Uma Revista que se pretende livre, tendo até a liberdade de o não ser. Livre na divisa, imprevisível na senha. Este "Estudo Geral", também virado à participação local, lembra a fundação do "Estudo Geral" em Portugal, lá longe no ido século XIII, por D. Dinis, "o plantador das naus a haver", como lhe chama Fernando Pessoa em "Mensagem". Coordenação de Edição: Luís Santos.
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
REAL... IRREAL... SURREAL..., (8)
Adão e Eva Expulsos do Paraíso, Marc Chagall
Óleo sobre Tela, 190x284cm
NATAL
Nem sei bem porquê…
Hoje aconteceu-me procurar o Natal.
Comecei pelas memórias.
Primeiro pensei por onde havia eu de começar a lembrar-me.
Mas as memórias chegavam mais depressa do que a minha escolha.
Desisti.
...
Depois ocorreu-me que a memória está dentro da cabeça.
Fui ao médico.
- Doutor, preciso que me faça uma cirurgia ao cérebro.
O médico disse-me que não podia. Não era cirurgião.
Voltei ao hospital e roubei um bisturi.
Estudei.
Procurei a zona do cérebro sem nada.
Uma era do falar… passei por ela calada.
Outra era do sentir… passei por ela indiferente.
Outra era do olhar… fechei os olhos e fui.
Outra era do pensar… fiz-me tonta e prossegui.
Cheguei ao lado de lá.
Voltei.
Novamente no princípio, achei o que procurava.
Era o começo das memórias e tinha um pedacinho minúsculo de nada. Chamava-se princípio de ontem.
Medi, risquei e cortei.
Consegui entrar. Sozinha.
Era escuro. Era pequeno. Era vazio.
Uma lágrima do nada.
Mais um pouco e encontrei-o.
Estava vestido de vermelho, tinha umas grandes barbas brancas e corria de um lado para o outro. Ora estava em minha casa, com os meus primos pequenos, ora ia de trenó no lado de baixo do céu, no centro Comercial…
Depois era a televisão, um anúncio de Natal na paragem do elétrico a beber uma bebida da qual nunca soube o nome.
Dele sei. Era o Pai Natal.
Continuei.
Caminhei e, a seguir, vi um grupo de meninos. Não sabiam escrever. Uma mulher já zangada escrevia para todos.
- Não, isso não. Tem de ser uma coisa mais barata.
Os miúdos, a esperar sem poderem escolher.
E eu não quis lá ficar.
A seguir, cheguei a casa.
Era o meu pai. Escondido. Eu a ver. Ele a pensar que eu não via.
Sorri. Tinha apenas sete anos.
Gostei. Ia ficar.
De repente, já não estava. Um arrepio…
Era o Pedro. Morto. Num dia de Natal.
Fiquei, esquecida, a chorar. A perguntar. Nem resposta…
Fiquei.
Fiquei-me.
Foi a memória procurar por mim. Encontrou-me ali e levou-me, arrastada e teimosa.
Cheguei fora.
Estava lá um menino.
Limpei as lágrimas.
Limpei o meu nada. Prossegui.
Era Natal.
Esqueci e celebrei. Renasci.
Menina e certa. Cheia e nua.
Completa.
Hoje aconteceu-me procurar o Natal.
E nasci.
Natal, o parto de mim.
Maria Teresa Bondoso
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4 comentários:
Bom dia,Teresa e António!
Lindo, Feliz e Triste e Mágico, como, acho, são sempre os Natais! Porque são feitos de cores, de presenças, de ausências e de crianças. E, alguns, de Pais Natal! O meu sempre foi de Menino Jesus e Presépio - é assim que está na minha memória!
Muito belo o Chagall - especial esta 2ª feira: também porque é Natal!
Obrigada por mais este momento - um Natal em Paz para ambos!
Fico muito feliz com tudo o que é mágico...
Magia é sentir felicidade com a felicidade do outro.
Mágicas são as pessoas, que das coisas simples como a palavra e a cor, nos mostram o caminho da felicidade...
Como aqui!
As suas palavras são uma prenda inesquecível...
António
Aqui é, realmente, Natal. Porque aqui se nasce novo todos os dias. Aqui se renasce, gerando dentro o Menino, presente em cada um dos que aqui se dá, inteiro, exposto, pobre... para que outros "enriqueçam" de vida.
Este é o verdadeiro espírito de Natal. E, por isso, apetece-me dizer muito obrigada a todos os que tornam possível este lugar inteligente, mágico, maravilhoso. Sem vocês, o meu Natal deste ano seria, certamente, mais pobre. Bem-Hajam!!!
É.
O Natal é sempre nascimento.
A esse nascimento repetido e renovado coisas vão sucumbindo por não serem compatíveis.
Nessa luta de contrários se joga o futuro que se constrói.
Futuro que queremos (e cremos)melhor.
Afinal é disso que sempre temos falado nestas nossas incursões, não é?
Nos textos da Teresa a magia solta-se sempre, das "ilustrações" do António que se pode dizer?! maravilhamo-nos e pronto.
Abraços e Boas Festas para todos.
Manuel João Croca
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