quarta-feira, 4 de maio de 2011

Arte e Arte

Estive ministrando uma disciplina acadêmica intitulada Arte e Educação no início desse ano. No projeto do curso havia objetivos a serem alcançados, entretanto sempre há objetivo (ou objetivos) que a gente estabelece paralelamente. Objetivos nem sempre técnicos ou mensuráveis por nota ou conceito. Mais se assemelhando a uma meta subjetiva que propriamente se parecendo com um objetivo.
Queria que os alunos entendessem algo essencial sobre a atividade artística que está muito perto do que eu penso a respeito. Queria derrubar o senso comum de que arte é algo bonito, emocional, alegre... Afinal, como afirma Alfredo Bosi, “belo é o que nos arranca do tédio e do cinza contemporâneo e nos reapresenta modos heróicos, sagrados ou ingênuos de viver e de pensar. Bela é a metáfora ardida, a palavra concreta, o ritmo forte. Belo é o que deixa entrever, pelo novo da aparência, o originário e o vital da essência”.
Queria também derrubar o mito de que arte é dom, talento, capacidade inata, inspiração e só. Queria que entendessem, mas não só entendessem, que tivessem algo perto de si para reforçar o quanto talento não basta. Para mostrar, por experiência própria, uma trajetória em desenvolvimento, com erros, muitos erros para se obter êxito. Alguém que complementasse e completasse... pois, eu não pretendia supervalorizar o saber acadêmico, escolar. Afinal, estudar, ensinar e aprender acontece em muitos lugares e a escola ou academia é apenas um desses lugares.
A disciplina era compactada: manhã e tarde e duraria de segunda à sexta. Logo no segundo dia solicitei que procurassem artistas da cidade para levarem para conversar conosco sobre suas atividades estéticas. Artistas variados: músicos, pintores, dançarinos, escritores, artesãos, cantores, etc. Enquanto isso a disciplina ia carregada de teoria. De cansar o quengo! Para quebrar a expectativa daqueles que esperavam passar uma semana de recreação, de brincadeira.
Nisso conheci muitos artistas, terei algo especial para dizer sobre cada um deles (talvez volte a falar sobre os mesmos em alguma crônica no futuro). Entretanto, a presença do senhor Chico Pintor, que no decorrer daquela semana estava pintando a escola. Ele que é pintor de paredes e pintor de quadros falou com firmeza e desenvoltura sobre seu ofício de pintor de paredes para garantir a sobrevivência e sobre seu “ofício” paralelo de pintor de quadros para seu deleite pessoal.
Ele que estudou pouco em escolas era senhor de seu território e mostrou caminhos que trilhou. Demonstrou conhecimento de técnicas e de nomenclaturas próprias da pintura. Falou de dificuldades técnicas, o que conseguia e o que não conseguia fazer. Dos exercícios, dos erros, muitos, dos acertos. Em suma: ele nos arrebatou. Resumiu tudo quanto eu fui tentando meter a custo na cabeça dos alunos nos quatro dias anteriores. Parecia até que já nos conhecíamos e que havíamos combinado o que dizer.
Encerrei a Arte e Educação com duas certezas: meus meninos e meninas certamente aprenderam não só o que eu desejava sobre arte, mas aprenderam também a dar o devido valor ao aprendizado não-scholar.

Belém, 04 de maio de 2011.
Abilio Pacheco*

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*Professor universitário, escritor, revisor de textos e organizador de antologias. Três livros publicados. É membro correspondente da Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense (com sede em Marabá), integra o conselho de redacção da Revista EisFluências, de Portugal, é Cônsul dos Poetas Del Mundo para o Estado do Pará e é Embaixador da Paz pelo Cercle Universal des Ambassadeurs de la Pax (Genebra-Suiça). Email para contato: abilioescritor@uol.com.br. Site: www.abiliopacheco.com.br.

1 comentário:

A.Tapadinhas disse...

Crónica séria e profunda com a qual eu estou plenamente de acordo...

mas que me fez sorrir!

Passo a explicar. Eu próprio, fazendo contas ao tempo que me leva a conceber e pintar uma tela e à cotação das minhas obras, tenho a certeza que seria economicamente mais rentável pintar paredes como o artista que nos apresentou, de seu nome Chico Pintor...

Foi um prazer ler o seu texto!

Abraço,
António