. Uma, pelo facto do
terreno ser barrento e pouco drenado, acabou por secar. A outra fez-se uma
árvore esbelta que todas as primaveras se reveste de lindas flores cor-de-rosa.
Ela inspira-me, transmite-me otimismo e confiança, conquanto reconheça que não
é propriamente minha. Embora a regue cuidadosamente quando o estio aperta, ela
pertence por inteiro à “res publica”, melhor dizendo, é de todos e todos podem
desfrutar da sua beleza.
Mas deixemos as banalidades do introito e vamos lá
caracterizar esta simpática criatura vegetal.
A Cercis siliquastrum
é uma pequena árvore originária do sul europeu e do sudoeste asiático que pouco
ultrapassa os 10 metros de altura. As folhas são pecioladas, alternas,
cordiformes, verdes claras ou glaucas, caindo completamente no inverno. Na
primavera, antes de aparecer a nova folhagem, a árvore fica coberta de flores rosadas
que surgem em profusão nas ramagens e no próprio tronco. As sementes estão
involucradas em vagens (silícuas) que lembram as da alfarrobeira. Daí lhe vem o
nome siliquastrum. Cada vagem costuma
ter uma dezena de grãos acastanhados que germinam com relativa facilidade,
originando um crescimento inicial bastante rápido.
A Cercis siliquastrum
é muito mais útil do que muita gente pensa, porque não se limita a ser uma árvore
ornamental. Para já, pertence à família das Fabáceas
ou Leguminosas, o que significa que
capta azoto diretamente da atmosfera e liberta-o no solo, através das suas
raízes, que assim fica mais enriquecido, favorecendo outras plantações. Depois,
dizem os especialistas, que ela aloja insetos, do grupo dos Psylliodes que devoram outros insetos
predadores, os quais aparecem na primavera nos pomares (macieiras e pereiras).
Espantados? Mas há mais! Sabiam os estimados leitores que as flores das olaias
são comestíveis? Possuem um sabor acidulado levemente picante, como as chagas
ou as alcaparras, podendo integrar com requinte as saladas crudívoras. Também
os rebentos podem ser usados como condimento, especialmente em pickles.
Os japoneses acrescentam-lhe ainda outra vantagem: a boa
adequabilidade para a arte do bonsai.
Os princípios ativos encontrados na olaia denotam riqueza em
vitaminas e sais minerais.
Em medicina popular usa-se o cozimento da casca para reduzir
o catarro, sendo os frutos utilizados como adstringentes.
Perante tanta informação, subsiste um mistério cuja
decifração só é acessível aos crentes. Dizem uns que o apóstolo Judas
Iscariotes, o tal que traiu Cristo em troca de trinta dinheiros, se enforcou
numa figueira, enquanto outros sustentam que foi numa olaia. Daí, a mesma
também se denominar árvore-de-judas.
Resta acrescentar que a árvore é, em Israel, uma espécie protegida. De tal
facto será possível extrair várias ilações. De entre elas poderia ser (porque
não?), a necessidade de preservar a possibilidade doutros enforcamentos
naquelas conflituosas terras?
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