sábado, 26 de dezembro de 2015

Mercurial (ou "erva-cagona")


por Miguel Boieiro

(urtiga-morta-mercurialis annua)

Como é sabido, as plantas fruem de variadíssimos nomes populares. Eles dependem das gentes que habitam as diversas regiões ao realçar os seus peculiares atributos. Para algumas designações torna-se assaz difícil achar a sua proveniência porque o idioma que hoje usamos não é exatamente o mesmo de há seis séculos atrás e o significado inicial acabou por se perder na voragem dos tempos. A planta a que damos o nome de mercurial poderia, com mais propriedade compreensiva, ostentar a designação comum no Alentejo que é a de erva-cagona. E pronto, toda a gente perceberia que tal erva ajuda a defecar. Mas tem outras propriedades e a propósito vou contar um episódio que me veio à lembrança: Participei, há anos, numa caminhada pela serra algarvia organizada pelo Clube de Atividades Ar Livre. Durante dois dias percorremos uma região votada ao esquecimento, mas prenhe de curiosidades e tesouros naturais. Eis senão quando uma companheira se feriu na mão. A hemorragia provocada estava difícil de estancar. Sosseguei-a, dizendo que iria, logo que possível, encontrar uma erva hemostática capaz de parar a sangreira. Assim foi! A primeira que me apareceu foi a mercurial. Apliquei-a em cataplasma no ferimento e, quase de imediato, resultou plenamente.

A Mercurialis annua e a sua irmã Mercurialis perennis devem o seu nome a Mercúrio, deus do comércio da mitologia romana (na antiga Grécia tal divindade denominava-se Hermes), não se sabe bem por que razão. Já os epítetos annua e perennis são fáceis de esclarecer. O primeiro significa que a planta não dura mais de que um ano e a segunda que é perene.

A mercurial é uma espécie ruderal que pertence às Euphorbiaceae, família botânica caracterizada por integrar elementos tóxicos. Quase todas as eufórbias, quando cortadas, exsudam látex. Não é o caso da mercurial que, nesse aspeto, é uma exceção.

Na antiguidade clássica e na idade média acreditava-se piamente que uma beberragem, confecionada através da infusão destas ervas, influenciava a escolha do sexo dos nascituros (veja-se o capítulo de botânica oculta da edição espanhola do Dicionário de Plantas Curativas da Península Ibérica). Tal crença baseava-se no facto da planta ser dióica, ou seja, as flores femininas e as masculinas aparecem em plantas separadas. Esta ingenuidade provinha da chamada teoria das semelhanças, na altura muito em voga. Assim, se a grávida bebia o “chá” da planta macho, favorecia o nascimento de um menino. Se ingeria o da planta fêmea, vinha uma menina. Por esta e por outras razões, a utilização da mercurial era, antigamente, muito popular.

Julga-se que a citada herbácea é oriunda da bacia mediterrânica. Não costuma ultrapassar os 30 cm de altura, possuindo folhas verde-claras ovais ou lanceoladas, dentadas, opostas e de pecíolo curto. Os caules apresentam-se de forma quadrangular, geralmente ramificados a partir da base. As flores masculinas e femininas surgem em plantas separadas como já se aludiu. As inflorescências masculinas são mais abundantes do que as femininas (lei da biologia que determina haver muito mais espermatozoides do que óvulos). Os frutos, com cerca de 3 mm, são bilobados e hirsutos para mais fácil disseminação.

Registam-se os seguintes princípios ativos: heterósidos flavónicos, saponinas, essências, mucilagens, sais potássicos e a molécula “hermidina” (nome que provém de Hermes), a qual possui um pigmento (azul) e se julga ser responsável por provocar intoxicações.

A mercurial é emoliente, tenífuga, hemostática, diurética e purgativa. É boa para tratar eczemas, dermatites escamosas e erradicar verrugas. Pode-se ferver, durante 5 minutos, 4 g das folhas secas (atenção: apenas quatro gramas) num litro de água e beber para aliviar a prisão do ventre.

O curioso e muito antigo “Manual de Medicina Doméstica” do Dr. Samuel Maia recomenda o “mel de mercurial”, cujo processo de elaboração transcrevo, com a devida vénia:
 Ferva 125 g de mercuriais secas num litro de água e deixe em infusão 2 horas. No fim passe e esprema. Deixe em repouso e, quando estiver formado depósito, decante. Misture o líquido obtido com igual volume de mel. Serve para misturar na água dos clisteres ou para tomar às colheres de chá.

 Modernamente desaconselha-se o uso interno da mercurial, visto haver plantas laxantes e purgativas que produzem o mesmo efeito, sem as consequências tóxicas que poderão advir da utilização intensiva desta “erva-cagona”.

3 comentários:

Unknown disse...

Onde posso comprar??agradecia qq info pa jmvcpessoa@gmail.com

Miguel Boieiro disse...

O mercurial não está à venda em quaisquer ervanárias. A planta é vulgar. Encontra-se por todo o lado à beira dos caminhos.

Felisberto Matos disse...

A Erva Mercurial ("ou cagona") pode-se encontrar no Gerês eles enviam pelo correio à cobrança.

Delfina Pontes.
253 391 068

933 249 040

www.delfinapontesplantasmedicinais.com