terça-feira, 11 de novembro de 2014

FANTASIANA E OUTROS LUGARES


Andando pelos corredores da memória, detenho-me num quintal rectangular. 
Era um quintal com muitas flores, brincos de princesa, patáleas, lindos jarros e, a um canto, junto à minha porta, um marmeleiro e muitas flores. Ao fundo, um grande poço (no Verão, não sei se a minha mãe regava mais as flores ou os meus pequenos pés, se calhar por me achar a sua flor!). 
Era um quintal para o qual davam três casas: a minha, a dos meus avós paternos e a de uma tia do meu avô, a Ti Francisca. Era pequenina, magrinha, cabelo todo branco apanhado em carrapito (segundo contam, seria o contrário da irmã Ana, que chegou a viver connosco). Muitas vezes bebi leite numa caneca com uns gatos pretos brincalhões, muitas vezes, apreciei uma caneta de aparo em prata – que não sabia, claro – e observava um candeeiro amarelo torrado que podia baixar e subir e, quantas vezes, para comer, não tive como companheiro um macaquinho em loiça, que ainda hoje o guardo. Este boneco, um paliteiro, tinha-lhe sido oferecido por um jovem que o ganhou numa rifa da quermesse vendida pela ti Francisca; era ela muito jovem e bonita. Aí começou o namoro e, mais tarde, deu-se o casamento com o tio Alberto. Em frente da casa da Ti Francisca ficava a dos meus avós. Lá, lembro-me de procurar novidades, ver fotografias velhas e de ouvir relatos da bola, ao domingo. Era um radio e tanto! 
A minha casa ficava perto do portão, à esquerda quando entrávamos. Para as minhas lembranças, era o cantinho das histórias que a minha mãe contava, como a da carochinha que usava lenço às bolinhas, dos meus passos de bailarina ao longo do corredor, de encantos escondidos num guarda-fatos, da ti Ana, de chapéus de veludo e plumas; era um cantinho com uma chaminé grande e alta, onde na noite de 24 de Dezembro eu queria oferecer umas meias ao menino Jesus; era um cantinho enfeitado com rendas de papel. 
Em frente da minha casa, uma divisão onde estava a selha de madeira para lavar a roupa. ... 
Um dia mudámo-nos. O espaço modificou-se. As casas foram vendidas. Hoje, relembro e vejo-me com os meus bibes, as minhas pequenas tranças e laçarotes. Revejo-me e divirto-me com a minha figura de palmo e meio. 

Ana Santos 
2002

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