CIDADE MARAVILHOSA
Nellie Larson é professora de farmacologia, na Universidade de Copenhaga e presentemente vive um idílio dos deuses.
Filha única, se muito cedo aprendera que deveria escolher uma vida e uma profissão, não muito mais tarde descobrira o desejo de permanecer na companhia de seus pais que tão seus amigos e confidentes sempre tinham sido. E tal jamais a impedira de viver pela sua livre e espontânea vontade.
Desde a morte do paizinho, Nellie ocupava os verões em passeios com a mãe.
Um dia decidiram visitar o Rio de Janeiro.
Entre os pontos de interesse, era fatal, anotou o Pão de Açúcar.
Aí conheceu Sebastian Harris, um jovem funcionário do Foreign Office em gozo de férias depois de quatro anos de serviço consecutivo na embaixada inglesa em Havana.
Mutuaram o brilho do olhar na fila de espera da segunda estação do bondinho.
Nellie sorriu, sem querer e Jonh Sebastian também.
“-Such a green shinning eyes…”
Na subida trocaram palavras. Apresentaram-se.
Falaram do que viam e comentaram a vida na cidade.
Decidiram almoçar juntos e à tarde, o inglês levou a mãe e a filha a contemplarem as alamedas do jardim botânico onde, sobre os marejos das multi variadas ramadas, puderam escutar os mais diversos cânticos de pássaros e outras aves ou, tão só, as rangidelas dos enormes tufos de bambu. Um colibri veio pousar diante deles.
Acompanhou-as ao jantar e depois de a senhora se deitar, ela e ele foram ouvir um show de Cássia Eller num pequeno clube de jazz.
Nos dias seguintes passearam pelo estado e, espontaneamente, ambos escolheram Parati para passarem um fim-de-semana em absoluto repouso.
“-Mama needs it.”
Com a Lua Cheia, ao fim da tarde a maré alta alagou as vias apedrejadas da povoação, fazendo a imagem da igreja espalhar-se ondulante sobre o canal.
Deram as mãos. Ali compreenderam que ficariam unidos para o resto dos seus dias.
Rio de Janeiro, 14 de Agosto de 1995
2 comentários:
Apetece-me dizer que a tua crónica é sobre nada. Fazes, em traços livres, o retrato de pessoas normais, como nós, que vivem em paz consigo e com os seus próximos, que procuram ser felizes e dar felicidade a quem os rodeia.
Pensando melhor...
Afinal a tua crónica é sobre tudo...
...o que verdadeiramente interessa!
Abraço,
António
É isso, direi eu.
Foi esse imortal da literatura que deu pelo nome de Leão Tolstoi que iniciou uma das suas obras maiores, "Ana Karenina", justamente escrevendo que das famílias felizes não reza a história. Genericamente, não terei qualquer dificuldade em concordar com ele e, na verdade, se olharmos as histórias de amor de sempre, a começar pela crónica de "Tristão e Isolda" a quem o inigualável "Romeu e Julieta" terá ido buscar o sopro, é muito raro encontrarmos uma que nos narre um bonito caso de amor e não será por acaso que àquelas que em felicidade terminam se acrescenta a coloração de cor-de-rosa.
Mas o desafio consiste precisamente em pegar no que é comum para aí encontrar aquilo que nos pode levar a reflectir naquilo que importa e aqui cabe a pergunta: não será o amor um dos sentimentos que nos pode levar a viver uma vida ética e com isso a... Digamos, manter a esperança de uma vida em sociedade mais digna ou, por outras palavras, mais humana, mais centrada no ser humano enquanto fim e não de toda a organização social? Poderá o amor ser um dos elementos da esperança sem a qual não haveria muito a dizer para os humanos e pouco, para evitar dizer nada, a esperar para eles e o seu futuro?
São questões de sempre, é certo, mas daquelas que nos forçam a meditar naquilo que, tal qual dizes, verdaeiramente interessa.
E então o que interessa? Vermos como poderemos construir as pontes para uma Humanidade de paz, de partilha, aquela em que os despojados não se vejam condenados a morrer sem terem vivido, a viverem sem uma nesga de esperança no amanhã.
Sim, eu sei que isto é conversa de sonhador; mas será que uma vida ética seria de todo impossível para um animal que apesar de ser tão burro e casmurro, não deixa por isso de ser tão inteligente quanto nós somos?
Creio já o ter dito que o que mais me impressionou no Brasil foi o facto de aí ter visto um exemplo de mundo e por isso através dele aí podermos construir uma alegoria sobre aquele que afinal, sobre a Terra, cabamos por ser todos nós.
Aquele abraço, companheiro
Luís
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