VAMOS LÁ IMAGINAR: O Dr. Cavaco, que bem sabemos ser um homem não só previdente, mas sobretudo providencial, alguém que, segundo as suas próprias palavras, nunca tem dúvidas e raramente se engana, não confiando no jovem bon vivant que por má conjunção dos astros se colocou à frente do Paz Pão Povo e Liberdade, chamou um seu ex-ministro daquele tempo em que se cobria o país de cimento e de alcatrão, se inventava uma nova classe para a lavoura — os desagricultores — e se acabava com as pescas, a marinha mercante e a metalomecânica e disse-lhe: companheiro Eduardo, encarrego-te de uma missão patriótica e muito melindrosa, segura o meu pupilo, vigia-o bem. Eu quero-o em primeiro-ministro, não porque confie nele, mas porque não gosto do outro, que até me dá arrepios. O Pacheco Pereira, que a seguir a mim é o homem mais inteligente do País, até diz que ele é da Transilvânia e eu começo a acreditar que sim.
Previdente e providencial, o que ele não esperava, apesar de não estar como o comum dos mortais sujeito à dúvida e ao desengano, é que o professor Catroga andasse tão acelerado que só umas merecidas férias no Brasil afastassem o perigo de afundamento iminente do porta-aviões que está já todo esburacado, não pelo fogo do inimigo, mas pelo fogo amigo.
Pior, muito pior do que a aceleração, foi a erupção dum insuspeitado lado negro que faz do palavrão arma de arremesso e do insulto estilo.
E todos esperavam, na boa-fé com que ouviram as mais solenes juras de falar verdade, porque mentir só os outros é que mentem, que o ilustre vigilante do jovem inexperiente que quer chegar ao pote fosse o representante no nosso país, autêntico e verdadeiro, dessa mesma verdade; uma verdade em flor no seio dos políticos a quem o povo chama de mentirosos, que desilusão! Quem o viu no programa da D. Fátima a chamar mentiroso a quem lhe disse que ele tinha escrito o que realmente escreveu e que ele, em nome da sua tese de falar verdade, negou, negando-se, abriu a boca de espanto e murmurou: o homem passou-se.
Sócrates deve ter nascido de cara para a Lua e, se calhar, o Pacheco Pereira tem razão. O que é certo é que não precisa de fazer nada para ganhar o próximo concurso eleitoral, todos os concorrentes trabalham a seu favor. Até o Louçã. Viram aquele triste episódio da carta jurada e afirmada, apesar de inexistente, ratificada e rectificada depois com a desculpa esfarrapada do Fazenda? Dizia o homem: sim, é o memorando, mas isto é conhecido internacionalmente como carta de garantia!
Pois é, vale tudo, provavelmente tirar olhos até.
O que é normal nos países sufragistas como o nosso é que os governos se desgastem e dêem lugar aos que se irão desgastar a seguir. Portugal é diferente. Aqui, quem se desgasta são aqueles que têm mais olhos do que barriga, os que — usando o barbarismo de Passos Coelho — correm ávidos para o «pote» e em vez de darem tiros para o ar em sinal de alegria, como se usa no Próximo Oriente, disparam para o chão e acertam nos próprios pés.
Amigo Paulo Borges, conte com o meu voto, eu vou votar no seu Partido dos Amigos dos Animais.
Abdul Cadre
(in, Jornal do Barreiro, 21/5/2011)
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