MANEIRAS DE ESTAR, DE SER. (IV)
A
felicidade era geral e quase palpável.
Quico
começou de novo a procurar na guitarra.
Após
algumas tentativas, lá encontrou um trilho e foi por ele afora.
Os
outros ouviam, atentos.
O
trilho, neste caso, conduzia-nos ao universo musical de Rodrigo Leão. Algo
delicado e profundo, penetrando numa atmosfera com algo de místico e, no
entanto, leve. Luz coada, levitação interior, deslumbramento numa quietude
fortemente impressiva.
Passaram
largos momentos que não saberei precisar pois, como dizia, sabia adulterada a
corriqueira noção de tempo.
Começaram
a tentar encontrar-se no trilho sem se empurrarem.
Foram
conseguindo e, quando já todos juntos seguiam, ouviu-se uma voz límpida,
cristalina, bem timbrada.
Uma
voz de anjo que se elevava como numa prece ou lamento.
Das
palmeiras do jardim
Só
imagens.
Memórias…
E
o olhar
Aqui,
Tão
perto.
Boa,
ouviu-se em coro.
Os
anéis ao longo do tronco
Feito
dedo,
Assinalavam
a passagem
Do
tempo.
Aqui
a voz calou-se.
A
música continuou.
Continuou
e, por fim, chegou de novo a voz,
As
folhas no topo,
Cabeleira
verdejando
O
castanho
Ilusão
de oásis.
Olhos
que vêem,
Pensamento
que voa,
Paisagens
longínquas
De
epopeia antiga.
Aqui
a voz continuou soletrando algo mas as palavras eram incompreensíveis,
“Continua, continua,
não pares”, bradava o Quico empolgado.
“Continua, continua”
bradavam todos.
E
a voz voltou a definir-se,
Chegou
o mal
Em
forma de praga
Adoeceram
e
Morreram,
Por
fim.
Morreram
de pé
Como
morrem
As
árvores.
Cortaram-nas.
Em
seu lugar
Ficou
um vazio.
E
agora?
- “Pessoal, vamos ao refrão”
desafiou a Marta e todos corresponderam,
Das
palmeiras do jardim
Só
imagens.
Memórias…
E
o olhar
Aqui,
Tão
perto.
- “Mais uma vez para
acabar.”
Das
palmeiras do jardim
Só
imagens.
Memórias…
E
o olhar
Aqui,
Tão
perto.
- “Pessoal vamos
apontar.”
Levantei-me
e paguei a minha despesa no Bar.
Dei
uns passos na direcção do grupo e disse
“Fantástico, vocês são
fantásticos e o concerto foi magnífico, quanto é que eu devo?”,
brinquei.
“Nada,
respondeu o Quico, você também participou.
Com a sua presença. E o seu silêncio. Amanhã à mesma hora?!”
“Até amanhã então”, disse.
E
sorri, sorria.
Estava
feliz quando regressei a casa.
Enquanto
ia andando, reflectia no que acabara de presenciar e, de certa forma,
participar.
E
foi reflectindo que percebi o facto de que, às vezes, a melhor forma de
participarmos é, ainda que presentes, guardarmos silêncio para que os outros
possam ser o que são e como são e, assim, poderem fazer o “trabalho” que têm
para fazer sem ninguém a empatar.
Foto: Carlos Baptista; Texto: Manuel João Croca
Nota: A intervençao deste grupo de jovens tem antecedentes e terá continuídade mas, no que respeita ao Estudo Geral e de momento, fica-se por aqui. Mais tarde, provavelmente, a eles voltaremos.
4 comentários:
Bom dia, Manuel João!
Estava a seguir este grupo de jovens com muito prazer - espero que voltem em breve! Curiosamente lembrei-me deles ontem, porque também eu assisti a algo semelhante, no meu jardim, numa festa de jovens que se juntaram para a despedida do meu filho para terras de África (ainda cá estão, ficaram para o pequeno almoço)! E foi em redor de uma fogueira que as guitarras foram tocando e as vozes se foram soltando e o aperto da partida breve se foi dissolvendo em risos e canções - este país é, decididamente, para jovens! E nós tornamo-nos jovens com eles, não é? E vieram de muitos lados, do nosso e de outros países, com outras maneiras de ser e de estar... e foi aí que me lembrei deste grupo e pensei que, mesmo correndo o risco de me alongar na escrita, hoje iria partilhar este meu ontem que se estendeu até hoje e que me deixou feliz!
Obrigada, Manuel João e, apesar da chuva, um Bom Dia!
Abraço,
Amélia
Olá Amélia, boa noite.
Também eu, hoje, fui levar a minha filha ao aeroporto. Regressou a Inglaterra, para ir retomar o seu posto de trabalho.
Por um lado é bom, já que é uma forma de conseguir alguma autonomia em termos económicos mas, por outro lado...
Não sei se foi por isso que decidi, por agora, abandonar o relato do pulsar deste grupo de jovens, talvez, não sei.
Mas, mais tarde ou mais cedo, vou voltar a eles. Porque me inspiram e são indispensáveis.
Tenha uma boa semana e obrigado pelo seu comentário.
Um abraço.
Manuel João Croca
Bom dia, Manuel João!
Inglaterra é um bom país para se viver! E depois é logo ali... aliás, as tecnologias fizeram com que todos os países fossem logo ali, não é? Vivi lá durante algum tempo também, o meu filho fez lá os seus estudos universitários e ainda tenho por lá espalhados muitos amigos, pelo que me desloco, sobretudo a Londres, com alguma frequência. Quase me apetecia dizer que também gostaria de ter viajado ontem... depois há o acesso à cultura, a multiculturalidade que se experimenta em Londres que tanto nos enriquece, a descoberta do outro nas suas mais diversas formas...
Fica-nos a saudade, mas esse é outro assunto!
Boa semana!
Amélia
Bom dia Amélia.
O seu pensamento está correcto, a sua sintonia a perfeita.
Se não pensarmos positivivo fica tudo mais difícil não é?!
Mas que quer, não gostamos de nos sentir ( a nós e aos nossos) empurrados.
Um abraço.
Manuel João Croca
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