sexta-feira, 6 de maio de 2011

OS DEMÓNIOS QUE INVARIAVELMENTE DESCONHECEMOS

Vendas Novas, 2 de Maio de 2011

PACHECO PEREIRA publicou, no último Sábado, no jornal do Eng.º Belmiro, uma crónica hiperbólica, tipo conto gótico, intitulada O DEMÓNIO QUE NÓS CONHECEMOS, referindo (e confiando na nossa inteligência) aquilo que ele entende ser o demónio da Transilvânia a quem o povo chama «o Socras» e o criador do «flop» Passos Coelho nomeia por Eng.º. Pinto de Sousa.

Tenho para mim que o intelectual deste país que os laranjas mais odeiam se passou de vez, seja por sequelas do seu ódio de estimação ao Primeiro-ministro demissionário, seja por ver fugir mais um sufrágio que o recompensaria do desaire de há dois anos. Já não bastava andar a todo o momento a chamar à sua assombração «o homem mais perigoso do País», acrescenta agora o grande medo de ser um Drácula e, mais do que isso, um demónio, se não mesmo o próprio Satanás em corpo de gente.

Bem avisado deve andar o General Eanes que, na sua última entrevista televisiva, criticava o fenómeno de moda de diabolizar o Primeiro-ministro, coisa que dá muito jeito a estagiário que sonha ser aplaudido na redacção.
A linhas tantas da sua crónica desabitual, Pacheco Pereira afiança que metade dos portugueses odeia José Sócrates e que a outra metade lhe tem um medo que se péla. Coisas do cinema a preto e branco e dos filmes de cowboys, já se vê, e que não deixa muito espaço para mais tarde explicar a previsível vitória eleitoral do engenheiro que é José, como Pacheco o é também. Mas quem tenha noções de Programação Neurolinguística pode traduzir-lhe assim o entendimento: eu sou odiado por metade dos laranjas e a outra metade, para não se assustar com a minha inteligência, usa-me para amedrontar o inimigo.

Há truques da psicologia prática que são muito úteis. Por exemplo: não se deve confiar na sinceridade de que afirma a tordo e a direito que é muito sincero; quem o é não dá por isso. Depois, diz a sabedoria popular que elogio em boca própria é vitupério, o que pode ser visto do avesso ou por diversos prismas, mormente para perceber que o que mais nos atormente é o que mais nos vem à boca, tal fora um refluxo gástrico.

O ódio não é bom conselheiro, cega toda a inteligência. Aliás, pela própria etimologia, ódio ou aversão é não querer ver. E bem se sabe que o pior cego é aquele que não quer ver.
Os demónios que nos atormentem nós os desconhecemos, porque se os conhecêssemos desvanecer-se-iam. No entanto, ter demónios pode até ser uma coisa boa, se lutarem entre si; mal é haver um que se agiganta e toma conta de nós. Ficamos possessos.

ABDUL CADRE

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