domingo, 17 de fevereiro de 2013





 


 
 
 
MANEIRAS DE ESTAR, DE SER. (IV)
 
A felicidade era geral e quase palpável.
Quico começou de novo a procurar na guitarra.
Após algumas tentativas, lá encontrou um trilho e foi por ele afora.
Os outros ouviam, atentos.
O trilho, neste caso, conduzia-nos ao universo musical de Rodrigo Leão. Algo delicado e profundo, penetrando numa atmosfera com algo de místico e, no entanto, leve. Luz coada, levitação interior, deslumbramento numa quietude fortemente impressiva.
Passaram largos momentos que não saberei precisar pois, como dizia, sabia adulterada a corriqueira noção de tempo.
Começaram a tentar encontrar-se no trilho sem se empurrarem.
Foram conseguindo e, quando já todos juntos seguiam, ouviu-se uma voz límpida, cristalina, bem timbrada.
Uma voz de anjo que se elevava como numa prece ou lamento.
 
Das palmeiras do jardim
Só imagens.
Memórias…
E o olhar
Aqui,
Tão perto.
 
Boa, ouviu-se em coro.
 
Os anéis ao longo do tronco
Feito dedo,
Assinalavam a passagem
Do tempo.
 
Aqui a voz calou-se.
A música continuou.
Continuou e, por fim, chegou de novo a voz,
 
As folhas no topo,
Cabeleira verdejando
O castanho
Ilusão de oásis.
Olhos que vêem,
Pensamento que voa,
Paisagens longínquas
De epopeia antiga.
 
Aqui a voz continuou soletrando algo mas as palavras eram incompreensíveis,
“Continua, continua, não pares”, bradava o Quico empolgado.
“Continua, continua” bradavam todos.
E a voz voltou a definir-se,
 
Chegou o mal
Em forma de praga
Adoeceram e
Morreram,
Por fim.
Morreram de pé
Como morrem
As árvores.
Cortaram-nas.
Em seu lugar
Ficou um vazio.
E agora?
 
- “Pessoal, vamos ao refrão” desafiou a Marta e todos corresponderam,
 
 
 
Das palmeiras do jardim
Só imagens.
Memórias…
E o olhar
Aqui,
Tão perto.
 
- “Mais uma vez para acabar.”
 
Das palmeiras do jardim
Só imagens.
Memórias…
E o olhar
Aqui,
Tão perto.
 
- “Pessoal vamos apontar.”
 
Levantei-me e paguei a minha despesa no Bar.
Dei uns passos na direcção do grupo e disse
“Fantástico, vocês são fantásticos e o concerto foi magnífico, quanto é que eu devo?”, brinquei.
“Nada, respondeu o Quico, você também participou. Com a sua presença. E o seu silêncio. Amanhã à mesma hora?!”
“Até amanhã então”, disse.
E sorri, sorria.
Estava feliz quando regressei a casa.
Enquanto ia andando, reflectia no que acabara de presenciar e, de certa forma, participar.
E foi reflectindo que percebi o facto de que, às vezes, a melhor forma de participarmos é, ainda que presentes, guardarmos silêncio para que os outros possam ser o que são e como são e, assim, poderem fazer o “trabalho” que têm para fazer sem ninguém a empatar.
 
 
Foto: Carlos Baptista; Texto: Manuel João Croca
 
Nota: A intervençao deste grupo de jovens tem antecedentes e terá continuídade mas, no que respeita ao Estudo Geral e de momento, fica-se por aqui. Mais tarde, provavelmente, a eles voltaremos.
 

4 comentários:

Amélia Oliveira disse...

Bom dia, Manuel João!
Estava a seguir este grupo de jovens com muito prazer - espero que voltem em breve! Curiosamente lembrei-me deles ontem, porque também eu assisti a algo semelhante, no meu jardim, numa festa de jovens que se juntaram para a despedida do meu filho para terras de África (ainda cá estão, ficaram para o pequeno almoço)! E foi em redor de uma fogueira que as guitarras foram tocando e as vozes se foram soltando e o aperto da partida breve se foi dissolvendo em risos e canções - este país é, decididamente, para jovens! E nós tornamo-nos jovens com eles, não é? E vieram de muitos lados, do nosso e de outros países, com outras maneiras de ser e de estar... e foi aí que me lembrei deste grupo e pensei que, mesmo correndo o risco de me alongar na escrita, hoje iria partilhar este meu ontem que se estendeu até hoje e que me deixou feliz!
Obrigada, Manuel João e, apesar da chuva, um Bom Dia!

Abraço,
Amélia

MJC disse...

Olá Amélia, boa noite.

Também eu, hoje, fui levar a minha filha ao aeroporto. Regressou a Inglaterra, para ir retomar o seu posto de trabalho.

Por um lado é bom, já que é uma forma de conseguir alguma autonomia em termos económicos mas, por outro lado...

Não sei se foi por isso que decidi, por agora, abandonar o relato do pulsar deste grupo de jovens, talvez, não sei.

Mas, mais tarde ou mais cedo, vou voltar a eles. Porque me inspiram e são indispensáveis.

Tenha uma boa semana e obrigado pelo seu comentário.

Um abraço.

Manuel João Croca

Amélia Oliveira disse...

Bom dia, Manuel João!

Inglaterra é um bom país para se viver! E depois é logo ali... aliás, as tecnologias fizeram com que todos os países fossem logo ali, não é? Vivi lá durante algum tempo também, o meu filho fez lá os seus estudos universitários e ainda tenho por lá espalhados muitos amigos, pelo que me desloco, sobretudo a Londres, com alguma frequência. Quase me apetecia dizer que também gostaria de ter viajado ontem... depois há o acesso à cultura, a multiculturalidade que se experimenta em Londres que tanto nos enriquece, a descoberta do outro nas suas mais diversas formas...
Fica-nos a saudade, mas esse é outro assunto!

Boa semana!
Amélia

MJC disse...

Bom dia Amélia.

O seu pensamento está correcto, a sua sintonia a perfeita.

Se não pensarmos positivivo fica tudo mais difícil não é?!

Mas que quer, não gostamos de nos sentir ( a nós e aos nossos) empurrados.

Um abraço.

Manuel João Croca