O TOQUE DE FINADOS
Se tivesse alguma dúvida sobre o regime partidocrático e a sociedade clientelar em que vivemos, o dia de hoje estaria aí para acabar com as ilusões.
Creio até que simbolicamente, o dia da libertação de Paulo Pedroso pode ser considerado aquele que consagra o fim daquilo que pudesse restar do estado de direito em Portugal.
Eu passo a explicar.
Só agora veio a público – estranho, não acham? – que, no imediato ao fim da prisão preventiva do deputado, um outro acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa que embora apreciando um outro recurso do arguido em causa a que não deu provimento e, sem que a resposta tivesse qualquer efeito sobre a medida favorável a Paulo Pedroso, apesar disso, o texto aprovado por unanimidade pelos três juízes da nona secção, deu razão ao juiz de instrução, o Dr. Rui Teixeira, na decisão de aplicar a medida de coacção máxima, ao mesmo tempo que criticou o arguido e todo o coro de profissionais de comunicação e figuras ilustres que sectariamente muito fizeram para coagir o magistrado, o que os desembargadores consideram de acto vergonhoso e inadmissível.
Admito que os juízes que votaram a redução da prisão preventiva para o termo de identidade e residência o tenham feito com toda a convicção e plena consciência.
Mas que pessoas autorizadas porque conhecedoras do processo e independentes das partes em questão, como foi o caso destes três juízes do Tribunal da Relação, continuam a sustentar a existência de fortes indícios da prática de crime por parte de Paulo Pedroso, lá isso é um facto incontornável.
E ontem sucedeu um episódio curioso.
Uma empregada do Tribunal de Instrução de Lisboa colocou no lixo dois contentores portáteis cheios de documentos oficiais de processos que, por lei, deveriam ser objecto de destruição. Ali se encontravam nomes, moradas, números de telefone, requerimentos e até documentos relativos a um processo disciplinar a um advogado que sofreu uma pena de suspensão das actividades por parte da Ordem. Enfim, o maná para um escândalo.
Pois não é que por acaso, os jornalistas que andavam por ali, deram logo com o achado?
Naturalmente tudo não terá passado da falta de zelo de um funcionário menor. Mas que há acasos muito convenientes, lá isso há.
Depois do Presidente do Tribunal da Relação ter dito aquela palavra feia à frente das câmaras da SIC, foi designada a equipa que, por maioria, veio a corrigir a pena do Juiz Rui Teixeira no caso da medida de coacção aplicada a Paulo Pedroso.
Estejamos atentos aos próximos dias.
Mas logo pela manhã alguém chamou a atenção para o facto de a amnistia proposta pelo Presidente Jorge Sampaio em mil novecentos noventa e nove, por ocasião do vigésimo quinto aniversário da revolução de Abril, para além doutras sortes que terá proporcionado, (1) ilibou também os laboratórios da Bayer no caso da corrupção de médicos em que tinham sido condenados. Não é que à época, o defensor daquela multi-nacional – e creio que ainda é – era um causídico pertencente ao escritório de que o próprio Dr. Sampaio fez parte, em sociedade com o Dr. Vera Jardim, ex-ministro da defesa de um dos governos de António Guterres e o Dr. Castro Caldas que já foi bastonário da ordem?
Esta nem carece de comentários.
Devemos apenas registar que a denúncia saiu da boca do Sr. Pequito, ex-funcionário daquela empresa que foi despedido a propósito de um caso correlacionado com aquilo que veio a ser objecto do julgamento e condenação a que aludi e que acabou por ter o desfecho que se disse.
Tanto o homem como o seu advogado, o Dr. Garcia Pereira, têm sido alvo de ameaças de morte que são para levar a sério, ou não tivesse o antigo delegado de propaganda médica sofrido uma tentativa de esfaqueamento aqui há dois ou três anos atrás.
Qual será o veredicto da contenda que, em Tribunal do Trabalho, o opõe àquela poderosa indústria da saúde?
É uma curiosidade a não perder.
E para terminarmos com chave de ouro, à hora em que estou a escrever estas palavras, foram noticiadas na TSF as gravações que espoletaram a prisão preventiva de Paulo Pedroso.
Espero que esta fuga inadmissível ao segredo de justiça, uma vez que está consumada, surja amanhã nos jornais para que possa atentar melhor nos pormenores.
Desde já ficou claro que os socialistas moveram todas as influências para evitar que o dossier do seu correligionário chegasse onde chegou. O secretário-geral chegou a mostrar da forma mais prosaica o seu desrespeito pelo estado de direito.
Afinal, toda esta gente até gosta de ter o beneplácito de um Pinto da Costa.
Nada melhor para por a nu a essência de alguém.
You gotta get in
to get out
Peter Gabriel, the Genesis voice in their master piece, just before his leaving for a solo career.
E de repente eu estou em Sesimbra, na casa dos meus pais, olhando o mar nos braços da Luísa, onde estudávamos e crescíamos, mas sempre com o amor em pano de fundo, com toda a força dos nossos vinte anos.
Mas o melhor é que a magia permanece e ainda hoje a terra treme sob os nossos corpos.
Na aula desta manhã os alunos continuaram os exercícios com a palavra menina e as sílabas suas componentes, sendo esse, mais uma vez, o tema da ficha que constituiu o trabalho de casa.
Mas depois do intervalo fizeram uns jogos de Matemática que, segundo o pardalito, “-Eram muito fáceis.” Esclareceu que se tratavam de relacionar figuras.
“-Ó mãe! E a Professora pôs certo nos meus trabalhos.”
Acabei de ler um conjunto de contos de Ernest Hemingway que adquiri no passado Junho, em Praga, para a viagem de regresso mas que não cheguei a abrir por, então, ter vindo todo o trajecto em conversa.
Pois mais uma vez me deliciei com as personalidades fortes que saíram da pena de alguém que, levando aos píncaros a máxima de Malraux de viver para escrever e escrever só o que se vive, defendia que mais do que se parecer com a vida, a literatura deveria ser a própria vida.
“The Snows Of Kilimanjaro”, remind us how visible realism was from the earlier Hemingway stories.
E na Bolívia, da semana de protestos populares contra os negócios de exportação do gás natural para o México e os Estados Unidos, parece ter resultado a queda do presidente.
Hoje fico por aqui.
Amanhã há natação.
Alhos Vedros
17/10/2003
CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
Hemingway, Ernest, THE SNOWS OF KILIMANJARO, Arrow Books, London, 1994