segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

REAL... IRREAL... SURREAL..., (8)



Adão e Eva Expulsos do Paraíso, Marc Chagall
Óleo sobre Tela, 190x284cm

NATAL

Nem sei bem porquê…

Hoje aconteceu-me procurar o Natal.

Comecei pelas memórias.

Primeiro pensei por onde havia eu de começar a lembrar-me.

Mas as memórias chegavam mais depressa do que a minha escolha.

Desisti.

...

Depois ocorreu-me que a memória está dentro da cabeça.



Fui ao médico.

- Doutor, preciso que me faça uma cirurgia ao cérebro.

O médico disse-me que não podia. Não era cirurgião.

Voltei ao hospital e roubei um bisturi.

Estudei.

Procurei a zona do cérebro sem nada.

Uma era do falar… passei por ela calada.

Outra era do sentir… passei por ela indiferente.

Outra era do olhar… fechei os olhos e fui.

Outra era do pensar… fiz-me tonta e prossegui.

Cheguei ao lado de lá.

Voltei.

Novamente no princípio, achei o que procurava.

Era o começo das memórias e tinha um pedacinho minúsculo de nada. Chamava-se princípio de ontem.



Medi, risquei e cortei.

Consegui entrar. Sozinha.



Era escuro. Era pequeno. Era vazio.

Uma lágrima do nada.



Mais um pouco e encontrei-o.

Estava vestido de vermelho, tinha umas grandes barbas brancas e corria de um lado para o outro. Ora estava em minha casa, com os meus primos pequenos, ora ia de trenó no lado de baixo do céu, no centro Comercial…

Depois era a televisão, um anúncio de Natal na paragem do elétrico a beber uma bebida da qual nunca soube o nome.

Dele sei. Era o Pai Natal.



Continuei.

Caminhei e, a seguir, vi um grupo de meninos. Não sabiam escrever. Uma mulher já zangada escrevia para todos.

- Não, isso não. Tem de ser uma coisa mais barata.

Os miúdos, a esperar sem poderem escolher.

E eu não quis lá ficar.



A seguir, cheguei a casa.

Era o meu pai. Escondido. Eu a ver. Ele a pensar que eu não via.

Sorri. Tinha apenas sete anos.

Gostei. Ia ficar.



De repente, já não estava. Um arrepio…

Era o Pedro. Morto. Num dia de Natal.

Fiquei, esquecida, a chorar. A perguntar. Nem resposta…

Fiquei.



Fiquei-me.



Foi a memória procurar por mim. Encontrou-me ali e levou-me, arrastada e teimosa.

Cheguei fora.

Estava lá um menino.

Limpei as lágrimas.

Limpei o meu nada. Prossegui.

Era Natal.

Esqueci e celebrei. Renasci.

Menina e certa. Cheia e nua.

Completa.



Hoje aconteceu-me procurar o Natal.

E nasci.

Natal, o parto de mim.



Maria Teresa Bondoso

4 comentários:

Anónimo disse...

Bom dia,Teresa e António!
Lindo, Feliz e Triste e Mágico, como, acho, são sempre os Natais! Porque são feitos de cores, de presenças, de ausências e de crianças. E, alguns, de Pais Natal! O meu sempre foi de Menino Jesus e Presépio - é assim que está na minha memória!
Muito belo o Chagall - especial esta 2ª feira: também porque é Natal!
Obrigada por mais este momento - um Natal em Paz para ambos!

A.Tapadinhas disse...

Fico muito feliz com tudo o que é mágico...

Magia é sentir felicidade com a felicidade do outro.

Mágicas são as pessoas, que das coisas simples como a palavra e a cor, nos mostram o caminho da felicidade...

Como aqui!

As suas palavras são uma prenda inesquecível...

António

Unknown disse...

Aqui é, realmente, Natal. Porque aqui se nasce novo todos os dias. Aqui se renasce, gerando dentro o Menino, presente em cada um dos que aqui se dá, inteiro, exposto, pobre... para que outros "enriqueçam" de vida.
Este é o verdadeiro espírito de Natal. E, por isso, apetece-me dizer muito obrigada a todos os que tornam possível este lugar inteligente, mágico, maravilhoso. Sem vocês, o meu Natal deste ano seria, certamente, mais pobre. Bem-Hajam!!!

MJC disse...

É.
O Natal é sempre nascimento.
A esse nascimento repetido e renovado coisas vão sucumbindo por não serem compatíveis.
Nessa luta de contrários se joga o futuro que se constrói.
Futuro que queremos (e cremos)melhor.
Afinal é disso que sempre temos falado nestas nossas incursões, não é?
Nos textos da Teresa a magia solta-se sempre, das "ilustrações" do António que se pode dizer?! maravilhamo-nos e pronto.

Abraços e Boas Festas para todos.

Manuel João Croca