domingo, 30 de novembro de 2014

 


MIRADOURO 45 / 2014
 
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Não fora a justificada desconfiança – já tornada descrença – pelo sucessiva e repetida traição nos actos ao que as palavras inflamadas na retórica prometem  cumprir, e o discurso teria vindo preencher uma lacuna que incomoda demais para poder ser esquecida.
Essa lacuna chama-se esperança ou melhor a falta dela.
Falta esperança, sustentada.
O renascer de esperança para quem se pensa e, por isso, vive incomodado por preocupações e insatisfações de vária ordem.
Se fosse sensato, ou sequer plausível, acreditar no que as palavras prometem, poderíamos estar no limiar de um novo ciclo capaz de mobilizar energias e vontades colectivas, indispensáveis à transformação sustentada de toda e qualquer realidade.
Assim, não será sensato (e não é alerta que se lance com satisfação muito antes pelo contrário) acreditar na autenticidade das intenções proclamadas.
Repetem-se os intérpretes na reinvenção do D. Sebastião que, há quem diga, se alberga na engrenagem secreta que faz mover a velha alma lusa.
Mas, para mim e creio que para um número cada vez mais alargado de actores e criadores de todas as coisas, a lenda já não é crível nem se sustenta. O D. Sebastião morreu em Alcácer-Quibir e a monarquia já acabou.
Agora os tempos são outros. São tempos colectivos que a todos convocam e responsabilizam. São tempos que precisam de arte e inteligência e convocam a nossa vontade para descobrir/construir novos caminhos.
Eleger outros protagonistas que possam representar o todo e não apenas uma parte, erigir outra atitude que possibilite outras expectativas e o renascer da esperança colectiva.
No entretanto, vamos pensando global e agindo localmente, procurando o(s) tal(is) outro(s) caminho(s).
Tentando, sempre.
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Dilui-se no ar entre mar terra e céu, luz sombra e muito mais, o que no silêncio se procura escutar.
Quando calha consegue-se identificar e, às vezes, até mesmo perceber.
Vozes, odores, energias que, reflectindo-se, revelam caminhos e inspiram.
Espiral de eco interno mergulhando até ao centro do universo em nós, em cada, em mim.
O universo que há em mim e eu, encontramo-nos às vezes.
Miramo-nos e, quando o entendimento acende o silêncio por tudo o mais ser desnecessário, chegamos mesmo a abraçar-nos num enleio tão enleado que fico sem perceber se me diluo no universo ou se é o universo que entra inteirinho em mim.
***
E a bem-aventurança que o processo confere instala-se e embala a demolição da estátua interior do ser que se constrói, por dispensa do ego que tanto pesa.
Nessa leveza que o vácuo permite - no existir que não se pensa - pulsa intacta a vida noutras formas e qualidades.
Bicho, pedra, água, pássaro, árvore…
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Árvore
(por exemplo).
Ser apenas árvore.
Raiz e asa no vento que ao passar se coça no baloiçar.
Casa abrigo tronco ramos verde folha flor e fruto cama mesa sombra.
Fogo e água.
Cumprir-se no crescimento renovado do ciclo das estações sem nada esperar.
Sem sequer mãos para receber.
Entrega plena no justo cumprimento de um destino feito dádiva.
Estar apenas e nesse estar ser.
Nada responder nada perguntar.
Ser apenas sem nada justificar.
É aí a Paz.
No outro dia disseram-me à laia de conselho
«escusas de procurar placas, setas ou sinais. Não há estradas para lá. Os caminhos são outros.»
Eu ouvi e agradeci presumindo ter entendido.
 Manuel João Croca
 

 
(Foto de Edgar Cantante
sobre pintura de artista que não conseguimos identificar)

2 comentários:

Unknown disse...


Manuel João, uma vez mais a 'força do verbo'! Belo(s) texto(s)!

Reflictamos todos!

Obrigado pela 'partilha'.

Abraço.

Francisco José

estudo geral disse...

Obrigado Francisco.

Abraço grande.

Manuel João